Amigos, ontem fui dormir com as galinhas e acordei de madrugada, e depois de escrever um textão para o Sr. Cleber fui ler o livro do José de Meira Penna, chamado "O Dinossauro", acho que foi escrito na década de 70, e quero compartilhar com vocês um trecho desse livro: A tradição de ociosidade é antiga em nosso serviço público. "O ministro Aluízio Alves, da Administração, informou por exemplo que existem pessoas que têm uma carga horária de 6 horas de trabalho e faturam outras 10 horas extras. Tem gente que parece nem dormir de tanta hora extra que ganha do governo. Outro problema é a indústria das diárias corridas. O malandro ganha trinta diárias de viagem num mês sem deixar sua sala de trabalho e sem que haja qualquer outra evidência de que viajou um dia sequer. Os desníveis salariais são também curiosíssimos: por lei, há 35 níveis de salários para cargos médios e 25 para os superiores. Entretanto, através de decretos, portarias, instruções normativas e despachos, existe hoje um total de 344 níveis salariais diferentes. Há, neste mundo de faixas, coisas ridículas como a diferença de apenas um cruzado entre um nível salarial e outro. Um funcionário luta dois anos para subir e, quando vai verificar o que pode haver ganho com a promoção, descobre que ela lhe valeu um cruzado a mais por mês... O ilustre titular da pasta de Administração esclarece ainda que "há casos de pessoas que, valendo-se de artifícios legais, chegam a receber por nove funções diferentes. Assim, um funcionário aposentado ou da reserva das Forças Armadas pode ter emprego numa tabela especial, ser contratado como especialista por alguma outra repartição, assinar outro contrato com uma fundação de assistência técnica, além de lhe ser permitido fazer parte de até cinco conselhos ligados aos serviços públicos. Todos com jeton... Enfim, nove fontes de pagamento ? e "há milhares de pessoas em situação parecida com a que descrevi", conclui o ministro Aluízio Alves. Acrescente-se que acumulação de cargos é ilegal... Existem 20.500 repartições federais (e um número indeterminado mas certamente considerável de repartições estaduais e municipais). Das federais, segundo a SEPLAN, 282 funcionam na área da Indústria e Comércio, 339 na área de Educação, 554 atuando em assuntos de Saúde e 383 recolhendo impostos e trabalhando no sentido de tributar cada vez mais pesadamente "o sofrido povo brasileiro". Em 1987, o Estado brasileiro nem mesmo sabe quantos órgãos, empresas e imóveis possui e administra. Atualmente, ouve-se constantemente pela imprensa que repartições públicas "descobrem" imóveis e patrimônio de sua propriedade, cuja extensão desconheciam. As estatísticas são escassas. Mas essa ignorância sobre si mesmo constitui na verdade uma das características mais aberrantes do Dinossauro. Mais uma vez, como em décadas anteriores, se fala em ociosos, e em Reforma Administrativa e na necessidade de transferências ou remanejamentos do pessoal "descartável". Pela nonagésima vez se proíbe a contratação de novos funcionários. Pela duocentésima vez se promete moralizar o serviço público. Nunca se fala, contudo, na necessidade mais lógica, justa, democrática, pragmática, cívica e patriótica de simplesmente demitir os ociosos... No mês de outubro de 1985, o senhor ministro da Administração, Aluízio Alves, declarou que não teme resistências à extinção ou fusão de repartições ou órgãos da Administração Direta ou Indireta, quando entrar em vigor a nova Lei Orgânica da Administração (mais uma!). Enquanto falava e prometia, anunciava-se que um relatório confidencial ao presidente da República denunciava que a máquina administrativa, em geral, não tem funcionado, a não ser no interesse político dos ocupantes dos cargos. O presidente da República teria "ficado irritado", conforme anunciou a imprensa. Entrementes, alguns outros membros da família do senhor presidente da República foram nomeados para cargos públicos. A Secretaria de Planejamento (SEPLAN) liberou, em fins de 1985, Cr$350 bilhões para o Ministério