No EL PAÍS: Marina lança programa liberal na economia e progressista na área social

Publicado em 31/08/2014 20:04 e atualizado em 02/09/2014 05:47
Roberto Rodrigues diz que a agricultura está bem na foto -- na edição brasileira do jornal EL PAÍS (BRASIL.ELPAIS.COM)

Do lado direito de Marina Silva estava acomodada Neca Setubal, a herdeira do Itaú, um dos principais bancos do país. Do lado esquerdo, o presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Roberto Amaral, que bradou críticas ferrenhas ao capitalismo e defendeu a distribuição de renda. No centro, a candidata à presidência apresentou seu programa de Governo, liberal na economia e progressista nas áreas sociais, ainda que não em todas, já que a lei sobre o aborto não terá mudanças num eventual Governo dela.

Na tarde de ontem, no salão de um luxuoso bufê de Pinheiros, em São Paulo, Silva defendeu abertamente uma menor intervenção estatal na economia. No livro de 242 páginas, com propostas divididas em seis eixos, está uma das mais criticadas pela esquerda atualmente: a autonomia do Banco Central, considerada pelo PT como uma política típica de partidos “neoliberais” como o PSDB de Aécio Neves, já que daria o controle do banco ao setor financeiro do país. Ela também defendeu a manutenção da taxa de cambio livre, sem a intervenção do Banco Central, salvo as “ocasionalmente necessárias”, “com vistas para sinalizar para o mercado que as políticas fiscais e monetárias serão instrumentos de controle de inflação de curto prazo”.

O extenso documento elenca as “regras para o setor privado e para suas relações com o setor público: pôr fim às políticas discricionárias; reduzir as normas para os setores produtivos; fortalecer e dar independência às agências reguladoras; deixar a economia respirar”. Num partido de alcunha socialista, Marina se tornou uma candidatacelebrada pelo mercado financeiro, que apoia suas políticas econômicas e acredita que ela é quem tem mais chances de derrubar Dilma Rousseff (PT). Uma pesquisa Datafolha publicada nesta sexta mostra que as duas estão numericamente empatadas no primeiro turno, com 34%; num segundo turno, Silva ganharia por dez pontos.

Vista como a representante do mercado financeiro da campanha, Neca Setubal, apoiadora de Silva desde a campanha de 2010, fez questão de afastar o rótulo: diz que não teve participação na parte econômica do programa, que não tem relações com o mercado financeiro e que atuou por toda uma vida na área da educação, trabalhando, inclusive, para a Unicef na América Latina. “Não tenho nenhuma experiência na área econômica, nunca exerci nenhum cargo nessa área. Eu até entendo que vocês me olhem como se eu tivesse representando o mercado financeiro. Mas eu não conheço esse mercado, eu não frequento esse mundo nem socialmente, nem profissionalmente”, declarou.

Setubal é uma das coordenadoras do programa de Governo, ao lado do ex-petista Maurício Rands, ex-secretário no Governo de Eduardo Campos, antecessor de Silva na disputa pela coligação, morto em um acidente de avião em 13 de agosto. Segundo eles, o programa foi construído com a ajuda de internautas, sindicatos, entidades da sociedade civil e teve mais de 6.000 contribuições.

Se na área financeira o programa se aproxima das pautas tucanas, na área social o texto traz propostas bastante progressistas, alinhadas e até mais avançadas que as petistas. A candidata promete manter os programas do atual Governo federal, como o Bolsa Família, o ProUni, o Programa Saúde da Família, e também destinar 10% do PIB para a educação nos próximos quatro anos, ou seja, muito antes do previsto pelo Plano Nacional de Educação aprovado em 3 de junho. Também promete destinar 10% do PIB para a saúde pública.

Além disso, toca em pontos delicados ao conservadorismo brasileiro. Entre eles, a reforma agrária, que vem perdendo espaço no atual Governo petista– em 2012, foram 23.075 famílias assentadas, muito abaixo do número registrado em 2006, de 136.358 famílias. O programa fala em realizar uma força tarefa para assentar as 85.000 famílias na fila atualmente. Além disso, também afirma que haverá investimento em modelos de políticas de Justiça restaurativa (em que o juiz atua como um “negociador” para mediar os conflitos ao invés de simplesmente punir) e em humanização do sistema penitenciário. Defende o casamento civil igualitário para a comunidade LGBT e a eliminação de obstáculos para a adoção de crianças por casais homoafetivos, algo que Marina retificou dizendo que esses pontos do programa de governo, supostamente alterados após a divulgação do mesmo, foram "divulgados erroneamente", pois não estavam totalmente acordados, informa o jornalFolha de S. Paulo. "Queremos um país socialmente justo”, ressaltou Silva.

