Três homens que desapareceram na Terra Indígena Tenharim, em Humaitá (AM), no dia 16 de dezembro de 2013, teriam sido assassinados por cinco homens da etnia tenharim. Dois teriam sido mortos a tiro e outro degolado. No Natal, o desaparecimento revoltou mais de 3 mil moradores da cidade, que destruíram a sede regional e equipamentos da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), além de carros e embarcações.

Cinco indígenas -Gilvan e Gilson, filhos do falecido cacique Ivan; Domiceno, cacique da aldeia Taboa; Valdinar e Simião, da aldeia Marmelos – foram presos pela Polícia Federal na quinta-feira e conduzidos para Porto Velho (RO).

Nesta sexta, na sede da Superintendência da Polícia Federal em Rondônia, os delegados Arcelino Damasceno e Alexandre Alves receberam Nilo Bezerra Mota de Sousa e Stefanon Pinheiro de Sousa, pai e irmão do professor Stef Pinheiro de Sousa, um dos três desaparecidos de Humaitá.  

AM: população queima prédios por causa de três desaparecidos

De acordo com relato dos familiares, os dois delegados revelaram como Stef Pinheiro, Luciano Freire e Aldeney Salvador foram mortos na aldeia. Ao deixar a sede da PF, Stefanon disse que o delegado Alves, que conduziu as investigações, detalhou como os indígenas agiram:

- Ele disse que meu irmão e o Luciano foram mortos a tiros dentro do carro. Os índios pararam o carro e atiraram. O Aldeney saiu e mostrou o crachá da Eletrobrás, onde ele trabalhava, mas os índios não queriam deixar testemunhas e mataram ele degolado. Ele também disse que as investigações ainda não terminaram e que ainda pode acontecer mais alguma coisa. A gente vai pra casa agora, porque pra nós nada mais faz sentido.

A prisão dos cinco tenharim, autorizada pela Justiça Federal, foi acompanhada por Ricardo Alburquerque, advogado da etnia. Segundo o advogado, as acusações contra os tenharim “são testemunhais e muito superficiais”.

Aldeias declaram estado de guerra em protesto contra a prisão de indígenas

Presos foram acusados de matar três homens em dezembro do ano passado no sul do Amazonas

 
Indígenas de várias aldeias das etnias tenharim e juiahui declararam-se em estado de guerra em protesto contra a prisão de cinco indígenas da etnia tenharim na quinta-feira, 30. As lideranças alegam que os índios são inocentes.

Veja também:
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link Conflito em reserva vai além da questão indígena

Os presos foram acusados de matar os três homens que desapareceram na rodovia Transamazônica, no dia 16 de dezembro do ano passado em Humaitá, no sul do Amazonas. Os índios, entre eles dois filhos do cacique Ivan Tenharim, tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça Federal por trinta dias e foram levados para a superintendência da Polícia Federal em Porto Velho (RO).

A suspeita da polícia é que os três desaparecidos - o professor Stef Pinheiro, o representante comercial Luciano Freire e o técnico Aldeney Salvador - foram mortos em retaliação à morte do cacique. De acordo com o delegado Alexandre Alves, peças de um carro encontradas na reserva e depoimentos de várias testemunhas indicam que os homens foram sequestrados e assassinados pelos índios.

A força-tarefa, com integrantes do Exército, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal permanece em alerta na região e controla a Transamazônica no trecho que corta a reserva. O serviço de balsa no rio Madeira, suspenso na quinta-feira, foi retomado na manhã desta sexta-feira.

Nota da Polícia Federal

A Polícia Federal em Rondônia, juntamente com a Força Nacional de Segurança Pública, Polícia Rodoviária Federal e o Exército Brasileiro, deflagraram a Operação Humaitá na data de 30/01, com o objetivo dar cumprimento a 5 mandados de prisão temporária de indígenas da etnia Tenharim, que habitam território localizado entre os quilômetros 100 e 150 da BR- 230.

As prisões foram expedidas pela Justiça Federal do Estado do Amazonas em razão de possível envolvimento dos índios na morte de três pessoas que desapareceram ao atravessarem uma das aldeias localizadas na rodovia Transamazônica.

O crime teve grande repercussão nacional e internacional no final do dezembro de 2013 e provocou manifestações da comunidade não-indígena contra os silvícolas, culminando com a destruição de carros e instalações da FUNAI em Humaitá/AM.

