No Estadão: ‘Dilma não pode fugir à responsabilidade’, diz ex-presidente da Petrobrás

Publicado em 20/04/2014 09:43
Para Gabrielli, presidente tem de assumir sua parcela de ônus no caso Pasadena. Por RICARDO GALHARDO, ENVIADO ESPECIAL - O Estado de S.Paulo.

Presidente da Petrobrás à época da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006, José Sergio Gabrielli admitiu em entrevista ao Estado sua parcela de responsabilidade no polêmico negócio, mas dividiu o ônus com a presidente Dilma Rousseff. 

Segundo ele, o relatório entregue ao Conselho de Administração da estatal foi "omisso" ao esconder duas cláusulas que constavam do contrato, mas Dilma, que era ministra da Casa Civil e presidia o conselho, "não pode fugir da responsabilidade dela".

Gabrielli defende a compra da refinaria conforme as circunstâncias da época e alfineta sua sucessora, Graça Foster, ao afirmar que a Petrobrás não foi construída nos dois anos de gestão da atual presidente da estatal. De acordo com ele, a queda do preço das ações da estatal não se deve a Pasadena, mas à conjuntura externa, afetada pela crise financeira global de 2008, e à política do governo de manutenção artificial dos preços da gasolina no Brasil abaixo do mercado internacional. Política que, segundo Gabrielli, está contaminada pela disputa eleitoral.

O senhor se considera responsável pelo relatório entregue ao conselho administrativo da Petrobrás antes da compra da refinaria de Pasadena?
Eu sou responsável. Eu era o presidente da empresa. Não posso fugir da minha responsabilidade, do mesmo jeito que a presidente Dilma não pode fugir da responsabilidade dela, que era presidente do conselho. Nós somos responsáveis pelas nossas decisões. Mas é legítimo que ela tenha dúvidas.

O relatório é falho e omisso como disse a presidente Dilma?
Acho que não (foi falho). Ele foi omisso. Sem dúvida nenhuma foi omisso porque as duas cláusulas mencionadas (Put Option, que obrigou a Petrobrás a comprar a outra metade da refinaria, e Marlim, que compensaria a então sócia Astra por possíveis prejuízos) não constavam da apresentação feita aos conselheiros.

O conselho teve acesso à totalidade dos documentos antes de aprovar a compra da refinaria?
Não teve acesso a essas cláusulas. Mas isso não é relevante, a meu ver, para a decisão do conselho. O que é relevante é se o projeto é aderente tecnologicamente e estrategicamente ao que você faz e ter dado rentabilidade com os pressupostos daquele momento. Essas três condições fariam a decisão do negócio.

Se o Conselho de Administração da estatal soubesse dessas cláusulas no primeiro momento teria aprovado a compra da refinaria?
Eu acho que teria aprovado porque o objetivo naquele primeiro momento era a possibilidade de ter um negócio nos Estados Unidos em uma refinaria que tinha preços adequados ao mercado. E poderia ser uma entrada forte nossa nos Estados Unidos, o mercado que mais crescia no mundo na época. Continuo achando que foi um bom negócio para a conjuntura de 2006, um mau negócio para a conjuntura de 2008 a 2011 e voltou a ser bom em 2013 e 2014.

O que mudou na Petrobrás de Lula para Dilma?
Não acho que houve mudança. É bom lembrar que saí em fevereiro de 2012 e o acordo de Pasadena é de junho de 2012. Enquanto estive lá, a partir de 2008, só fiz disputar judicialmente com a Astra. Não fiz nenhum acordo com a Astra.

Então a mudança foi de Gabrielli para Graça Foster?
Eu não disse isso. A gestão da presidente Graça deu continuidade aos planos estratégicos desenvolvidos pela diretoria anterior. Não vejo ruptura entre mim e Graça. É uma presidência de continuidade.

Pelo menos em um ponto importante vocês divergem. Graça diz que a compra de Pasadena foi um negócio ruim e o senhor diz que foi bom.
Nós não divergimos. Graça disse de forma explícita que hoje ela não faria o negócio mas que na época foi um bom negócio. Portanto nós não temos divergência. Na época eu faria a mesma coisa. O negócio depois ficou ruim e hoje está melhor outra vez.

Existe uma tentativa de responsabilizar a sua gestão por um negócio que não deu o resultado esperado?
Cheguei na Petrobrás e a empresa valia US$ 15 bilhões. Comigo a Petrobrás foi a US$ 350 bilhões e quando eu saí ela estava valendo US$ 180 bilhões. Essa é a realidade no mercado. A empresa vinha num processo de esvaziamento, de quebra da unidade operacional, sendo fatiada. Havia várias iniciativas para vender as refinarias em pedaços. Saímos da situação de uma empresa acuada na área de gás e energia para nos transformarmos no principal ator produzindo hoje um volume superior talvez à energia de Itaipu. Isso não se fez nos últimos dois anos.

