Veja informa que prejuízos no RS com a seca só devem ceder em cinco anos

Publicado em 17/01/2012 13:16 e atualizado em 17/01/2012 13:52
Plano Estadual de Irrigação, iniciado em 2009, planeja dobrar área irrigada de lavouras afetadas pela estiagem. Mas ainda está em processo de finalização.
Enquanto a Região Sudeste sofre com as chuvas de verão, que mais uma vez provocam tragédias e mortes, a Região Sul tem prejuízos bilionários por causa de um efeito climático oposto: a seca, que arrasou lavouras inteiras nas últimas semanas.  Em ambos os casos, apesar dos fenômenos ambientais serem históricos e previsíveis, apostou-se pouco em medidas preventivas.

O Rio Grande do Sul é o estado que acumula mais perdas com a estiagem, calculadas, até agora, em mais de 2,2 bilhões de reais. Em toda a Região Sul, cerca de 3,5 milhões de pessoas já foram afetadas pela seca. O governo gaúcho estima que só em cinco anos os danos dos produtores rurais começarão a diminuir. Até lá, deve dobrar a quantidade de áreas irrigadas nas lavouras de milho, soja, feijão e tabaco - as mais afetadas pela falta de chuva -, chegando a 150.000 hectares.

O chamado “Plano Estadual de Irrigação”, iniciado em 2009, na gestão da ex-governadora Yeda Crusius (PSDB), concentra várias medidas de médio prazo, como a construção de barragens, açudes e canais de distribuição de água. Mas apenas nesta terça-feira será apresentado ao sucessor da tucana, o petista Tarso Genro, um programa definitivo de incentivo à irrigação no estado, ainda em processo de finalização.

O objetivo é irrigar 10% das lavouras deste tipo – o equivalente a 500.000 hectares. Este patamar tornaria sustentável a produção agrícola no estado, ou seja, seria o suficiente para o agricultor cobrir os custos de produção e o seguro da lavoura, reduzindo o seu prejuízo real.

Método

Atualmente, segundo o governo, o Rio Grande do Sul possui 5 milhões de hectares em plantações de grãos. Deste total, apenas 1,2 milhão é irrigado, sendo 1,1 milhão ocupado com lavouras de arroz, que usam o método de irrigação por inundação (que não exige o bombeamento da água).

Aproximadamente 75.000 hectares das lavouras de milho, soja, feijão e tabaco – as mais castigadas pela seca - são irrigados pelo bombeamento da água a partir de um reservatório. Contudo, desde o lançamento do Plano Estadual de Irrigação, a área irrigada aumentou apenas 10.000 hectares.

Segundo o professor de Irrigação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Reimar Calesso, que trabalha em conjunto com o governo na elaboração dos estudos, no Rio Grande do Sul não há necessidade de irrigar 100% das plantações. "O solo é fértil e chove durante o ano mais do que o necessário para o sucesso das lavouras”, afirma. O problema, explica, é a concentração das precipitações no inverno, tornando necessário armazenar água para a estiagem, no verão. “A irrigação só é necessária na seca. Recursos hídricos já existem, é preciso criar meios para guardar a água do inverno para o verão".

Para criar um sistema de armazenamento e distribuição de água eficiente, o Plano Estadual de Irrigação prevê a construção de seis barragens, dois canais de distribuição de água, mais de 22.000 açudes e unidades de irrigação em bacias hidrográficas do estado. Segundo o governo, o investimento é de meio bilhão de reais, o que inclui recursos do Ministério da Integração Nacional e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2.

O programa também inclui incentivos financeiros para o agricultor adotar a irrigação. Foi criada uma linha de crédito especial para o financiamento da instalação do sistema e, em alguns casos, há o subsidio de 20% a 80% do maquinário (motor, bomba e canos). O governo ainda promete agilizar a liberação de licenciamentos ambientais, promover cursos técnicos de manutenção e, para as localidades onde não há energia elétrica, prevê isenção do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS) para o diesel - usado como combustível nos equipamentos.

Cultura

O secretário de Agricultura, Pecuária e Agronegócio, Luiz Fernando Mainardi, diz que a solução para o problema da seca também passa por uma questão cultural. Os produtores gaúchos, diz, são arredios à tecnologia por causa do solo fértil e das chuvas concentradas. “Nós temos que fazer o agricultor acreditar na irrigação. No ano passado choveu na hora certa, então os agricultores não quiseram adotá-la”, afirma. “O gaúcho achava que seca era problema apenas do Nordeste. A água na propriedade é tão importante quanto a terra. Este é um problema cultural que nós precisamos mudar.”

