A poluição dos solos agrícolas, por Afonso Peche

Publicado em 22/12/2025 07:21

A poluição dos solos agrícolas pode ser definida como o acúmulo, no perfil do solo, de substâncias estranhas ou em concentrações acima da capacidade do sistema de absorver, transformar e neutralizar, gerando perdas de função ecológica, riscos à produção e possibilidade de contaminação da água e dos alimentos. Ela não é um fenômeno isolado, mas um subproduto de uma agricultura que, muitas vezes, mede sucesso apenas pela produtividade imediata, sem contabilizar os custos invisíveis de longo prazo. Quando o solo é tratado como “suporte” e não como organismo vivo, cresce a chance de que fertilidade e contaminação se confundam, e que o incremento de insumos se torne, silenciosamente, um vetor de degradação.

Na prática, a poluição do solo agrícola decorre de múltiplas fontes. O uso intensivo de agrotóxicos pode deixar resíduos e metabólitos persistentes, alterando comunidades microbianas, afetando a biologia do solo e aumentando riscos de transporte para ambientes aquáticos. Fertilizantes minerais, quando aplicados sem critério técnico, podem levar à acumulação de sais e favorecer acidificação, além de intensificarem perdas por lixiviação e escoamento superficial; em alguns casos, insumos podem carregar impurezas como metais potencialmente tóxicos, que se acumulam lentamente ao longo dos anos. Dejetos e resíduos orgânicos, embora valiosos para a ciclagem de nutrientes, podem poluir quando usados sem análise e sem balanço: excesso de nitrogênio e fósforo, presença de patógenos, contaminantes emergentes e desequilíbrios químicos. Soma-se a isso a contaminação por combustíveis, óleos e graxas em áreas de abastecimento, oficinas e lavagem de máquinas, além do problema crescente de plásticos agrícolas e microplásticos, que se fragmentam e permanecem no ambiente, afetando processos físicos e biológicos do solo.

O que torna a poluição do solo particularmente complexa é que ela raramente se manifesta de forma imediata e visível. Diferentemente de uma erosão intensa, que expõe o problema em sulcos e ravinas, a contaminação pode avançar em silêncio: pequenas entradas repetidas, ano após ano, formando um estoque indesejado. Esse processo se agrava quando há transporte por água e sedimentos. Nutrientes como fósforo, frequentemente ligados às partículas do solo, chegam a córregos e represas com a enxurrada e a erosão; nitrato, mais móvel, pode percolar e atingir águas subterrâneas; resíduos orgânicos e pesticidas podem seguir ambos os caminhos, dependendo da molécula, do tipo de solo, do pH, da matéria orgânica e do regime de chuvas.

As consequências vão além da química. Um solo poluído tende a perder funcionalidade: diminui a biodiversidade edáfica, enfraquece a estrutura, altera a infiltração e a retenção de água, reduz a eficiência da ciclagem de nutrientes e fragiliza a resiliência do sistema frente a secas e extremos climáticos. Em termos sociais e sanitários, o risco se amplia quando o contaminante alcança a cadeia alimentar, quando trabalhadores se expõem em rotinas de aplicação e manejo, ou quando poços e nascentes recebem cargas invisíveis. A poluição do solo, portanto, não é apenas um tema de laboratório: é uma questão de governança do território e de responsabilidade intergeracional.

Enfrentá-la exige, primeiro, reconhecer que “manejo” é prevenção antes de remediação. Monitoramento periódico, rastreabilidade de insumos, diagnóstico por histórico de uso e amostragem dirigida são passos básicos. No campo, a agricultura conservacionista ajuda a reduzir o transporte de contaminantes, ao diminuir erosão e enxurradas, manter cobertura e estimular processos biológicos. Mas, sobretudo, é necessária uma mudança de lógica: sair do paradigma do “insumo que resolve” para o paradigma do “processo que sustenta”. A poluição dos solos agrícolas é, em última instância, o retrato de escolhas técnicas que ignoram os limites do sistema. Quando esses limites são reconhecidos, o solo deixa de ser depósito de resíduos e volta a ser o centro vivo da produção.

* Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas – IAC.

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Fonte:
Afonso Peche

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