Imprevisibilidade, clima, alto custo, caos logístico: Os desafios de produzir café no Brasil

Safra 22, antes esperada com uma grande produção, chega com muitas incertezas ao mercado
Publicado em 19/11/2021 10:59

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O café do Brasil abastece o mundo, mas após anos de evolução na produção, as condições climáticas limitam, de certa forma, os próximos ciclos da cultura no maior produtor e exportador de café do mundo. Seca intensa, geada e até chuva granizo marcaram os dois últimos anos. Saindo de uma safra recorde, tanto na produção, mas principalmente na qualidade do grão, o mercado cafeeiro viu o cenário mudar drasticamente.

Como se não fosse suficiente, tudo isso acontece durante uma pandemia que trouxe reflexos para as principais economias, dúvidas em relação ao consumo de café mundo afora, elevação expressiva no custo de produção e um caos logístico que parece estar longe do fim.

Diante de tantos impasses, as condições climáticas e as tantas perguntas sem respostas para os próximos ciclos, são consideradas os maiores desafios para o setor. A condição climática e a falta de tecnologia para mitigar esses riscos são apontadas com unanimidade por cooperativas, produtores e outros elos do setor.

"Todo ambiente, toda a cadeia percebe dificuldades porque está muito instável. Mas eu vou colocar em primeiro lugar os incidentes climáticos que hoje são uma coisa impressionante. Eu diria, sinceramente, que hoje a maior dificuldade do cafeicultor é prever ou sobreviver aos incidentes climáticos", afirma José Marcos Magalhães, presidente da Minasul.

Veja fotos de lavouras sentido impactos da seca e posteriormente das geadas:



Fotos foram enviadas ao Notícias Agrícolas por produtores de café


Quando o assunto é tecnologia do café, Luis Henrique Albinati, diretor de Novos Negócios da Minasul, explica que em termos de pesquisas agronômicas nenhum outro país é melhor que o Brasil. "Desenvolvimento de cultivares resistentes à seca e a pragas, são mais de 60 anos de pesquisa no Brasil, nós estamos à frente de todos os países do mundo, ninguém tem o que o Brasil tem. E isso é o que tem preponderado na luta contra as adversidades climáticas hoje", afirma, destacando ainda os importantes trabalhos feitos por instituições como IAC, Esalq-USP, Embrapa e UFLA.

Mas quando o assunto é tecnologia aplicada no campo, a cafeicultura brasileira ainda está atrás quando se compara com as demais culturas produzidas no país. "Na questão de digitalização da cafeicultura nós estamos muito devagar. Nós temos muitas pesquisas nesse sentido, mas ainda estamos longe no sentido prático, ou seja, o que saiu da pesquisa e foi produzir resultados no campo", afirma.

O atual cenário da cafeicultura levantou o debate como está sendo feita gestão da cafeicultura no país, sobretudo quando se fala em condição climática. Destaca que o clima hoje é completamente diferente do que era observado há anos, antes considerado ideal para o cultivo de café, mas que o setor produtivo precisa estar atento e que a tecnologia de última geração poderia abrir um leque de oportunidades para o Brasil.

“Eu preciso ter um sistema de gestão digital de alta performance através internet das coisas, IOT na sigla em inglês, que me informe as condições daquele talhão, daquela propriedade para que o produtor consiga tomar decisão rápida em cima de informação. Não dá mais para entrar no achismo”, afirma.

Albinati reforça ainda que outro ponto de dificuldade é encontrar as tecnologias que se apliquem à cafeicultura. Para ajudar o produtor nas tomadas de decisão, destaca a necessidade de análises fotográficas para que o produtor possa ter produtividade nos diagnósticos. “E nós temos uma trava muito grande no desenvolvimento disso, que não é culpa do cafeicultor ou do pesquisador, é uma questão econômica”, lamenta.

E falando diariamente com quem está no campo e com as startups buscando por soluções, o especialista comenta que o mercado digital também precisa estar atento às necessidades do produtor.

“Para desenvolver isso tem que saber a necessidade real do produtor e muitas vezes as sugestões não têm nada a ver com o problema real”, diz. Segundo Albinati, um exemplo prático, é a cafeicultura de montanha, que há mais de 100 anos é realizada no Brasil, e ainda assim segue sofrendo com os mesmos problemas quando se fala em colheita mecanizada.

Para a maior cooperativa de café do mundo, a Cooxupé, o maior gargalo da cafeicultura atualmente é justamente esse: mecanização. O presidente Carlos Augusto de Melo, afirma que a grande dificuldade está nessa questão.

