Na Folha: ENTREVISTA DILMA ROUSSEFF 'Lula não vai voltar porque ele não saiu', afirma Dilma
ENTREVISTA DILMA ROUSSEFF
'Lula não vai voltar porque ele não saiu', afirma Dilma
Presidente diz que comparações com o seu antecessor não a incomodam
Evitando comentar queda na popularidade, petista prefere brincar: 'Tudo o que sobe desce, e tudo o que desce sobe'
MÔNICA BERGAMOCOLUNISTA DA FOLHA
O encontro da presidente Dilma Rousseff com a Folha, na sexta, no Palácio do Planalto, começou tenso. "Minha querida, você tem que desligar o ar-condicionado", dizia ela a uma assessora.
Com febre e faringite, medicada com antibiótico, corticóide e Tylenol, e com "o estômago lascado", ela estava também rouca. Em pouco tempo, relaxou. E passou quase três horas falando sobre manifestações, inflação, PIB e a possibilidade de Lula ser candidato a presidente. Leia abaixo os principais trechos:
Folha - As manifestações deixaram jornalistas, sociólogos e governantes perplexos. E a senhora, ficou espantada?
Dilma Rousseff - No discurso que fiz na comemoração dos dez anos do PT, em SP [em maio], eu já dizia que ninguém, ninguém, quando conquista direitos, quer voltar para trás. Democracia gera desejo de mais democracia. Inclusão social exige mais inclusão. Quando a gente, nesses dez anos [de governo do PT], cria condições para milhões de brasileiros ascenderem, eles vão exigir mais. Tivemos uma inclusão quantitativa. Esta aceleração não se deu na qualidade dos serviços públicos. Agora temos de responder também aceleradamente a essas questões.
Mas a senhora não ficou assustada com os protestos?
Não. Como as coisas aconteceram de forma muito rápida, eu acho que todo mundo teve inicialmente uma reação emocional muito forte com a violência [policial], principalmente com a imagem daquela jornalista da Folha [Giuliana Vallone] com o olho furado [por uma bala de borracha]. Foi chocante. Eu tenho neurose com olho. Já aguentei várias coisas na vida. Não sei se aguentaria a cegueira.
Se não fosse presidente, teria ido numa passeata?
Com 65 anos, eu não iria [risos]. Fui a muita passeata, até os 30, 40 anos. Depois disso, você olha o mundo de outro jeito. Sabe que manifestações são muito importantes, mas cada um dá a sua contribuição onde é mais capaz.
O prefeito Fernando Haddad diz que, conhecendo o perfil conservador do Brasil, muitos se preocupam com o rumo que tudo pode tomar.
Eu não acho que o Brasil tem perfil conservador. O povo é lúcido e faz as mudanças de forma constante e cautelosa. Tem um lado de avanço e um lado de conservação. Já me deram o seguinte exemplo: é como um elefante, que vai levantando uma perna de cada vez [risos]. Mas é uma pernona que vai e "poing", coloca lá na frente. Aí levanta a outra. Não galopa como um cavalo. Aí uma pessoa disse: "É, mas tem hora em que ele vira um urso bailarino". Você pode achar que contém a mudança em limites conservadores. Não é verdade. Tem hora em que o povo brasileiro aposta. E aposta pesado.
A senhora teve uma queda grande nas pesquisas.
Não comento pesquisa. Nem quando sobe nem quando desce [puxa a pálpebra inferior com o dedo]. Eu presto atenção. E sei perfeitamente que tudo o que sobe desce, e tudo o que desce sobe.
Mas isso fez ressurgir o movimento "Volta, Lula" em 2014.
Querida, olha, vou te falar uma coisa: eu e o Lula somos indissociáveis. Então esse tipo de coisa, entre nós, não gruda, não cola. Agora, falar volta Lula e tal... Eu acho que o Lula não vai voltar porque ele não foi. Ele não saiu. Ele disse outro dia: "Vou morrer fazendo política. Podem fazer o que quiser. Vou estar velhinho e fazendo política".
