No ESTADÃO: FMI alerta para impacto global de decisão sobre dívida da Argentina

Publicado em 18/06/2014 03:33
Fundo diz que derrota do governo Kirchner na Justiça dos EUA pode repercutir em outros casos de reestruturação de dívidas; ministro anuncia troca de débitos sob jurisdição nacional, por ARIEL PALACIOS, CORRESPONDENTE - O ESTADO DE S. PAULO

BUENOS AIRES - O Fundo Monetário Internacional (FMI) fez um alerta nesta terça-feira, 17, que a derrota da Argentina na Justiça americana em disputa sobre a reestruturação de sua dívida pode ter consequências amplas para o mercado internacional. 

Segundo o FMI, a decisão da Justiça dos Estados Unidos terá um impacto significativo no mercado global de dívida soberana dos países, incluindo outros processos de reestruturação.

Na segunda-feira, a Suprema Corte dos Estados Unidos recusou o apelo do governo da presidente Cristina Kirchner para revisar duas determinações da Justiça americana, de 2012, que ordenam o pagamento de US$ 1,3 bilhão a credores. Esses credores não aceitaram participar das reestruturações de dívidas feitas em 2005 e 2010. Caso todos os credores que não participaram das reestruturações recorram aos tribunais, a conta pode chegar a US$ 18 bilhões. As reservas internacionais da Argentina estão em US$ 28 bilhões.

Rebaixamento

Por conta dessa decisão, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito da Argentina de CCC+ para CCC-. A agência justificou a decisão citando maior risco de calote na dívida em moeda estrangeira do país.

Em entrevista na noite desta terça-feira, o ministro de Economia da Argentina, Axel Kicillof, anunciou que, para driblar um eventual embargo de ativos argentinos no exterior por parte dos “holdouts” - denominação dada aos credores que não aderiram às reestruturações dos títulos da dívida -, o governo pretende reabrir a troca dos bônus, embora, desta vez, unicamente sob jurisdição argentina, em Buenos Aires. “Eles querem tudo”, afirmou Kicillof em referência aos holdouts, visivelmente nervoso. “Mas nós lhes respondemos que ‘não passarão!’”, acrescentou, em alusão ao slogan dos republicanos espanhóis durante o cerco franquista de Madri em 1936. 

Apesar do tom de bravata, Kicillof - um economista de origem marxista que se converteu ao peronismo e começou em dezembro a implementar um ajuste econômico - afirmou que enviará advogados a Nova York para conversar com Thomas Griesa, juiz federal que determinou em 2012 que a Argentina efetue o pagamento ao fundo NML, um dos grupos de holdouts mais ativos na Justiça.

Kicillof indicou uma possibilidade de esperança para a Argentina ao afirmar que “o juiz (Griesa) disse algo que não coincide com seu parecer, pois afirmou não querer empurrar a Argentina ao calote. Por isso, queremos ver o que Griesa quer dizer com isso”.

Vocação de negociar. Na segunda-feira à noite, em rede nacional de TV, a presidente Cristina afirmou - de forma vaga - que seu governo tem “vocação de negociar” - e que não dará o calote da dívida que foi reestruturada.

Do total de títulos argentinos declarados em estado de calote em dezembro de 2001 pelo presidente provisório Adolfo Rodríguez Saá, 92% estão nas mãos de credores que participaram das reestruturações da dívida em 2005 e 2010. Os 8% de títulos restantes estão nas mãos dos holdouts.

Na segunda-feira, a Suprema Corte em Washington indicou que não se envolveria na disputa que o governo Kirchner mantém com o juiz Griesa e recusou o apelo feito pela Argentina para revisar as duas determinações de 2012. 

Embargos. Uma eventual decisão final de Griesa nos próximos dias poderia criar uma brecha para que os holdouts peçam embargos sobre bens do Estado argentino no exterior. Nesse caso, o alvo principal - e imediato - seria o pagamento que a Argentina fará na semana que vem, dia 30, em Nova York, de US$ 900 milhões aos credores que aderiram às reestruturações e que possuem bônus argentinos sob legislação americana. 

No entanto, a legislação da dívida permite que a Argentina possa atrasar pelo prazo de 30 dias o pagamento. Nesse período, segundo informações extraoficiais em Buenos Aires, os enviados da Casa Rosada a Nova York tentariam conseguir um acordo com Griesa.