“Nós temos a maior dificuldade hoje, porteira para dentro, na questão da mão de obra. A cada dia se passa um tanto mais escassa e com dificuldades. Nós entendemos que temos que desenvolver continuamente a questão de mecanização, automação, por conta desse desafio de mão de obra. Temos que driblar essa grande dificuldade que temos”, afirma.

Em relação às demais áreas de atuação do café, Carlos comenta que o Brasil vem fazendo a lição de casa, tanto quando o assunto é produção, mas também quando é mercado e aliança com os principais países importadores de café do Brasil. “Entendemos que isso caminha muito bem. E por isso o grande desafio, no nosso entendimento, continua sendo a questão de pessoas, de mão de obra”, finaliza.



DESAFIO É AINDA MAIOR PARA O PEQUENO PRODUTOR

O Brasil tem atualmente, pelo menos, 80% da produção de café proveniente de pequenos produtores, e o custo de implementar novas tecnologias para esse perfil de produção também é um ponto de preocupação para o setor.

“A tecnologia que esse produtor tem hoje é ultrapassada. Quando você fala em tecnologia você não está falando de máquina por máquina, você está falando de internet, que ele pode mitigar os riscos de prejuízo. E quando você pega esse contexto, nós temos muitas oportunidades, mas a cafeicultura está carente de soluções digitais”, acrescenta.

Pioneiro e referência na produção de café no Cerrado Mineiro, José Carlos Grossi também foi afetado pela seca severa, mas destaca que a grande dificuldade, neste momento, está sendo enfrentada pelo pequeno produtor. As condições do clima foram tão fora da curva neste ano, que as geadas atingiram com intensidade também o café do Cerrado.

“Foi a seca mais intensa dos últimos 50 anos e depois tivemos as geadas. E durante esse meu tempo de cafeicultura e o crescimento aqui na região se deu muito em áreas mais baixas, e por isso foram os mais afetados e são os menores produtores. E o café com o preço que estava, de R$ 500,00, não é um preço remunerável, então o pessoal não conseguiu se capitalizar”, afirma o produtor.

Com os preços vendidos pelo produtor, meses atrás, Grossi destacou que com os danos climáticos muitos produtores avaliam outras culturas, já que o custo de produção também subiu expressivamente nos últimos meses.

“Para o café recuperar vão dois anos, então o produtor tem que ficar dois anos tratando sem ter renda. O governo está lançando um plano de recuperação, mas são dois anos de trabalho. O custo de manutenção de lavoura está subindo e muito, então não sei quando o pessoal vai conseguir se recuperar das geadas”, acrescenta.

Para Saulo Falheiros, diretor geral da Cocapec, cooperativa que atua na Alta Mogiana, a maior dificuldade atual para o setor é a incerteza em relação ao tamanho da produção de 2022, principalmente depois da florada generalizada, que aparentemente não vingou nas principais áreas de produção do país.

“Não tenho dúvidas que nosso maior desafio é entender a safra 22. Muitas regiões tiveram florada e estamos vendo que esse pegamento não foi tão bom assim. A incerteza da safra 22, hoje, ainda é um problema muito grande”, comenta.

Na terceira semana de novembro os preços do café arábica voltaram a explodir na Bolsa de Nova York, atingindo as máximas dos últimos nove anos e meio. O mercado lá fora começa a entender a gravidade do problema no maior produtor de café do mundo, mas poucos elos da cadeia conseguem aproveitar o pico de alta.

“Ninguém consegue aproveitar essa alta. O produtor não vende porque não quer, mas sim porque está com medo de fechar negócio e não ter café para entregar. E não tenho dúvidas de que o mercado lá fora está com a mesma percepção”, acrescenta.

Veja fotos pós florada:


Fotos da florada e pós enviadas ao Notícias Agrícolas pela Fundação Procafé


NO CONILON, DESAFIO É PROFISSIONALIZAÇÃO DO PRODUTOR

Se no café arábica as condições climáticas vêm tirando o sono do setor, para o produtor de conilon, passada a seca de 2016, o cenário é mais confortável, de acordo com a cooperativa Cooabriel. Mesmo com o clima irregular atingindo todas as regiões do país nos últimos anos, segundo Carlos Bastianello, presidente da Cooabriel, atualmente as lavouras se desenvolvem bem para a safra de 2022. O grande impasse, no entanto, é a profissionalização do produtor. De acordo com Bastianello, o produtor passou a cuidar mais das lavouras quando o assunto é manejo, mas ainda precisa avançar em se profissionalizar em mitigar os riscos que trabalhar com cafeicultura podem trazer.