As dúvidas sobre negócio de Pasadena são uma mácula à sua gestão?
Não posso aceitar isso. Posso falar da minha gestão em termos de resultados. Posso falar de uma empresa que saiu de ter duas sondas de perfuração para ter 69, que saiu de 33 mil pessoas trabalhando para 85 mil, que foi nesse período que se descobriu o pré-sal e se atingiu a autossuficiência. Na minha gestão a companhia teve os maiores lucros da história e realizou a maior capitalização da história do mundo em termos de venda de ações no mercado. Não posso dizer que foi uma gestão equivocada. Desafio quem quiser discutir sem xingamento a dizer que foi uma má gestão.

Qual sua opinião sobre a declaração da presidente Dilma de que estariam tentando atingir a Petrobrás? 
A oposição faz uma campanha irresponsável contra a Petrobrás. A Petrobrás é um patrimônio nacional extremamente bem gerido, com uma competência instalada extraordinária. O ataque só pode ser entendido por interesses eleitoreiros combinados com alguns interesses muito mais complicados.

Quais?
Interesses na área financeira de redução dos valores da Petrobrás para poder viabilizar operações no mercado de ações e ameaçar o papel histórico da empresa de desenvolver o pré-sal brasileiro. Quando nós mudamos o marco regulatório do pré-sal em 2010 com a introdução da partilha de produção que altera as formas de apropriar o futuro e com isso vai viabilizar mais recursos para a educação brasileira, isso teve uma oposição muito grande. É quem hoje está atacando a Petrobrás. Quem hoje ataca a Petrobrás também ataca o modelo da partilha e o conceito de que a companhia deve ser a operadora do pré-sal.

Como o senhor explica a grande desvalorização da empresa apesar da descoberta do pré-sal?
Em dezembro de 2002 uma ação da Petrobrás em Nova York custava US$ 3,67. No dia 1.º de agosto de 2008 chegou a US$ 55,31 e hoje está a US$ 13,50. Esse período pós 2008 deve ser explicado por dois fenômenos. Primeiro, pela crise financeira mundial que reduziu a demanda de petróleo dos EUA. Segundo, pela queda do preço de petróleo e do mercado de ações. No Brasil tem um componente importante que está penalizando as ações da Petrobrás que é o ajuste dos preços da gasolina e diesel no mercado nacional abaixo dos preços praticados no exterior.

O preço da gasolina no Brasil deve aumentar?
Deve aumentar. Não precisa ser instantaneamente mas tem que haver um aumento gradual para permitir uma mínima aproximação do preço doméstico com o preço internacional. Não há como a Petrobrás manter permanentemente uma diferença entre o preço doméstico e o internacional. Tem que ter um processo de convergência e no dia que acontecer isso as ações da Petrobrás voltam a crescer.

A política sobre os preços da gasolina também está contaminada pelo debate eleitoral?
Claro. Acaba sendo afetada, influenciada.

Houve US$ 530 milhões de baixas contábeis da Petrobrás por causa de Pasadena. Existe possibilidade de a companhia recuperar esses valores?
Não sei os números de hoje, mas a presidente Graça diz que o lucro é de US$ 58 milhões em janeiro e fevereiro de 2014. Se multiplicar US$ 58 milhões em 10 meses ela recupera os US$ 530 milhões. É uma conta linear.

Existe algum conflito ético na indicação do seu primo José Orlando para o cargo de presidente da Petrobrás América?
O Zé Orlando entrou na Petrobrás em 1978. Quando cheguei, em 2003, era conhecido como primo de Zé Orlando. Não ele (conhecido como) meu primo. Quando a indicação para presidência da Petrobrás América chegou, eu tinha as seguintes opções: veto porque é meu primo ou aceito porque é a pessoa mais correta. Aí resolvi comunicar à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) porque não é justo vetá-lo por ser meu primo. Enquanto ele esteve lá nós só fizemos disputa judicial. Não teve nenhum pagamento à Astra.

 

Reconhecer erros, um bom negócio

por GAUDÊNCIO TORQUATO - O Estado de S.Paulo

"Foi um mau negócio." A sincera confissão feita no Senado pela presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster, sobre a aquisição da refinaria americana de Pasadena foi um ato de coragem, mas não suficiente para desfazer o enredo que deixa em lençóis sujos a empresa-símbolo do Brasil. Há que completar o processo deflagrado pela comandante Foster, tarefa que compete aos órgãos de controle e investigação, entre os quais Polícia Federal, Tribunal de Contas, Corregedoria-Geral e Advocacia da União, sob o olhar atento do Ministério Público. 

A questão que remanesce é: depois de oito anos do ato consumado, com cabais demonstrações de prejuízos aos cofres do Tesouro e perdas para o bolso de milhares de investidores que adquiriram ações da empresa, quem será punido por transgressão ao ordenamento legal? Não importa se a CPI em discussão no Congresso Nacional e em análise pela Corte Suprema terá escopo restrito ou ampliado. Importa, sim, chegar às respostas objetivas que impliquem responsabilização de agentes, desmontagem de conluios entre a res publica e os negócios privados e a devida apenação de envolvidos.