“A Argentina está pagando desde 2003”, disse Kicillof, que também indicou que o governo tomará “as precauções necessárias para assegurar que os títulos da dívida reestruturada sejam pagos”. “Mas, se a Argentina fosse obrigada a acatar a determinação de Griesa, o país seria levado ao calote”, sustentou. /COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS.

 

S&P rebaixa nota da Argentina

Agência diz que risco de calote aumentou após tribunal dos EUA recusar recurso sobre revisão de dívidas

 NOVA YORK - A Standard & Poor's rebaixou o rating da dívida de longo prazo em moeda estrangeira da Argentina para CCC-, de CCC+; a perspectiva do rating é negativa. O rating da dívida de longo prazo em moeda local foi mantido inalterado em CCC+, com perspectiva negativa, e o da dívida de curto prazo em moeda local foi mantido em C. O rating de transferências e conversibilidade foi rebaixado para CCC-, de CCC+.

Segundo a S&P, "o rebaixamento reflete o risco mais elevado de default sobre a dívida em moeda estrangeira, depois de uma decisão recente da Suprema Corte dos EUA de não ouvir o recurso do governo da Argentina contra uma decisão anterior do Tribunal Federal de Recursos do Segundo Circuito em favor de demandantes contra o soberano. Os demandantes são portadores de bônus que não participaram das trocas de dívida de 2005 e 2010 e que buscaram bloquear pagamentos a portadores de bônus que participaram, até que obtenham o pagamento total de suas demandas".

A agência também diz que "depois da decisão da Suprema Corte, não está claro quando o tribunal inferior vai suspender sua liminar, nem como ele vai especificar uma fórmula de pagamento para a dívida em default". A decisão "eleva o risco de interrupção dos pagamentos da dívida sob lei de Nova York que atualmente tem tido seu serviço pago.

 

NA VEJA:

FMI alerta para consequências de possível calote da Argentina

Segundo Fundo, decisão da Corte pode abrir espaço para implicações sistêmicas em países que ainda se recuperam da crise da dívida

Cristina Kirchner

Cristina Kirchner, presidente da Argentina (Alberto Raggio/EFE)

A derrota sofrida pela Argentina na Suprema Corte dos Estados Unidos, na segunda-feira, não só teve impacto na nota de crédito do país, que foi reduzida nesta terça, mas também acionou um alerta do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em comunicado, o Fundo afirmou que está "preocupado com as implicações sistêmicas" de um possível calote da dívida argentina. 

O alerta se deu após a derrota judicial do governo argentino ante credores de títulos da dívida do país nos Estados Unidos. Na segunda-feira, a Suprema Corte americana se recusou a ouvir o recurso da Argentina sobre sua tentativa de evitar o pagamento de 1,33 bilhão de dólares aos credores — fundos de hedge que adquiriam papéis da dívida no início dos anos 2000, também chamados de fundos abutres.

No ano passado, o FMI alertou que se a Argentina fosse derrotada na Corte, o caso abriria precedentes para que outros credores exigissem o mesmo tipo de retorno sobre os títulos de outras nações, o que, segundo o Fundo, poderia se transformar num problema de ordem sistêmica. Ou seja, afetar as reestruturações de dívida ao redor do mundo, sobretudo de países com situação fiscal frágil, como os que ainda se recuperam da crise do euro. 

O FMI tem revisto sua forma de lidar com as dívidas de países em crise. Se um país não consegue arcar com seus débitos, o Fundo tradicionalmente pressiona uma reestruturação, como condição para emprestar recursos para arcar com os juros pagos aos credores. Agora, o Fundo vem cogitando a extensão dos prazos dos títulos. Em comunicado, o FMI afirmou que divulgará ainda nesta semana um documento sobre o tema.

Em discurso transmitido em rádio e TV na noite de segunda-feira, Cristina Kirchner afirmou que o país não dará o calote.

 

Calote caro

por Celso Ming (colunista de Economia de O Estado de S. Paulo)

A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de recusar o apelo da Argentina está saindo cara demais para a Argentina e é uma advertência para o Brasil

 

A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de recusar o apelo da Argentina – e de dar razão aos credores que não aceitaram os termos do calote à dívida externa imposto em 2001 pelo governo de Fernando de la Rúa e nos anos seguintes – está saindo cara demais para a Argentina e é uma advertência para o Brasil.