Outro ponto importante no combate à estiagem é diversificar os grãos plantados em uma mesma propriedade rural. “O agricultor não pode semear apenas uma cultura, seja milho, feijão ou soja. Diversificar é qualificar a agricultura familiar”, afirma o secretário de Desenvolvimento Rural, Cooperativismo e Pesca, Ivar Pavan.

O diretor técnico da Associação Rio-grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Gervásio Paulus, afirma que também é preciso fazer um plantio escalonado, ao longo de várias semanas, e não concentrado em um único período, como é feito atualmente. “O maior problema de a estiagem acontecer no verão é pegar justamente o período de florescimento da planta, ou seja, bem na época que mais precisa de água”, diz Paulus. “Se espalhar o plantio e a colheita ao longo de algumas semanas, o prejuízo deve diminuir sensivelmente em curto prazo.”

Segundo a Emater, até o dia 9 de janeiro foram danificadas 37,5% das plantações de milho, 15% de soja e 6,2% de arroz. Em 2011, o estado produziu 26,5 toneladas de grãos enquanto neste ano a previsão é de 19,7 toneladas - uma diferença de quase 7 toneladas. O governo prevê, entre medidas emergenciais e de prevenção, um gasto de 54 milhões de reais no combate à estiagem nas cidades que mais sofreram com o efeito climático - sendo 28 milhões de recursos federais e 26,4 milhões oriundos do estado.

por Bruno Huberman


Rio Grande do Sul sofre as mazelas de um estado que não investe

Economia gaúcha cresceu abaixo da média nacional nos últimos anos, prejudicada pela concorrência asiática, por problemas climáticos e, sobretudo, pelo baixo investimento do estado

Duas palavras resumem hoje o sentimento da população gaúcha ao olhar o passado, constatar o presente e vislumbrar o futuro: indignação e impotência. O estado que por décadas figurou como exemplo de desenvolvimento econômico, educação e saúde perde cada vez mais espaço para outras regiões. E não se trata apenas de bravata de números e minúcias de institutos de pesquisa. A questão é profunda. A economia do Rio Grande do Sul, de fato, expande-se menos que a média nacional. Entre 2002 e 2010, enquanto o avanço estadual foi de 25,1%, o Brasil cresceu 36,5%. O estado migrou, na última década, da 1ª para a 4ª posição no ranking de educação no país, além de perder duas posições no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Na prática, isso significa que o Rio Grande do Sul, um dos estados com maior potencial para surfar a onda de crescimento que vive a economia brasileira, não consegue fazê-lo.

Para entender o fenômeno da estagnação – e, em alguns casos, retrocesso – que o Rio Grande do Sul vive, o site de VEJA percorreu cidades gaúchas, conversou com lideranças econômicas e políticas e traçou um cenário dos principais desafios que impedem o estado de prosperar como deveria, compondo um especial de quatro matérias que serão publicadas a partir deste domingo.

Os problemas detectados são tanto de origem doméstica como  de origem externa. Os primeiros são velhos conhecidos de todos os brasileiros: os efeitos das mudanças climáticas na agricultura, a apreciação do real ante o dólar e o forte aumento das importações. O setor do agronegócio, por exemplo, responde por mais de 10% da economia do estado e 12% da produção agrícola nacional. Cerca de 13% do que é produzido é exportado. Com o dólar mais barato nos últimos anos, o valor recolhido em reais com as vendas externas ficou menor, prejudicando os investimentos. O mesmo ocorre com os embarques ao exterior de produtos industriais, como calçados, móveis e máquinas agrícolas, que amargam progressiva perda de competitividade. No mercado doméstico, o espaço perdido pelos produtos gaúchos é preenchido pelas importações.  “O Rio Grande do Sul é o estado mais meridional do país e exporta acima da média nacional. Com o real valorizado, ele acaba perdendo mais”, afirma Heitor José Müller, presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs).

