Serra contra imagens e lendas, por VINICIUS TORRES FREIRE
DILMA ROUSSEFF não teria muita
sorte no vestibular da escola de arte
dramática ou num "casting" de novela. Não tem pinta de que seria figura popular no balcão de padaria
ou na roda de cerveja. Não se encaixa numa conversa sobre futebol,
não apela a sentimentos religiosos
populares, pareceria esquisita no
Carnaval, no axé, num show sertanejo ou do Calcinha Preta. Seria sem
dúvida alienígena num baile funk.
A recepção da imagem de Dilma
era um dos maiores riscos para os
sonhos de continuidade do lulismo-petismo. Era possível que Dilma se
descolasse negativamente da onda
de satisfação com Lula.
Sabe-se lá se o povo "foi com a cara" de Dilma. Pelo menos, o jeitão
da candidata parece não ter atrapalhado. Nos primeiros dias em que foi
regularmente exposta ao público fora de ambientes muito controlados,
os da propaganda, Dilma subiu na
preferência do eleitorado, segundo
o Datafolha. De agora em diante, será mais vista no ambiente plastificado e asséptico do horário eleitoral.
Treinada, ensaiada e politicamente maquiada, tende a fazer melhor figura que a de suas aparições
em debates e entrevistas. Depende
agora mais dos marqueteiros do que
de si. Mas os marqueteiros das grandes campanhas são bons no que fazem. Improvável haver crise por aí.
Nada disso tem a ver com as qualidades da candidata, ocioso dizer.
Tem a ver com o futuro da campanha de José Serra (PSDB). Uma das
sortes decisivas dos tucanos seria a
desgraça da imagem de Dilma.
O tucano evita enfrentar os 80%
da popularidade de Lula. Fala a um
eleitor que não via o seu padrão de
vida melhorar tanto em décadas
-desde 1970. Desde então, o PIB
não crescia tanto. Mas o consumo
cresce ainda mais que o PIB -terá
crescido assim por seis anos ao final
de 2010. Com renda mais bem distribuída, além do mais. O que fazer?
Serra dirige, pois, sua campanha
para o futuro. Mas essa imagem do
além-Lula ainda não apareceu. Digamos que a oposição ainda possa
recuperar o tempo perdido, pois hibernou politicamente e não apresentou
nenhuma crítica ou alternativa nos anos Lula. Digamos que a
oposição invente agora um mote
qualquer para sua campanha, o que
ainda inexiste. Vai fazer efeito?
A oposição não vai se bater apenas contra a parede da sensação de
bem estar material. É possível que a
passagem de Lula pelo governo tenha provocado aquelas transformações
duradouras do imaginário popular, como aconteceu com parte do
operariado no getulismo ou com
metade da Argentina com o peronismo. Não, não se está comparando o
governo Lula à ditadura de Getúlio
Vargas ou ao quase-fascismo de Perón, mas com essas lendas políticas.
Não importa a qualidade política
de sua pregação, de suas políticas,
sua "sorte" ou o gosto do freguês.
Lula "cumpriu um compromisso"
político: falou insistentemente aos
mais pobres. Sua falação ecoou na
realidade. Mal ou bem, "incluiu"
parte considerável dos mais miseráveis; levou ao mundo do consumo
moderno um terço da população.
Era uma gente abandonada, em
discursos, teoria e prática.
FHC foi uma ruptura histórica
com um modelo econômico e com o
excesso de desrazão. Lula foi uma
ruptura na imagem que os deserdados fazem do poder e da política.
Sua fama e virtude é da ordem das
paixões. Difícil lidar com isso.