Desafios de coordenação no agronegócio, por Marcos Jank

Publicado em 18/09/2013 07:49 e atualizado em 09/03/2020 19:51
Artigo publicado em O Estado de S. Paulo, edicao desta quarta-feira, na pagina de opiniao

Desafios de coordenação no agronegócio

por Marcos Sawaya Jank* - O Estado de S.Paulo

Em 1957, os professores da Universidade Harvard John Davis e Ray Goldberg cunharam o termo agribusiness, traduzido em português como agronegócio. O objetivo deles era mostrar que o setor agropecuário não era mais um elo isolado e autônomo da economia, chamado de "setor primário". Nos Estados Unidos, naquele momento o setor agropecuário já se encontrava fortemente conectado a indústrias situadas a montante (máquinas, fertilizantes, agroquímicos, sementes, etc.) e a jusante (processamento e distribuição) dele. 

Passados 55 anos desde a publicação desse trabalho seminal, aqui, no Brasil, ainda há muita gente que acredita que a agricultura seria um setor com baixos índices de produtividade, valor adicionado e inovação. Para essas pessoas, a presença dominante de commodities na nossa pauta exportadora seria um sinal de subdesenvolvimento a ser revertido pela política pública. Acontece que o agronegócio não é mais "primário". Ele começa nos insumos modernos, passa pela agropecuária e termina na forma de comida, bebida, roupas, energia, plásticos e uma infinidade de produtos acabados que desmontam por completo a ideia simplista da divisão da economia nos setores primário (agricultura), secundário (indústria) e terciário (serviços). Sistemas produtivos de base agrícola incluem todos esses segmentos.

Outra miopia frequente é a afirmação de que o agronegócio seria coisa de grandes produtores e agroindústrias - e o pequeno produtor familiar representaria um modelo mais sustentável, capaz de sobreviver sem ele. O fato, contudo, é que o termo agronegócio, desde a sua origem, em 1957, nada tinha que ver com a "grande produção", tal como afirmado no Brasil. Ao contrário, qualquer que seja o seu tamanho, para sobreviver o produtor fatalmente acaba tendo de se inserir em cadeias agroindustriais sofisticadas marcadas por contratos complexos, envolvendo escolha de pacotes tecnológicos, processamento, marketing, abastecimento, distribuição e financiamento. Basta dizer que hoje a política agrícola mais importante para o agronegócio se chama "logística". Costuma-se dizer que a cadeia é tão forte quanto o seu elo mais fraco. No agronegócio brasileiro a maior dificuldade atual não é produzir, mas sim transportar. Esse é o elo frágil, que impacta o agronegócio mais do que qualquer outro setor da economia.

Um dos aspectos mais importantes do agronegócio é o tema da coordenação das cadeias produtivas, que podem ser ou não ser marcadas por relações construtivas e ganhos sistêmicos de eficiência.

Em alguns setores, a coordenação entre os elos da cadeia resolve-se unicamente pelo sistema de preços. Exemplos são as commodities cujos preços são fixados de forma transparente e universal em bolsas de físicos e futuros, como a soja, o milho e o algodão.

Em outros, a especificidade dos ativos demanda dos agentes a montagem de uma cadeia de suprimentos mais sofisticada, com planejamento de oferta e cuidados extremos com questões de qualidade, sanidade e rastreabilidade de produtos. Um bom exemplo são as cadeias de suínos e aves, marcadas por sistemas contratuais estabelecidos entre produtores e indústrias que têm gerado impressionantes ganhos de produtividade, favorecendo inclusive a integração de milhares de pequenos produtores às agroindústrias e cooperativas, como observado nos Estados do sul do País.

Há ainda casos de cadeias produtivas marcadas pela integração vertical para trás, com a indústria adquirindo terras e ativos de produção agropecuária, como no exemplo da cana-de-açúcar, da laranja e do eucalipto. A integração completa justifica-se nos casos em que a eficiência depende do controle de áreas produtivas ao redor da indústria, em que a matéria-prima tem um ciclo de produção mais longo ou é altamente perecível. Nesses casos, as indústrias procuram produzir elas mesmas uma parte da matéria-prima de que necessitam, sem terem de depender unicamente do mercado spot para obtê-la.

