Conceito de trabalho forçado ainda é um problema, segundo pesquisadora da USP

Publicado em 05/06/2012 19:07
Há várias realidades brasileiras e com isto muitos tipos de trabalhos forçados

Embora a proposta de Emenda Constitucional a respeito da expropriação de propriedades que explorem o trabalho análogo ao de escravo (PEC 438/2001) tenha sido aprovada em maio deste ano, ainda é necessário definir de forma mais clara o que é este tipo de trabalho. Para a advogada Luma Cavaleiro de Macedo Scaff, há a necessidade de uma regulamentação mais precisa do que significa a expressão “condições análogas” e de conceitos como “trabalho forçado” e “jornada exaustiva”.

Em sua dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Direito (FD) da USP, a pesquisadora verificou nas normas brasileiras (trabalhistas e penais) e em normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) semelhanças e diferenças sobre a conceituação do trabalho em condições análogas a escravo, além de verificar as jurisprudências trabalhistas que lidassem com este tema. Embora com enfoque jurídico principalmente em direitos humanos, contou com instrumentos interdisciplinares como a sociologia.

O texto da PEC diz que as terras expropriadas serão destinadas à reforma agrária com assentamento prioritário dos trabalhadores que já se encontravam na propriedade, sem que o dono desta possa receber qualquer tipo de indenização por isto. Bens e recursos financeiros apreendidos auxiliarão em atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão ao crime de tráfico ou de trabalho escravo.

Segundo a advogada, a OIT vem desenvolvendo uma ideia de trabalho digno e tanto a Constituição Federal (CF) como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) se baseiam nesta ideia. Entretanto, a CLT e a CF não definem claramente o que é trabalho forçado. “O artigo 149 do Código Penal (CP) caracteriza o trabalho forçado como crime. Ele tenta fornecer uma definição, mas não consegue abranger todas as realidades e modos de trabalho forçado existentes no Brasil. Também utiliza muitas expressões genéricas e de múltiplas interpretações, ficando a cargo do Poder Judiciário a análise de cada caso”, explica a pesquisadora.

De acordo com o estudo, há uma perfeita harmonia entre as normas trabalhistas brasileiras e a legislação internacional do trabalho. “Mas é interessante perceber que a legislação internacional, ao longo do tempo, modificou seus padrões. Se inicialmente as leis estabeleciam a ideia de combate ao ‘trabalho escravo’, com o tempo elas passam a definir quais práticas instigam o trabalho decente. Ou seja, passam de uma linha de pensamento negativo e proibitivo do ‘trabalho escravo’ para um lado mais positivo, do que pode ser feito para que haja um trabalho digno e decente.”

Segundo a pesquisadora, o crime está definido no artigo 149 pelos seguintes elementos: reduzir alguém à condição análoga a de escravo; trabalho forçado, jornada exaustiva, submeter alguém a condições degradantes de trabalho e servidão por dívida. Estes itens ainda permanecem sem regulamentação específica, o que dificulta a fixação de critérios objetivos para os julgadores.

Artigo 149
Uma das maiores dificuldades é a questão da expressão “condições análogas”. A advogada reflete sobre o que significa este termo e até que ponto a palavra analogia pode ser usada para ampliar o conceito de trabalho forçado. “A escravidão em que a pessoa era tratada como uma mercadoria, inclusive tributável, acabou definitivamente com a Lei Áurea. Não há, portanto, mais o que se falar sobre trabalho ‘escravo’ nem como utilizá-lo como parâmetro para definir trabalho forçado”. Para a pesquisadora, o que existe hoje são resquícios, desdobramentos do trabalho escravo que podem ser vistos sob a forma do tráfico de pessoas e a submissão do outro ao trabalho forçado.

A advogada questiona também o que deve ser considerado como jornada exaustiva de trabalho. Ela explica que a Constituição prevê que a jornada deve ser de 8 horas, mas há a possibilidade de que esta se estenda legalmente por mais 2 (hora extra). Já a CLT traz jornadas diferenciadas para diferentes categorias como a dos médicos e radiologistas (4 horas) ou de músicos e jornalistas (5 horas). Além disso, segundo o que a pesquisadora pode apurar na doutrina (estudo aprofundado das principais normas e princípios do Direito) , as várias definições de jornada de trabalho são aquelas que levam o trabalhador à exaustão, que não o permitem realizar outra atividade.

“Entretanto, não há uma determinação legal mais específica no caso do trabalho forçado e os parâmetros da doutrina são muito subjetivos para que um juiz tome uma decisão mais acertada, podendo ser levado a diversas interpretações”, diz. Para a pesquisadora, seria muito mais interessante que a própria lei trouxesse uma definição mais precisa. “Jornada exaustiva de trabalho corresponde àquela que extrapole a 15 horas de trabalho contínuo por dia. Talvez não seja tão justo ou certo devido à diversidade de realidades no Brasil, mas pelo menos haveria um parâmetro que o julgador pudesse ter como base para tomar suas decisões.”

Outra questão é a restrição da liberdade do trabalhador por qualquer meio. “Devem ser levados em consideração a coação, os maus tratos, a limitação do lugar onde há a prestação do serviço, além de outros fatores, pois a prática do trabalho forçado no interior do Pará, em canaviais ou com bolivianos em São Paulo envolve situações diferentes entre si”, aponta Luma. “Devido a essa diversidade, é necessário uma melhor definição legal sobre o que deve ser verdadeiramente considerado trabalho forçado, o que ainda não ocorre”, completa.

A advogada alerta para a existência “de uma zona cinzenta em relação ao trabalho forçado nas esferas penal e trabalhista e da necessidade de se firmar critérios legais que diferenciem uma irregularidade às normas trabalhistas de uma infração penal”. A dissertação de mestrado tem como título Sistema de proteção dos direitos humanos e trabalho forçado: o Brasil e a Organização Internacional do Trabalho, foi orientada pela professora Walküre Lopes Ribeiro da Silva.

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Fonte:
Ag. USP

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