Ao reforçar a abordagem da presidente Dilma Rousseff (que em 2006 presidia o Conselho da Petrobrás) de que a compra da refinaria se deu por ato falho, ou seja, pela não apresentação das cláusulas Put Option e Marlim pelo então diretor da Área Internacional Nestor Cerveró, Graça Foster foi fiel ao script recomendado pelo Palácio do Planalto, mas se obriga, para preservar a imagem técnica, a dar continuidade às investigações internas que mandou realizar. É imperiosa a resposta às indagações que correm pelos contingentes de formação de opinião e já chegam aos ouvidos periféricos.

Como é sabido, o balão da opinião pública começa a se encher com os ares insuflados de grupos do meio da pirâmide social e ganha volume com as ondas que, em círculos concêntricos, descem até às margens. A condição para desinflá-lo reside em respostas diretas sobre as responsabilidades dos gestores públicos. Daí a pergunta que se faz ao ex-diretor: por que a proposta apresentada omitiu - tanto no PowerPoint que usou quanto na exposição oral - cláusulas que obrigavam a Petrobrás a comprar a outra parte da unidade? Responde ele: porque eram irrelevantes.

Imaginemos a situação. Setembro de 2006, meia-noite na Avenida Paulista, em São Paulo. O coordenador do trânsito avança o sinal vermelho. Para se livrar de um carro que vinha velozmente de uma rua transversal derruba um poste de iluminação e acaba deixando sem luz o expressivo cartão-postal da maior metrópole do País. Dois anos depois, tomando conhecimento da ação intempestiva do servidor, o secretário dos Transportes transfere-o de posto. Não teria sido esse o enredo? Cerveró, ao deixar de lado cláusulas básicas para tornar viável a aquisição da refinaria, não estaria ultrapassando o sinal vermelho? Ou ele não viu nenhum sinal vermelho?

Alegar que a chamada cláusula Put Option é comum em contratos desse tipo parece bater de frente na disposição da então presidente do Conselho de Administração da Petrobrás de vetar a transação se soubesse de tal dispositivo, que regulava a saída do parceiro. A conta não fecha. Será que uma avenida vazia em plena madrugada (a Petrobrás sem muitos controles) teria aberto a brecha para um "desvio de atenção"? Teria sido por excesso de confiança (achar que tudo era sabido) que decidiu fazer o que fez e como fez? O ex-diretor garante não saber com certeza se o conselho recebeu toda a documentação sobre a compra. Como gestor público, sabe quais procedimentos motivam dolo, incúria, inépcia, desleixo. Teria havido isso na Petrobrás? As investigações vão mostrar.

O caso remete a uma reflexão sobre as teias de interesses que se multiplicam na administração pública. Os desvios, veredas escuras e teias de corrupção que agem nos intestinos das estruturas públicas, nas três instâncias federativas, produzem o monumental PIB do desperdício. Sob outro olhar, são utilizados também para encher os cofres de Tios Patinhas e agregados que se espalham por territórios partidários, a serem usados nos múltiplos projetos de poder, alguns a perder de vista, de tão longevos.

O desconsolo é constatar que o discurso de "choque de gestão", "renovação de métodos", "meritocracia", de tão banalizado, não chega a sensibilizar a numerosa categoria dos gestores públicos. Não se criaram no País meios para implementar uma gestão moderna, racional, sob critérios de metas, resultados, eficiência e eficácia. A cada ciclo governativo as máquinas administrativas, ao contrário da tendência de racionalização e enxugamento, são inchadas e encharcadas pela representação feudal de partidos e grupos. O lema de lorde Acton ressurge esplendoroso em nossas plagas: "O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente".

Ora, na antevéspera de um pleito eleitoral que tende a ser um dos mais contundentes de nossa História, em função da forte expressão que emerge dos mais diferentes grupos da sociedade, um grande bem que os candidatos fariam seria o compromisso com uma profunda reforma no campo da administração. Que deveria abrigar os territórios técnicos, imexíveis pelos comandos políticos; a adoção de critérios de mérito e qualidade no aproveitamento de quadros; a transparência absoluta de contas e processos de licitação; a demissão sumária de dirigentes de empresas e autarquias flagrados em ilícitos, com o respectivo processo de apuração; a abertura de canais com os consumidores e facilitação de acesso às investigações da mídia, entre outros aspectos. Não é mais possível conviver com a mania de jogar a sujeira para debaixo do tapete. O ciclo da gestão eficaz pode ser aberto com a adoção do costume de reconhecer o erro. E acabar com a mistificação.

GAUDÊNCIO TORQUATO JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP, É CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO. TWITTER: @GAUDTORQUATO 

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Fonte:
Estadão

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2 comentários

  • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

    Sr. João Batista, o foco da discussão da refinaria de Pasadena está restrito a um eufemismo criado pelo PT:"Foi um mau negócio".

    Ocorre que não só a PETROBRAS, mas todo o Estado brasileiro está tomado pelo sistema de governo "PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO", outro eufemismo, o correto é: "PRESIDENCIALISMO DE COOPTAÇÃO" ...."E VAMOS EM FRENTE" ! ! !....

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  • Edison tarcisio holz Terra Roxa - PR

    eu não sei de nada eu não vi nada minguem me falou nada como posso ser responsavek oir alguma coisa hahahaha

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