da Justiça aplicar na construção de presídios e até hoje não foram concluídos sequer os projetos. A criminalidade continua a atormentar as grandes cidades brasileiras e um número considerável de criminosos é composto de foragidos de delegacias e presídios. De qualquer forma, os orçamentos sempre aumentam: é o que Oliveira Vianna, com sua sabedoria, chamava de "burocratismo orçamentívoro"... O dr. Roberto Gusmão corajosamento afirmou: "É preciso desmontar por completo a máquina estatal e acabar com o ar de arrogância dos tecnocratas que, ao invés de serem passageiros do Estado, funcionam como se dele fossem proprietários"...Pouco tempo depois de afirmar esses sábios princípios, o dr. Roberto Gusmão foi demitido de suas funções. É que o ex-ministro da Indústria e Comércio fora taxativo a respeito do escândalo do IBC, ocorrido em fevereiro de 1985: "Eu pedi a extinção do órgão porque comprovei, através de uma auditoria, que aquilo é uma fonte de corrupção e negociatas". Aliás, há décadas o IBC, que dispunha de 4.600 funcionários, tem sido periodicamente acusado de deslizes mais ou menos graves, em prejuízo para a economia nacional, num setor chave da produção ? um setor que era outrora a principal fonte de divisas do país. Mas o IBC conseguiu o prodígio de assegurar à Colômbia, em 1985, o primeiro lugar na exportação de café, perdendo assim o Brasil uma posição que detinha há mais de cem anos: é a Lei de Parkinson ? quanto mais funcionários, maior corrupção e menor eficiência... Lembro-me que, por volta do ano 1953/54, uma alta repentina do café nos EUA teria sido aproveitada por pessoas intimamente ligadas ao então ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, para a realização de lucros de milhões de dólares. A existência de um tal órgão, numa atividade que deveria depender exclusivamente dos produtores privados de café, é uma das mais inomináveis aberrações da administração brasileira. A redução do funcionalismo de 4.600 para 400 revela a magnitude do escândalo".
Amigos, ontem fui dormir com as galinhas e acordei de madrugada, e depois de escrever um textão para o Sr. Cleber fui ler o livro do José de Meira Penna, chamado "O Dinossauro", acho que foi escrito na década de 70, e quero compartilhar com vocês um trecho desse livro: A tradição de ociosidade é antiga em nosso serviço público. "O ministro Aluízio Alves, da Administração, informou por exemplo que existem pessoas que têm uma carga horária de 6 horas de trabalho e faturam outras 10 horas extras. Tem gente que parece nem dormir de tanta hora extra que ganha do governo. Outro problema é a indústria das diárias corridas. O malandro ganha trinta diárias de viagem num mês sem deixar sua sala de trabalho e sem que haja qualquer outra evidência de que viajou um dia sequer. Os desníveis salariais são também curiosíssimos: por lei, há 35 níveis de salários para cargos médios e 25 para os superiores. Entretanto, através de decretos, portarias, instruções normativas e despachos, existe hoje um total de 344 níveis salariais diferentes. Há, neste mundo de faixas, coisas ridículas como a diferença de apenas um cruzado entre um nível salarial e outro. Um funcionário luta dois anos para subir e, quando vai verificar o que pode haver ganho com a promoção, descobre que ela lhe valeu um cruzado a mais por mês... O ilustre titular da pasta de Administração esclarece ainda que "há casos de pessoas que, valendo-se de artifícios legais, chegam a receber por nove funções diferentes. Assim, um funcionário aposentado ou da reserva das Forças Armadas pode ter emprego numa tabela especial, ser contratado como especialista por alguma outra repartição, assinar outro contrato com uma fundação de assistência técnica, além de lhe ser permitido fazer parte de até cinco conselhos ligados aos serviços públicos. Todos com jeton... Enfim, nove fontes de pagamento ? e "há milhares de pessoas em situação parecida com a que descrevi", conclui o ministro Aluízio Alves. Acrescente-se que acumulação de cargos é