Para a Presidência ele não volta nunca mais?
Isso eu não sei, querida. Isso eu não sei.
Ao menos não em 2014.
Esses problemas de sucessão, eu não discuto. Quem não é presidente é que tem que ficar discutindo isso. Agora, eu sou presidente, vou discutir? Eu, não.
Mas o Lula lançou a senhora.
Ele pode lançar, uai.
O fato de usarem o Lula para criticá-la não a incomoda?
Querida, não me incomoda nem um pouquinho. Eu tenho uma relação com o Lula que tá por cima de todas essas pessoas. Não passa por elas, entendeu? Eu tô misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 [quando ela assumiu a Casa Civil] até ele sair do governo. Temos uma relação de compreensão imediata sobre uma porção de coisas.
Mas ele teria criticado suas reações às manifestações.
Minha querida, ele vivia me criticando. Isso não é novo [risos]. E eu criticava ele. Quer dizer, ele era presidente. Eu não criticava. Eu me queixava, lamentava [risos].
Como a senhora vê um empresário como Emílio Odebrecht falar que quer que o Lula volte com Eduardo Campos de vice?
Uai, ótimo para ele. Vivemos numa democracia. Se ele disse isso, é porque ele quer isso.
ELIANE CANTANHÊDE
Afiando as unhas
BRASÍLIA - Contra fatos, não há argumentos. Só esperneio, ameaças e a criação de inimigos fictícios.
Na economia: a arrecadação federal parou no tempo, praticamente igual à do ano passado; o corte de R$ 10 bilhões no Orçamento não convenceu; o rombo nas contas externas cresceu 73% no primeiro semestre, em relação a 2012; os brasileiros gastaram o recorde de US$ 12,3 bilhões (?!) no exterior em apenas seis meses.
Mas o pior é que a geração de empregos, centro do discurso otimista da presidente Dilma em pronunciamentos internos e mundo afora, começa a sentir o peso de PIB baixo e inflação no teto da meta. O índice ainda é bom, mas a queda de 20% em relação ao primeiro semestre do ano passado fez o governo revisar para baixo a previsão de vagas para 2013.
Na política: Dilma expôs publicamente sua birra com o PT ao se recusar a ir à reunião do Diretório Nacional petista, apesar de estar a poucos quilômetros do local do evento.
Se a relação com o próprio partido está nesse pé de guerra, imagine-se com os demais partidos da base aliada. Assim como o PSD, que tinha uma pesquisa pró-Dilma antes das manifestações, mas subiu em cima do muro depois, também PTB, PDT, PP estão olhando de longe, de binóculo. E o que eles veem é que, pela primeira vez, o número dos que aprovam o governo é menor do que os que desaprovam.
Mas o pior é o PMDB, que, mesmo tendo a Vice-Presidência da República, faz uma enquete interna perguntando, um a um, se é o caso ou não de manter a aliança com o PT em 2014. Isso serve para mexer com os nervos de Dilma e com o instinto de sobrevivência dos governistas em geral.
Tudo, porém, vai mudar daqui para a frente, pois Lula ressurgiu de Lilongwe e está "afiando as unhas" para enfrentar os verdadeiros culpados pelo caos na economia e na política: "as forças conservadoras".
Não concorda com ele? Então vá se queixar ao bispo, porque o formidável papa Francisco já vai embora.