Dois temas costumam provocar polêmica neste último caso: deve a agroindústria focar os seus recursos na aquisição de ativos agrícolas ou desenvolver contratos com produtores que lhe permitam concentrar-se no processamento e nos mercados finais? Neste último aspecto, faz sentido contar com preços de referência que gerem sinalização, transparência e menor volatilidade ao sistema? O centro da discussão são os limites da integração vertical e os parâmetros que poderiam ser usados para criar incentivos e melhorar o relacionamento e a livre negociação entre os agentes.

No caso da cana-de-açúcar, há 13 anos preços de referência são discutidos num conselho formado por um número equitativo de representantes de associações de produtores e agroindústrias. O mecanismo, conhecido como Consecana, baseia-se na construção de consensos entre as partes sobre as margens da atividade agrícola, a partir do levantamento de preços relevantes dos produtos finais e de índices técnicos que permitam calcular os custos de produção.

A cadeia citrícola brasileira padece do mesmo problema que a cana-de-açúcar e busca formas de tornar viável o seu conselho. O Consecitrus pretende construir preços de referência para a laranja na fazenda, além de avanços em temas sistêmicos como o combate às pragas e doenças que têm dizimado a citricultura e os esforços de comunicação para aumentar o consumo de suco.

O fato é que mecanismos puros de mercado aparentemente já não resolvem os desafios sistêmicos de competitividade e sustentabilidade de importantes cadeias produtivas. Sistemas contratuais mais complexos podem ser a solução para criar incentivos de longo prazo e lidar com as novas exigências dos consumidores em termos de certificação, rastreabilidade de produtos, respeito ao meio ambiente, qualidade e bem-estar.

*Marcos Sawaya Jank é sócio-diretor da Plataforma Agro. No dia 23 de setembro, assume a Diretoria Global para Assuntos Corporativos da BRF. E-mail: [email protected]  

Lição ambiental

por Xico Graziano* - O Estado de S.Paulo

Logística reversa: a expressão soa difícil, mas contém um bom princípio. Introduzido na gestão ambiental, estabelece uma corresponsabilidade: quem gera resíduo também deve cuidar da sua reciclagem. Tarefa para a verdadeira sustentabilidade. 

Alguns exemplos ilustram o assunto. Veja na iluminação doméstica. Desde as ameaças do apagão de 2001, as antigas lâmpadas incandescentes, aquelas com filamentos que produzem luz (e calor) quando acesas, foram condenadas por causa do seu elevado consumo de energia. Acabaram substituídas por novos produtos, mais econômicos e bem mais longevos, embora mais caros: as lâmpadas fluorescentes. Os cidadãos se sentiram mais "ecológicos" ao promover a troca da tecnologia.

Acontece que, embora menos perdulárias em energia, as lâmpadas fluorescentes apresentam metais pesados em seu conteúdo vaporoso, característica que as torna inimigas do meio ambiente. Essa toxicidade exige que seu descarte seja cuidadoso, evitando especialmente contaminar as águas, superficiais ou subterrâneas. Por isso, quando uma lâmpada dessas parar de funcionar, ela deve ser levada a um ponto certo de coleta, para ser corretamente reciclada. Pergunto: você conhece algum lugar amigável desses?

De minha parte, nunca vi. Ninguém liga para o recolhimento de lâmpadas usadas. A situação é grave, pois a cada ano se fabricam 250 milhões de unidades fluorescentes e somente 6% delas, no descarte, entram no circuito da reciclagem. As demais se misturam com o lixo comum, enterradas nos aterros sanitários depois de terem os seus vapores mercuriais vazados no estouro dos invólucros envidraçados. Poluição somada ao desperdício.