A candidata também agradou o público presente ao criticar o fisiologismo partidário brasileiro. Chamada de “Poliana” na última disputa eleitoral, Silva disse acreditar ser possível governar sem alianças que resultam no loteamento dos cargos públicos e acreditar que todos os partidos irão ajudar a construir “um novo Brasil”. “As pessoas pensam que base de sustentação é aderir de forma acrítica. Nos países democráticos, mesmo quando se faz uma oposição, fazem isso pela análise do programa”. “Não acredito que o PSDB, que tem historicamente um compromisso com a estabilidade econômica, vai ser negligente com esses objetivos no Congresso só porque ganhamos o Governo. Dizemos de antemão que pretendemos, sim, conversar com o Lula e com o Fernando Henrique Cardoso. E pode ter certeza que vai ser mais fácil do que ficar refém do PMDB”, afirmou ela, que também destacou que, caso eleita, não tentará a reeleição.

Candidata se diz contra o aborto e afirma que manterá a lei atual

Uma das principais questões de saúde pública do país, o aborto, feito por ao menos 850.000 mulheres em 2013, segundo estimativa, sendo a grande maioria de forma clandestina e em situação precária, não será alvo de mudanças no Governo de Marina Silva, caso ela seja eleita.

Questionada pelo EL PAÍS na tarde de ontem, a candidata, uma evangélica que defende o Estado laico, disse que pretende manter a legislação como está: a interrupção da gravidez só é permitida em casos de estupro, de risco à saúde da mãe ou caso o feto seja anencéfalo.

Nas eleições de 2010, Silva defendeu a realização de uma consulta popular sobre o tema, fato criticado pelas feministas porque em uma sociedade conservadora como a brasileira certamente uma legislação mais progressista sobre o assunto não seria aprovada pelo povo. “O que está previsto na lei é o que está na nossa política. A proposta de plebiscito eu apresentei em 2010, no Partido Verde, e estava em debate na Rede Sustentabilidade (o grupo político de Silva). Dentro da nossa aliança, decidiu-se pela manutenção da lei já existente. Qualquer mudança nesse sentido é uma atribuição do Congresso. Eu, particularmente, não sou favorável ao aborto”, disse ela, que acrescentou que trabalhará para a construção de políticas de prevenção à gravidez e orientação sexual.

Silva também não se comprometeu com a legalização da maconha, tema que ela também afirmava em 2010 que deveria ser submetido a um plebiscito. Isso, no entanto, não está no atual programa. “Nos comprometemos com o debate.”

“A agricultura está bem na foto com qualquer dos presidentes eleitos”, diz Roberto Rodrigues

Nunca o agronegócio foi tão bem tratado no Brasil como hoje, constata Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura durante o Governo Lula.O setor, que representa 23% do PIB, tem sido a âncora econômica do país nos últimos anos. Por isso, os presidenciáveis têm feito a corte às lideranças rurais. “Eu tenho 50 anos de agronegócios, e posso te dizer que nós sempre procuramos os candidatos a presidente da República para pedir algo. Desta vez, tem sido ao contrário”, conta o ex-ministro.

Não é coincidência, por exemplo, que a reunião da equipe de Marina Silva com representantes da Sociedade Rural Brasileira, tenha ganhado destaque na imprensa. Ela é tida por alguns setores como a "mais radical" entre os candidatos com maiores chances de vencer esta eleição. Uma ideia que não condiz com a realidade, segundo Rodrigues, uma vez que ela tem reafirmado o discurso e os programas de Campos até aqui. “Eduardo Campos e Marina, assim como Aécio, buscaram um plano de trabalho. Tivemos um corpo técnico que criou um projeto para eles”, conta. Segundo ele, é a primeira vez o país tem uma trinca de candidatos com posturas favoráveis ao agronegócio. “O campo está bem na foto para a próximo presidente”, brinca. Rodrigues observa que Marina Silva tende a reativar a cadeia de etanol, o que a faz ser bem quista por parte do setor.


Dilma Rousseff, entretanto, tem melhor interlocução com outras lideranças, como a senadora Katia Abreu (PMDB-TO). Há rumores, inclusive, de que Abreu poderia ser sua ministra da Agricultura. Aécio Neves, do PSDB, por sua vez, sinalizou para interlocutores do mundo agro que se eleito, chamará um nome para a pasta da Agricultura que esteja de comum acordo com os representantes do setor.“Marina tem uma inclinação muito favorável à agroenergia, bioeletricidade, e o etanol, que emite 11% do gás carbônico que a gasolina emite, por exemplo. Ela tem uma visão muito clara”, diz Rodrigues, que é também presidente do Conselho Deliberativo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que inclui a cadeia de etanol. “Teremos uma interlocução fácil”, avalia. Rodrigues observa que o Governo de Rousseff deixou o setor de etanol totalmente abandonado, quando foi a menina dos olhos do Lula. “Eu mesmo vendi etanol no mundo com junto com ele, assim como a tecnologia canavieira, pois tínhamos know how”, lembra ele.

Seja quem for o presidente, o fato é que o setor começa a vislumbrar apoio de todos os lados para sanar seus obstáculos. “O maior gargalo nosso é logística. Mas, há de se reconhecer que depois de muitos erros – inclusive com erros nas concessões em estradas, que demandaram mudanças de regras por parte do Governo – as coisas andaram. Temos uma luz no fim do túnel”, conclui.