As respostas reprovadas, editorial de O estado de S. Paulo
Se a presidente Dilma Rousseff tivesse pela opinião dos brasileiros o "respeito decente" que o americano Thomas Jefferson pregava, em relação ao mundo, há quase 240 anos, convocaria uma rede nacional de emissoras para admitir que errou ao se vangloriar de ter ouvido - e entendido - a voz das ruas. Foi o que disse para justificar a confecção, da noite para o dia, dos cinco "pactos em favor do Brasil" com os quais quis fazer crer que atendia às demandas nacionais por serviços públicos "padrão Fifa", combate efetivo à corrupção e mudança radical de atitude dos poderosos de turno diante da sociedade que os sustenta. Aliás, o carro-chefe de tais respostas, o plebiscito para a convocação de uma Constituinte que faria a reforma política em lugar do Congresso, não durou mais de um dia, por sua patente ilegalidade. Foi substituído pela proposta de uma consulta popular sobre o que mudaria nas regras políticas, para vigorar já no ano eleitoral de 2014. A "sugestão" foi abatida pelos aliados do governo na Câmara.
Dilma apresentou os cinco pactos numa reunião em 24 de junho. Em 1.º de julho, anunciou-os no seu programa semanal de rádio. Oito dias depois, o Ibope começou mais uma de suas pesquisas sobre a avaliação da presidente, entre outros itens, para a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os resultados se revelaram arrasadores para as pretensões de Dilma de ter tomado, a tempo e hora, as iniciativas que as manifestações cobravam. Os números são cristalinos sobre o fiasco: 46% dos entrevistados disseram rejeitar as medidas da presidente, ante 27% dos que as endossaram. Quase 1/3 dos consultados (31%) as desaprovou totalmente e só 14% as aprovaram sem restrições. Faz sentido. Primeiro, porque a reforma política simplesmente não consta das prioridades populares - saúde (citada por 71%), segurança (40%) e educação (37%). Segundo, porque as iniciativas - alheias, por sinal, à questão da segurança - não sensibilizaram a maioria.
Tem-se assim que o pleno apoio aos gestos de Dilma para mostrar serviço não chega nem à metade dos 31% que avaliam o seu governo como "ótimo" ou "bom". Esse, a propósito, é o patamar registrado pelas duas outras sondagens do gênero, sob o impacto das jornadas de junho. Antes, Dilma ainda voava numa zona de conforto, com a popularidade no nível de 55%, apesar da turbulência provocada pela inflação que a derrubou do pico de 64%, alcançado em abril último. O levantamento confirma que, hoje, a aprovação à petista não vai além do piso histórico do partido. Mesmo Lula, para se eleger e reeleger, sempre em segundo turno, dependeu do eleitorado de outras legendas. Embora seja cedo para prever como estará o prestígio da presidente quando se aproximar a campanha sucessória, pode-se dar como certo que só por milagre ela se reelegerá na primeira rodada - o que era tido como certo, ou altamente provável, poucos meses atrás. Isso, se o "volta, Lula" não se impuser, queira ele ou não.
O que remete à segunda mais importante revelação da pesquisa, depois do fracasso de público das propostas presidenciais. Pela primeira vez, a parcela dos que consideram a gestão Dilma pior que a do seu patrono passou a predominar de forma acachapante. São 46%, ante 25% em junho e 18% em março. Apenas 10% preferem o governo Dilma. Eram, respectivamente, 16% e 20%. O contingente dos que acham que ambos se equivalem caiu, também pela primeira vez, para menos da metade: são 46%. E dizer que, na quarta-feira, véspera da divulgação da sondagem, Dilma decidiu, numa conversa reservada de três horas com Lula, que não cortará Ministérios nem tão cedo trocará ministros. Fazê-lo, argumentou, seria ceder a pressões. Decerto ignora que o velho Ulysses Guimarães, um político de quatro costados, se gabava de só decidir sob pressão. A teimosia da presidente lembra a fábula do escorpião que pica o sapo que o transportava pelo rio. Mesmo sabendo que irá se afogar, não pode contrariar a própria natureza.
Resta a Dilma o duvidoso consolo de não estar mal na foto sozinha. Tem a companhia de quase todos os governadores dos 11 Estados pesquisados, a começar do aliado Sérgio Cabral, aprovado por meros 12% dos cariocas. (O Estado de S. Paulo)
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