A Polícia Federal instaurou inquéritos policiais para apurar o desaparecimento e destruição do patrimônio público (FUNAI).

As conclusões da investigação apontam para a ocorrência de homicídio praticado pelos presos dentro de uma das aldeias e posterior ocultação dos cadáveres. Os corpos ainda não foram localizados.

Durante os trabalhos da Força Tarefa foram percorridos aproximadamente 270 hectares, delimitados pela investigação, e encontrados, no interior da terra indígena, peças do veículo ocupado pelos desaparecidos.

Na investigação, foram ouvidas diversas testemunhas, entre indígenas e não-indígenas, realizada perícia técnica nas peças encontradas, além da utilização de cães farejadores para localização de cadáveres e equipamentos modernos de rastreamento de peças metálicas escondidas.

Os trabalhos de polícia judiciária prosseguem até a apresentação do relatório final do inquérito policial."

Repúdio

A Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais (Condsef) e a Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef) divulgaram nota intitulada “Do ataque aos povos indígenas em Humaitá-AM à violação dos direitos constitucionais”.

Veja a nota:

"Os episódios que aconteceram no Natal de 2013, na cidade de Humaitá-AM, envolvendo moradores na destruição da sede regional e equipamentos da FUNAI e da SESAI, no contexto de atropelamento e morte do cacique Tenharim, na suposição de que o desaparecimento de 03 moradores da cidade tenha ocorrido dentro da Terra Indígena Tenharim-Marmelos, foram amplamente cobertos pelos meios de comunicação. É sabido que fatos que revelam o preconceito, a violência e a afronta aos direitos dos povos indígenas no Brasil não constituem novidade, pois têm se repetido de forma regular nos últimos anos.

O que surpreende é que o episódio de Humaitá revela alguns aspectos que não mereceram a atenção da mídia. 1) O caráter de ódio dos ataques aos direitos indígenas que culminou com a destruição da sede do Órgão Indigenista e seus equipamentos; 2) O fato é inédito na história da República; 3) A articulação contra os direitos indígenas no Brasil, inspirada pelo ódio racista e ambição crescente, liderada pelos latifundiários também possui seus representantes e seguidores na região do médio rio Madeira.

As recentes declarações das autoridades federais contra o papel constitucional da FUNAI na defesa dos direitos indígenas e seus territórios (laudos antropológicos), amplamente divulgadas pela mídia em 2013, certamente contribui para o acirramento do ódio disseminado pela frente latifundiária contra o órgão indigenista e as terras indígenas.

O Governo federal tem responsabilidade direta no episódio quando tenta deliberadamente ao arrepio da Constituição Federal submeter a FUNAI aos acordos políticos regionais, decididos nos gabinetes; quando propõe alterar as regras de demarcação das terras indígenas com o intuito de retardar, impedir e revisar a demarcação das terras indígenas e quando afasta a ação indigenista das terras indígenas, distanciando o aparato estatal indigenista dos territórios indígenas, fragilizando ainda mais sua proteção.

Falar da ausência do Estado nas regiões distantes da Amazônia, e das esferas que garantem o pleno exercício de cidadania, é uma redundância.

As forças anti-indígenas que espalham seus tentáculos pelo país, nas diferentes esferas da sociedade e do Estado brasileiro, particularmente nas frentes econômicas de caráter predatório, não satisfeita com o ataque aos povos indígenas têm como objetivos estratégicos o esbulho dos recursos naturais das terras indígenas e a fragilização da FUNAI, o órgão do Estado brasileiro que tem como papel promover e apoiar a defesa dos direitos destes Povos.

A exacerbação do conflito conta com os seguintes elementos históricos na região: 1) negligência do poder público quanto ao tratamento adequado à compensação dos prejuízos que sofrem há mais de 40 anos causados pela implantação da estrada e 2) a omissão do Estado no tratamento das tensões sociais locais e regionais.

A história das tensões e conflitos que envolvem os povos indígenas também identificados como Kagwahiva (onde se inclui os Tenharim, os Paritintin e os Jiahui) é agravada quando seus territórios são atravessados pela rodovia Transamazônica, no início da década de 1970, durante o regime militar.