Desvantagens – Todos os estados brasileiros compartilham dessa problemática da baixa competitividade – que o câmbio só faz ficar mais evidente – em relação, sobretudo, aos produtos asiáticos. Há fatores próprios do Rio Grande do Sul, no entanto, que ampliam essa desvantagem. Após a pujança industrial dos anos 1990, o governo gaúcho fechou os olhos para investimentos em todo tipo de infraestrutura: de estradas a hidrovias, de ferrovias a portos, e também nos aeroportos. Enquanto São Paulo, por exemplo, concedeu à iniciativa privada a maior parte de suas estradas e hoje possui a maior rede de rodovias duplicadas do país, o Rio Grande do Sul tem menos de 20% de sua malha duplicada. Os rios que desaguam na Lagoa dos Patos formam um complexo de hidrovias que funciona muito abaixo de seu potencial. Já o porto de Rio Grande, no extremo sul do estado, passou por reformas, mas ainda assim é incapaz de suprir toda a necessidade de escoamento de mercadorias. Em Porto Alegre, o trânsito em horários de pico nada fica a dever ao da capital paulista.

Não que o resto do Brasil tenha feito sua “lição de casa” de maneira exemplar. As deficiências na infraestrutura são um mal que afeta a maior parte dos municípios brasileiros, ainda que em escalas diferentes. O que chama a atenção, no entanto, é que o Rio Grande do Sul, ao longo de décadas, muniu-se de armas econômicas e sociais suficientes para voar alto. Sem investimentos mínimos do governo, entretanto, o que poderia ser uma viagem às alturas está prestes a virar um voo de galinha. “O setor empresarial gaúcho sempre procurou fazer as coisas por si só, sem esperar a iniciativa do governo. Mas chega um momento em que não se pode avançar se não houver um mínimo de estrutura”, afirma o empresário Glademir Ferrari, que atua no setor moveleiro e preside o Sindicato das Indústrias do Mobiliário (Sindmóveis) de Bento Gonçalves, o principal polo moveleiro do estado.

Política difícil – Os problemas políticos que levaram o Rio Grande do Sul a esse ponto inserem-se num amplo contexto. Em primeiro lugar, diferentemente de alguns estados do Nordeste beneficiados pelo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), a economia gaúcha ficou para trás nos últimos anos. Em parte, por não precisar de obras consideradas urgentes, como as de saneamento básico, mas também por não abrigar um governo aliado ao Partido dos Trabalhadores. Durante as duas gestões do ex-presidente Lula, Germano Rigotto (PMDB) e Yeda Crusius (PSDB) compuseram um governo estadual pouco articulado com seus opositores e falharam em brigar por benefícios ao estado em Brasília. “O governo passado saneou as contas, embora tenha sido pilotado por uma governadora politicamente truculenta”, afirma o vice-presidente da Fecomércio gaúcha, Luiz Carlos Bohn, ressaltando que o estado pode, agora, voltar a tomar empréstimos internacionais.

Atualmente, com o petista Tarso Genro à frente do governo estadual, a expectativa de alguns é que as coisas mudem de figura. Genro tem, inclusive, flertado com a oposição – em um movimento poucas vezes visto no Rio Grande. No entanto, nada de concreto aconteceu até o momento, a não ser promessas de um metrô para Porto Alegre – um projeto pilotado, sobretudo, pelo prefeito da cidade, José Fortunati (PDT). Apesar de nove meses de mandato sem nenhuma grande realização, o sentimento geral é positivo em relação à gestão de Genro.

Por fim, parte da culpa pela situação atual pode estar numa característica própria do gaúcho, transferida para a política, que é o gosto por uma boa briga. Essa preferência pode ser, em tese, pródiga. De uma boa discussão surgem, às vezes, ótimas ideias, que traduzidas em ação, podem se transformar em políticas bem-sucedidas. Infelizmente, dizem os especialistas, não que é tem sido visto. O poder público local tem dedicado muito tempo às “peleias” sem que as realizações venham a contento com as necessidades do estado. O chamado grenalismo – termo criado para denominar a rivalidade entre gremistas e colorados e que ganhou um sentido maior, de uma dicotomia muito acentuada – faz com que a própria população tenha dificuldade em adotar posições neutras sobre quaisquer temas, prejudicando a convergência de ideias e a criação de consensos. Sem isso, nenhum alinhamento político será suficiente para fazer o Rio Grande do Sul voltar a engrenar.

Por Ana Clara Costa, de Porto Alegre


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Veja.com.br

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