OBBA - One big beautiful act - a volta do dumping agrícola americano, por Eduardo Lima Porto
Em meio ao eufórico anúncio do One Big Beautiful Bill Act (OBBBA) nos Estados Unidos — uma verdadeira colcha de retalhos que mistura cortes de impostos (ponto positivo), nacionalismo econômico inconsequente e bilhões de dólares para gastos militares injustificáveis, que irão agravar o endividamento insolúvel americano — me parece que o RADAR tupiniquim ainda não capturou a imagem do impacto que tais medidas trarão para a agricultura brasileira.
O pacote inclui a ampliação agressiva do programa PLC (Price Loss Coverage) para o setor agrícola voltado à exportação. À primeira vista, parece apenas um instrumento estatal voltado para a estabilidade da renda do produtor americano. Mas, na prática, é um poderoso artifício que irá distorcer ainda mais os fundamentos do mercado internacional de grãos, com consequências potencialmente devastadoras para os produtores brasileiros e sul-americanos.
O QUE É O PLC?
O PLC garante ao agricultor americano um preço mínimo fixado por lei. Se o mercado internacional pagar menos do que esse valor, o Tesouro americano cobre a diferença. É uma espécie de “piso estatal” travestido de política de segurança alimentar. Trata-se de um intervencionismo econômico do Estado que viola tratados internacionais de comércio.
Com o OBBBA, os preços de referência poderão ser majorados entre 11% e 21%, além de indexados à inflação agrícola futura. Isso garante que, mesmo com eventuais reduções nos preços globais derivados de aumentos de oferta, os produtores americanos continuarão a operar com rentabilidade positiva bancada pelo contribuinte. Se considerarmos a trajetória da dívida americana e seus reflexos sobre os demais países, definitivamente os custos difusos do populismo trumpista serão pagos, inclusive pelos prejudicados.
O mecanismo praticamente elimina o risco de mercado para o produtor americano, que poderá manter ou até mesmo ampliar a produção, mesmo quando os preços internacionais não cobrirem o custo de produção, já que a diferença será paga pelo governo.
Essa artificialidade poderá até gerar um aumento dos estoques internacionais num primeiro momento, levando muitos agricultores no resto do mundo ao prejuízo e até à inviabilização econômica. Na sequência, as medidas tendem a produzir justamente o efeito contrário, com a elevação descontrolada dos preços diante da redução da oferta nos países exportadores que concorrem com os EUA.
IMPACTO NO BRASIL, ARGENTINA E PARAGUAI
Os países sul-americanos são altamente competitivos do ponto de vista técnico e climático. Porém, essa competitividade não resiste ao combate desleal suportado por um subsídio fiscal massivo. Trata-se de um ataque efetivo.
O produtor brasileiro já se encontra estrangulado em dívidas. Não possui um sistema eficiente de seguro rural que cubra os riscos inerentes à atividade.
O produtor argentino carrega nas costas um Estado paquidérmico e parasita, que lhe impõe um sistema tributário punitivo, além de uma regulação cambial, no mínimo, esquizofrênica.
O produtor paraguaio, apesar de eficiente, está descapitalizado depois de quebras de produção sucessivas em razão de problemas climáticos e não possui reservas para aguentar choques prolongados.
Em todos os casos, o PLC americano funciona como uma lâmina afiada e invisível, na medida em que descapitaliza o setor produtivo sul-americano, tornando-o ainda mais dependente dos BARTER e de financiamentos agressivos, com exigência de maiores garantias.
O PLC É SÓ UMA PARTE DO PROBLEMA: ARC + ISENÇÕES FISCAIS COMPLETAM UM TRIPÉ
Enquanto o PLC protege o preço, o ARC (Agricultural Risk Coverage) protege a renda por hectare. Garante uma receita mínima baseada em médias históricas.
Se o rendimento × preço cair abaixo da referência, o Tesouro americano pagará a diferença, limitada a 10% da receita projetada.
O interessante é que produtores com resultado líquido positivo ou acima da média da região de referência, que colherem melhor que os vizinhos, receberão o bônus.
O OBBBA também ampliou as vantagens fiscais para o setor exportador, oferecendo:
Dedução de até USD 2,5 milhões por ano em máquinas agrícolas, sistemas de irrigação, silos e outros bens de capital no ato da compra;
Depreciação de 100% para ativos fixos no ano de aquisição;
Dedução de 20% do lucro líquido para negócios agrícolas organizados sob o mecanismo denominado "pass-through entities" (LLCs e S-Corps);
Isenção total do imposto “post-mortem” (death tax), o nosso ITCMD, para patrimônios rurais de até USD 15 milhões.
Em matéria fiscal, no que diz respeito às isenções oferecidas, estou absolutamente DE ACORDO com o programa OBBBA.
NECESSIDADE DE UM POSICIONAMENTO MAIS TÉCNICO E MENOS POLITIQUEIRO
Para deixar muito claro a quem lê este artigo: não gosto do Trump, muito menos do Lula e nem mesmo do Bolsonaro. Portanto, meu posicionamento não é politiqueiro, ideológico ou ufanista.
Dito isso, está na hora de pararmos de tratar os EUA como um “referencial técnico neutro” e reconhecê-los como o que são: um concorrente econômico e geopolítico, que, por meio desta medida, está colocando literalmente em xeque a sustentabilidade da agricultura competitiva da América do Sul.
Quem não se lembra da campanha institucional: “GRAINS HERE. FORESTS THERE”?
Precisamos de uma representatividade setorial menos politiqueira e mais técnica, que saiba se apresentar de forma consistente para enfrentar imposições dessa ordem com diplomacia econômica, sem submissões desnecessárias e muito menos vitimismos ideológicos rasteiros.
A produção agrícola é estratégica, e o produtor, independente de onde esteja, precisa ser protegido, mas sem subsídios ou mecanismos de concorrência desleal de mercado.
Sugiro que os produtores, assim como todos os players do setor, estudem profundamente o novo pacote inserido no OBBBA, com especial atenção aos reflexos que poderá gerar.
Do meu ponto de vista, esse pacote redefiniu as regras do jogo e intensificou distorções que já causavam bastante problema.
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