Apesar de não informado pela grande mídia não teve origem agora, e é marcada por epidemias, massacres, de população e perdas territoriais. Trajetória que na República teve início com o contato feito pelo o Serviço de Proteção aos Índios nos anos de 1920, e aprofundada com a política de desenvolvimento a qualquer custo imposta pelos militares e que volta a se repetir no governo atual.

Portanto, as tensões e conflitos remontam a situação de autoritarismo e violência desde o início das obras, pela qual não houve nenhum tipo de compensação ou reconhecimento de direitos sobre os prejuízos causados às culturas e meios de sobrevivência dos povos da região. De lá pra cá, décadas se passaram e as pressões causadas pela ocupação econômica sem critérios, pela destruição do meio ambiente e pela ausência de atenção aos direitos básicos dos povos indígenas e das populações pobres que foram empurradas para região foram se agravando cada vez mais.

Associada à debilidade da presença do Estado, a atuação da FUNAI na região atravessou um longo período de precariedade, sem um trabalho regular e sistemático do Órgão indigenista junto aos indígenas no cumprimento de suas atribuições, e em especial para a defesa dos direitos indígenas. A Funai por empenho de seus servidores tem buscado estruturar as condições de atendimento aos povos indígenas da região, e adota uma postura de ouvir as comunidades na implantação de alternativas para solução dos problemas de sustentabilidade e de fazer respeitar os direitos desses povos.

A repercussão do episódio de Humaitá revela uma urdidura perversa que vem se armando há algum tempo. Não bastam as agressões aos povos indígenas e o desrespeito aos seus direitos, é necessário o desmonte da política indigenista do Estado brasileiro para assegurar a expropriação das terras indígenas e dos bens nelas existentes. Não é difícil compreender esse contexto quando se observa a multiplicação de projetos de leis, emendas constitucionais que tramitam no Congresso e Portarias da AGU ameaçando os direitos indígenas. Mas a atuação no campo do legislativo não é suficiente ou tão rápido quanto almeja a ambição da legalização do esbulho. Com isso é necessário ataques morais ao trabalho da FUNAI, a banalização de Processos Administrativos Disciplinares (PAD’s) e perseguição aos seus servidores, a raivosa destruição do seu patrimônio, a disseminação do preconceito contra os índios e a ameaça e penalização dos servidores do Órgão que assumem posições ao lado dos direitos indígenas, o que afinal compõe as obrigações legais do exercício da profissão de indigenista.

A ANSEF e CONDSEF entendem que a exoneração do servidor Ivã Bocchini, Coordenador Regional de Humaitá e a tentativa de culpá-lo pelos episódios de violência que aconteceram, faz parte desse mesmo projeto. Cabe informar que o referido servidor não fez nada além de cumprir com suas atribuições institucionais e solicitar formalmente investigação policial a respeito da morte do cacique Ivan Tenharim.

O servidor da FUNAI nunca afirmou que o cacique havia sido morto, apenas solicitou que a morte fosse investigada, sendo esta uma obrigação inerente ao cargo ocupado pelo servidor. Atribuir ao Blog da CR Madeira a responsabilidade pelos atos de barbárie ocorridos em Humaitá é uma tentativa de se furtar a enfrentar os verdadeiros problemas que há décadas causam conflitos naquela região.

Diante do contexto atual, este não será um caso isolado e outros poderão ocorrer a qualquer momento.

Casos de conflitos envolvendo povos indígenas, com seus direitos territoriais ameaçados pelos detentores do poder econômico e político existem dezenas pelo país. Assim como também existem servidores que persistem em defender as atribuições institucionais da FUNAI e os direitos constitucionais dos povos indígenas.

Em um país cuja sociedade historicamente luta contra o autoritarismo, abuso de poder e a repressão para alcançar o estado de direito, em que o respeito à diversidade compõe as garantias legais e predomina no discurso das instituições públicas, não é aceitável que governantes ou setores da sociedade mantenham práticas de retrocesso sobre os direitos de minorias étnicas para atender às pressões de interesses econômicos, e de intimidação a cidadãos e servidores públicos que no cumprimento de suas obrigações e no exercício da cidadania denunciam injustiças e violação de direitos.

Assinam a presente Nota: CONDSEF – Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais ANSEF – Associação Nacional dos Servidores da Funai"