“Eu acho que a maior dificuldade na produção do conilon é a questão dos riscos do negócio. Para se produzir café exige um investimento significativo. O café é uma planta que começa a produzir com pelo menos dois anos e o produtor precisa fazer esse investimento com antecedência e quando ele tiver esse produto para vender, ele não sabe por quanto vai vender esse produto.

Para Bastianello, o segredo para o produtor ter sucesso, apesar das adversidades climáticas, é uma gestão de eficiência. E essa tem sido uma das empreitadas da cooperativa com o produtor. “Do meu ponto de vista, que precisamos trabalhar muito forte, é a profissionalização da atividade. O produtor precisa fazer muita conta do negócio dele, para entender os investimentos que ele está fazendo. O produtor que tem destaque na atividade dele ao longo de quatro ou cinco anos, esse cara é um baita gestor e qualquer empresa que ele trabalhar, vai se sair bem”, comenta.

Entre as soluções apontadas pelo presidente, é como as informações chegam para o produtor, sobretudo em relação ao custo, produção e mercado. Destaca que sem informação, muitas vezes o produtor, em anos de problemas climáticos, o produtor acaba reduzindo os tratos culturais. “Quando o produto melhora de preço ele não tem esse café para vender. Por isso o produtor precisa se profissionalizar mais, estar preparado para poder ter ganho”, finaliza.

MAIOR EXPORTADOR DE CAFÉ DO MUNDO SENTE OS IMPACTOS DO CAOS LOGÍSTICOS

Se no campo o produtor teve que aprender com o clima severo, na entrega final do produto o setor exportador do Brasil precisou aprender a lidar com os gargalos logísticos impostos pela pandemia e posteriormente pela retomada das economias.

De acordo com dados do Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), os embarques começaram a registrar queda no mês de maio, esboçaram alguma recuperação em junho, mas nos meses de julho e agosto os números chamaram atenção do mercado. Voltado a mostra tímida recuperação nos dois meses subsequentes.

“Os frequentes cancelamentos de bookings, menor disponibilidade de contêineres e a falta de espaços em navio, decorrentes de problemas logísticas globais, levaram a redução das exportações brasileiras de café a partir de maio e incorreram em grandes prejuízos ao setor”, afirma Nicolas Rueda, presidente do Cecafé, que também apontou em maio o menor volume exportado do ano, 2,616 milhões de sacas de 60 kg.

Seis meses depois, chama atenção do setor o fato de o gargalo logístico estar longe do fim. Em outubro, o Brasil avançou ligeiramente nos embarques, com 3,431 milhões de sacas, mas o Conselho destacou o recuo de 2,5% no acumulado entre janeiro e outubro, quando comparado com o ano passado.

“Esses gargalos impactam o segmento exportador do mundo todo, em especial o de commodities, e continuam desafiando os planejamentos dos exportadores, assim como dos importadores no destino, com demoras logísticas que interferem no fluxo financeiro e na geração de receita cambial, que é tão importante para o país”, afirma o Cecafé.

Como principal exportador de café do mundo e com a perspectiva de demanda mais aquecida em importantes polos compradores como Estados Unidos e Inglaterra, a entidade afirma que o setor logístico não mede esforços para garantir as entregas. “Exímio trabalho que as áreas logística e comercial dos exportadores vêm realizando para seguirmos honrando nossos compromissos com clientes mundiais e internos”, complementa. Ainda de acordo com dados do Cecafé, entre os meses de maio e setembro mais de 4 milhões de sacas deixaram de ser embarcadas.

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A Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (ABICS) também mostra preocupação com os impasses logísticos e com o custo elevado da matéria-prima. De acordo com levantamento da ABICS, divulgado na terceira semana de novembro, o país registrou recuo de 2,5% nos embarques em 2021.

Segundo Aguinaldo Lima, diretor de Relações Institucionais da ABICS, o cenário é de alerta, já que com os preços elevados e a dificuldade de embarque, o Brasil vem perdendo competitividade no mercado.

A ABICS destaca ainda que o setor possuía expectativa para a quebra de novos recordes em 2021, mas teve que rever suas projeções devido à elevação nos preços da matéria-prima e aos constantes problemas logísticos de escassez de contêineres e navios, o que gerou dificuldades e aumento nos custos para todo setor exportador brasileiro.

“Isso preocupa o setor, pois afeta as expectativas e o planejamento das empresas, impactando, consequentemente, as compras de matéria-prima no mercado interno, lembrando que o café solúvel é comercializado com antecedência de, no mínimo, seis meses de prazo para as entregas”, finaliza.

Por: Virgínia Alves
Fonte: Notícias Agrícolas