Noutros ramos de consumo se detecta facilmente semelhante problema. O Brasil tornou-se recordista mundial na geração per capita do chamado "lixo eletrônico". Joga-se a ermo, anualmente, cerca de 1 milhão de toneladas de celulares, televisores, aparelhos de som, computadores, juntamente com seus transformadores, codificadores, placas, circuitos e tantos componentes mais. Além do volume, estupendo, nos circuitos eletrônicos utilizam-se metais como cádmio, chumbo, berílio e também compostos químicos que, se queimados, liberam toxinas perigosas. Pergunto novamente: onde dispor corretamente os velhos aparelhos?

Difícil. Aqui e acolá, é verdade, se descobrem lugares para o descarte ambientalmente correto de baterias. Com aparelhos velhos, uma ou outra loja os aceitam. Tudo o que se faz, porém, representa pouco perante o tamanho da problemática, que só faz crescer. Basta vasculhar as gavetas das escrivaninhas domésticas para se encontrar porcaria eletrônica encostada, principalmente carregadores de celular, petrechos que nunca se acoplam no telefone novo recém-adquirido. Dá até dó ver aquela bagunça eletrônica emaranhada.

Embalagens de eletrodomésticos, cheias de isopores, recipientes plásticos de cosméticos e xampus, vasilhames de produtos alimentares, vassouras e rodos de limpeza domiciliar, por onde se observa se percebe essa incrível geração de resíduos sólidos, típica da sociedade de consumo. Os poderes públicos, com honrosas exceções, pouco atuam na coleta seletiva, entregando o problema às cooperativas de catadores, aos coitados moradores de rua. Desse dilema nasceu a logística reversa.

Incluída na Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010), a legislação brasileira consolidou-a como boa prática ambiental. Mas, como sempre, a sistemática demora a sair do papel. As empresas resistem a montar estratégias e estruturas para retirar do mercado os restos das mercadorias que fabricam. Existe, todavia, uma exceção: trata-se do setor de agrotóxicos. É surpreendente.

Fruto de profícuo entendimento na cadeia produtiva, intermediado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, empresas, produtores rurais, distribuidores comerciais, sindicatos, cooperativas e associações apoiaram a Lei 9.974 (2000), que estabeleceu a obrigatoriedade das empresas fabricantes de recolherem as embalagens dos produtos vendidos aos agricultores. Pouco tempo depois, as multinacionais criavam o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), entidade destinada a gerenciar o sistema, avançando pioneiramente na agenda da logística reversa. Pasmem: dos agrotóxicos.

Antes, a situação no campo andava complicada. Sem saber como proceder com os frascos vazios, os produtores rurais os enterravam, queimavam, jogavam nas bibocas, e até inadvertidamente os reutilizavam como recipientes para servir água aos animais, pondo em risco a saúde dos bichos, a sua própria e a do meio ambiente. Construída a solução, articulados com as cooperativas e com os revendedores, a ela aderiram. Em massa.

Hoje os agricultores compram seus pesticidas e os utilizam, fazem a chamada "tríplice lavagem" dos recipientes vazios - necessária para eliminar resíduos tóxicos - e os retornam para as 414 unidades de recolhimento espalhadas pelo território nacional. Estas direcionam as embalagens usadas para nove centrais de reciclagem, incluindo uma fábrica de aproveitamento ("ecoplástico") de resina, montada em Taubaté (SP). Marcha à ré na rota da poluição no campo.

Exemplar, a experiência brasileira bateu o recorde mundial no recolhimento de embalagens vazias de agrotóxicos, recolhendo, em 2012, 94% do volume de recipientes. Esse índice supera longe o de países desenvolvidos, como Alemanha (76%), França (66%), Japão (50%), Austrália (30%) e Estados Unidos (30%). Feito sensacional da moderna agricultura brasileira.

A lição ambiental que vem da roça serve para a cidade. Basta querer fazer. Lâmpadas queimadas, ou lixo eletrônico, deveriam ser entregues na porta dos vendedores. Ou dos fabricantes. Eles que se virem.

*Xico Graziano é agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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