O Tesouro da Argentina não só está obrigado agora a pagar o que deve aos tais fundos abutres, que apostaram na derrota do Tesouro argentino nos tribunais, mas corre o risco de ter de reverter todo o processo de reestruturação da sua dívida.


Cristina Kirchner. “Extorsão” (FOTO: Enrique Marcarian/Reuters)


O argumento da presidente Cristina Kirchner, de que a ação desses credores é extorsão contra um país em dificuldades, pode servir para uso interno, mas não tem lógica. O que é mais extorsivo: cobrar uma dívida na Justiça ou passar o calote?

Se a Argentina for obrigada a pagar o que reteve até agora por decisão unilateral, terá de prover algo entre US$ 35 bilhões e US$ 40 bilhões, ou até 70% do seu atual nível de reservas externas. O anúncio ontem da Standard & Poor’s do rebaixamento da dívida de longo prazo em moeda estrangeira da Argentina não muda essa situação já ruim.

Alguns setores das esquerda e centro-esquerda tupiniquins recomendaram enfaticamente o calote argentino, como o melhor caminho também para o Brasil. Usaram dois argumentos. O primeiro é que a suspensão do pagamento da dívida externa produziria economia de recursos preciosos, o que possibilitaria o financiamento a juros zero do desenvolvimento econômico, criaria empregos e tornaria o País definitivamente rico. O segundo é que o Brasil já tinha pago um volume tão alto só com juros que a dívida já deveria ter sido considerada paga.

Agora deve ter ficado claro que o processo de reestruturação da dívida argentina conteve vícios graves. Mas a principal falha do governo Kirchner parece que foi não ter aproveitado os 13 ou 14 anos de tempo extra para ajustar sua economia, dar a volta por cima e limpar seu nome no mercado internacional. Hoje, a economia está estagnada e o país, tão quebrado quanto em 2001.

A ideia de que o pagamento dos juros (tantas vezes escorchantes) dispensa o resgate do principal foi, na segunda metade dos anos 80, esgrimida também aqui pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães. Na ocasião, o então deputado Delfim Netto o desmontou com uma única observação: “O que você está dizendo, Ulisses, é que o inquilino pode ficar com a casa no dia em que a soma dos aluguéis pagos ao proprietário atingir o valor da casa”.

Uma das alegações do governo argentino para não cair no jogo dos fundos abutres vem sendo repetida no caso das dívidas precatórias. (Apenas para lembrar, dívidas precatórias são compromissos assumidos pelo poder público, em geral, em consequência de desapropriações, cujo pagamento tem sido sistematicamente adiado sob o argumento de insuficiência de fundos.) Ainda se veem autoridades argumentando que as cobranças de dívidas precatórias se tornaram uma atividade organizada por máfias que compram por uma ninharia esses direitos de viúvas e de herdeiros e que agora os vêm cobrando na Justiça.

O Poder Judiciário tem colocado um pouco de ordem nesse outro tipo de extorsão. Mas o fim da linha na Justiça brasileira é o mesmo do apontado agora pela Suprema Corte dos Estados Unidos.

CONFIRA:

Veja o desempenho do setor de serviços desde janeiro de 2013.

Pouca força

A proposta de aumento de 1 ponto porcentual de etanol anidro, de 25% para 26%, na mistura com a gasolina, parece de baixo alcance. Não resolve o problema dos usineiros, que não é de falta de demanda, mas de preço; nem resolve o problema da Petrobrás (e do governo), que é reduzir o consumo de gasolina. Como agrado aos usineiros, tão hostis ao governo Dilma, também não chega a impressionar. E poderia ter sido colocada em prática antes. Por que não o foi?

A Argentina tem que fazer pagamentos de cupom sobre US$ 225 milhões em bônus no dia 30 de junho (bônus Discount denominados em dólares). A Argentina também deve pagar juros de US$ 67 milhões sobre seus bônus Par sob jurisdição de Nova York em dezembro. Nós não consideramos a continuidade do não pagamento aos recalcitrantes domo um default, mas consideraríamos interrupções à dívida que atualmente tem tido seus serviços pagos como um novo default".

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O Estado de S. Paulo + VEJA

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