ilegal... Existem 20.500 repartições federais (e um número indeterminado mas certamente considerável de repartições estaduais e municipais). Das federais, segundo a SEPLAN, 282 funcionam na área da Indústria e Comércio, 339 na área de Educação, 554 atuando em assuntos de Saúde e 383 recolhendo impostos e trabalhando no sentido de tributar cada vez mais pesadamente "o sofrido povo brasileiro". Em 1987, o Estado brasileiro nem mesmo sabe quantos órgãos, empresas e imóveis possui e administra. Atualmente, ouve-se constantemente pela imprensa que repartições públicas "descobrem" imóveis e patrimônio de sua propriedade, cuja extensão desconheciam. As estatísticas são escassas. Mas essa ignorância sobre si mesmo constitui na verdade uma das características mais aberrantes do Dinossauro. Mais uma vez, como em décadas anteriores, se fala em ociosos, e em Reforma Administrativa e na necessidade de transferências ou remanejamentos do pessoal "descartável". Pela nonagésima vez se proíbe a contratação de novos funcionários. Pela duocentésima vez se promete moralizar o serviço público. Nunca se fala, contudo, na necessidade mais lógica, justa, democrática, pragmática, cívica e patriótica de simplesmente demitir os ociosos... No mês de outubro de 1985, o senhor ministro da Administração, Aluízio Alves, declarou que não teme resistências à extinção ou fusão de repartições ou órgãos da Administração Direta ou Indireta, quando entrar em vigor a nova Lei Orgânica da Administração (mais uma!). Enquanto falava e prometia, anunciava-se que um relatório confidencial ao presidente da República denunciava que a máquina administrativa, em geral, não tem funcionado, a não ser no interesse político dos ocupantes dos cargos. O presidente da República teria "ficado irritado", conforme anunciou a imprensa. Entrementes, alguns outros membros da família do senhor presidente da República foram nomeados para cargos públicos. A Secretaria de Planejamento (SEPLAN) liberou, em fins de 1985, Cr$350 bilhões para o Ministério da Justiça aplicar na construção de presídios e até hoje não foram concluídos sequer os projetos. A criminalidade continua a atormentar as grandes cidades brasileiras e um número considerável de criminosos é composto de foragidos de delegacias e presídios. De qualquer forma, os orçamentos sempre aumentam: é o que Oliveira Vianna, com sua sabedoria, chamava de "burocratismo orçamentívoro"... O dr. Roberto Gusmão corajosamento afirmou: "É preciso desmontar por completo a máquina estatal e acabar com o ar de arrogância dos tecnocratas que, ao invés de serem passageiros do Estado, funcionam como se dele fossem proprietários"...Pouco tempo depois de afirmar esses sábios princípios, o dr. Roberto Gusmão foi demitido de suas funções. É que o ex-ministro da Indústria e Comércio fora taxativo a respeito do escândalo do IBC, ocorrido em fevereiro de 1985: "Eu pedi a extinção do órgão porque comprovei, através de uma auditoria, que aquilo é uma fonte de corrupção e negociatas". Aliás, há décadas o IBC, que dispunha de 4.600 funcionários, tem sido periodicamente acusado de deslizes mais ou menos graves, em prejuízo para a economia nacional, num setor chave da produção ? um setor que era outrora a principal fonte de divisas do país. Mas o IBC conseguiu o prodígio de assegurar à Colômbia, em 1985, o primeiro lugar na exportação de café, perdendo assim o Brasil uma posição que detinha há mais de cem anos: é a Lei de Parkinson ? quanto mais funcionários, maior corrupção e menor eficiência... Lembro-me que, por volta do ano 1953/54, uma alta repentina do café nos EUA teria sido aproveitada por pessoas intimamente ligadas ao então ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, para a realização de lucros de milhões de dólares. A existência de um tal órgão, numa atividade que deveria depender exclusivamente dos produtores privados de café, é uma das mais inomináveis aberrações da administração brasileira. A redução do funcionalismo de 4.600 para 400 revela a magnitude do escândalo".