Depois de viver dificuldades nos anos 90, principalmente nos anos dopresidente Collor, quando a poupança foi confiscada, a agricultura brasileira precisou se reinventar. Os índices modificados com o plano Collor dispararam o endividamento do setor. “Isso foi brutal, algo que se repetiu com plano Real. Houve ajustes dramáticos, e milhares de produtores desapareceram. Quem sobrou buscou tecnologia e gestão para tocar para o agronegócio adiante”. Foi assim que a área de plantio cresceu 40% no país entre 1992 e 2012, com um salto de produção de 220%, segundo cálculos Rodrigues.

Colheita de soja em Campo Verde.

Candidata-surpresa, Marina é vítima de suas próprias contradições

Um novo debate na televisão esclarecerá nesta segunda-feira (no SBT) as posturas dos três oponentes com chances na disputada campanha eleitoral brasileira

A campanha eleitoral brasileira, cada vez mais acelerada, vertiginosa e hipnótica, gira quase exclusivamente em torno da candidata-surpresa, Marina Silva, que assumiu o cargo depois da morte, em 13 de agosto, do candidato oficial do Partido Socialista do Brasil (PSB), Eduardo Campos, em um acidente de avião que mexeu com o país de cima a baixo e revolucionou tudo. Desde então, Silva, uma carismática ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, alfabetizada aos 16 anos,sobe progressivamente nas pesquisas, como uma flecha, sem que, por enquanto, se veja o seu teto: na última sondagem, publicada na última sexta-feira, empatava no primeiro turno com a presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), e superava a atual mandatária no segundo e definitivo por uma margem de dez pontos.

No entanto, a ascensão dessa mulher de 56 anos, que prega “uma nova política”, começa rachar pelas contradições que cercam a sua candidatura e que seus adversários políticos com possibilidade de governar – Dilma Rousseff e Aécio Neves, do mais conservador Partido da Social Democracia Brasileira – não perdem tempo em destacar. Tudo isso a um dia do segundo debate televisionado em que os candidatos ficarão frente a frente e a um longo mês do primeiro turno, em 5 de outubro.

Uma dessas contradições – e não é pequena – surgiu no dia seguinte à apresentação do programa eleitoral de Silva, na última sexta-feira, em um salão de eventos de São Paulo. A imprensa destacou uma de suas medidas mais inovadoras e ousadas, que propunha incluir na Constituição brasileira o matrimônio entre homossexuais. Assim que o texto se tornou público, começaram a chover críticas de pastores evangélicos contrários a essa norma. A própria Marina Silva é evangélica, uma religião pujante no Brasil, de caráter muito conservador, o que gera muitas adesões, votos e, neste caso, pressões. Entre elas, do pastor Silas Malafaia, que em seu twitter, seguido por 774.000 pessoas, assegurava: “O programa de governo de Marina é uma defesa vergonhosa da agenda gay”. No sábado, a direção de campanha de Silva enviou um comunicado no qual dizia que “um erro” havia sido responsável por essa proposta, e que a verdadeira medida que a candidatura defende sobre o casamento gay é “garantir os direitos da união civil entre pessoas do mesmo sexo", ou seja, uma versão mais suave (e sem a decisiva proteção constitucional) do mesmo assunto. Um passo atrás, em todo caso.

O deputado Jean Wyllys, do PSOL-RJ, ativo defensor da causa gay no Brasil, não tardou em acusar Silva de ceder à primeira pressão: “Bastaram quatro mensagens do pastor Malafaia para que Marina, em 24 horas, esquecesse todos os compromissos assumidos em um ato público, transmitido pela televisão, e negasse o próprio programa político”.

O candidato Aécio Neves também questionou outra possível contradição de Silva, ao assegurar no sábado que algumas das principais medidas econômicas do programa dela pareciam copiadas das suas, por tradição neoliberais. Destacou que a ex-ministra do Meio Ambiente havia elaborado um programa liberal na economia, que tende a deixar o mercado livre para os agentes econômicos e cortar a intervenção do Estado, o que combina pouco com a intenção de Silva de melhorar o conteúdo e as ajudas sociais.

Neves acusou Silva de também promover certo “messianismo” na política que, segundo o líder do PSDB, servirá apenas para decepcionar a população e os eleitores. Dilma também centrou seus atos eleitorais em atacar Marina Silva, acusada, precisamente, de querer cortar alguns benefícios sociais relativos à habitação. Esse ataque duplo é significativo e reflete muito claramente que Silva já se converteu, nesse bilhar com três competidores que é a campanha brasileira, no perigoso inimigo a ser batido pelos outros dois.

Isso será visto ainda mais claramente nesta segunda-feira, no segundo debate da campanha na televisão. No anterior, há menos de uma semana, Rousseff e Neves ignoraram Silva e travaram um duelo particular, circundando a candidata estrela. Desta vez, não haverá outro remédio a não ser enfrentá-la para tentar frear a sua ascensão.

Marina, acompanhada de seu vice Beto Albuquerque e Romário. / YASUYOSHI CHIBA (AFP)

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Fonte:
brasil.elpais.com

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