Argentina: 'Agro dólar' é paliativo, não é solução e não muda pior ano que o campo já registrou no país

Publicado em 03/04/2023 16:16 e atualizado em 03/04/2023 16:48

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Depois de duas sessões do chamado "dólar soja", o ministro da Economia da Argentina, Sérgio Massa, afirmou que sua nova ferramenta agora será o "dólar agro". Massa trouxe o anúncio em sua visita à capital americana, Washington, na última semana, e as informações partem do jornal local Clarin. O objetivo é ampliar e intensificar as exportações do agronegócio argentino e, ainda de acordo com o ministro, trazer algum auxílio aos produtores depois de perdas tão agressivas ocasionadas por uma das piores secas da história do país. 

Além disso, Massa também afirmou que mais um de seus objetivos é garantir que as exportações do setor aconteçam de forma que possam continuar gerando divisas para cumprir os compromissos com o FMI (Fundo Monetário Internacional). 

Assim, o dólar agro - que atenderá à soja e mais produtos - tem a missão de garantir a arrecadação de outros US$ 15 bilhões para dar algum respiro à economia argentina. Algumas câmaras setoriais como as de arroz, amendoim, vinho e erva-mate, por exemplo, serão ouvidas para que a proposta se alinhe e se aprimore. E sobre o que já foi previamente informado pelo governo, a medida valerá por 30 dias para a soja e 90 dias para os demais produtos - nos meses de abril, maio e junho. 

"É um programa para aumentar as exportações, que visa de alguma forma facilitar a capacidade e o cumprimento dos contratos de nossos exportadores neste ano de seca, entendendo as dificuldades que nossos produtores sofreram", disse Massa em uma coletiva de imprensa em Washington. "O desafio é promover esta medida para fortalecer as reservas no segundo trimestre e continuar o caminho de estabilização que a Argentina deve seguir. A seca nos atingiu muito". 

O ministro acredita ainda que a medida não deverá ter um impacto muito agressivo sobre o mercado interno ou a inflação local - que chegou a alcançar os três dígitos no começo deste ano - ou aos preços no mercado interno. 

Ao Notícias Agrícolas, o diretor executivo da Globaltecnos, da Argentina, Sebastian Gavalda, afirmou que a equipe econômica do governo deverá trazer mais detalhes nesta quarta-feira (5). "O novo 'dólar soja' deverá valer a partir de 15 de abril e durar por cerca de 45 dias, com um dólar que pode ser de cerca de 30% acima do oficial. Mas, ainda são apenas rumores, sem confirmação. E para as chamadas 'economias regionais' o dólar deve ser similar", explica. 

Um dos pontos já levantados pelo setor agropecuário, no entanto, é ausência do milho e do trigo nas discussões sobre a nova taxa de câmbio, em especial por serem as duas principais culturas - ao lado da soja - que sofreram com as agressivas adversidades climáticas na última temporada. Nas duas ocasiões do 'dólar soja', o governo foi cobrado dos dois lados. Do lado dos compradores - como avicultores, por exemplo, de que o milho, ao ser incluído em um programa como este, poderia subir muito e inviabilizar ainda mais a atividade, bem como do lado dos vendedores que cobrar estar no programa para conseguir compensar, ao menos, parte das perdas causadas pela estiagem, como é o caso deste ano. 

O presidente da SRA (Sociedade Rural Argentina), Nicolás Pino, o "agro dólar" não é a solução para o campo. 

"Não é a solução para o campo argentino, mas para uma necessidade de arrecadação do governo. Vai gerar distorções de preços, como gerou o “dólar da soja”, porque quando se quer intervir nos mercados causa esse tipo de coisa: incerteza e perplexidade", afirmou o líder à mídia argentina. "Se for mais uma medida para arrecadar dinheiro, que digam abertamente". 

A percepção do economista chefe da FADA (Fundação Agropecuária Argentina para o Desenvolvimento da Argentina), da David Miazzo, é semelhante, e ele considera ainda que a medida pode apenas prolongar os problemas locais em um momento em que a reservas cambiais já estão completamente comprometidas. 

"Esta medida é mais uma demonstração de que o problema subjacente é a taxa de câmbio e do ponto de vista macroeconômico é totalmente incoerente", afirmou Miazzo à Rádio CNN da Argentina. "A economia e a situação social irão se deteriorar significativamente no final do ano devido ao profundo desequilíbrio cambial que o país enfrenta".

Ainda como explica Gavalda, os efeitos benéficos do dólar diferenciado são apenas pontuais, uma vez que a carga tributária sobre o setor permanece a mesma. "São 33% de retenciones com uma produção de 4 mil quilos por hectare ou com 1 mil quilos por hectare. Então, o dólar soja ajuda, mas não muda o ano terrível que a Argentina teve. Não há registro de um ano tão ruim como o desta temporada", resumiu o executivo argentino. 

Os primeiros efeitos da medida, como explica a equipe da Agrinvest Commodities, já começam a ser sentidos no complexo soja. "Os prêmios do óleo de soja na Argentina, para embarque junho, caíram forte em relação à sexta-feira, uma queda de 80 pontos. O mercado está precificando vendas de 5 a 6 milhões de soja da safra velha nessa nova rodada, o que, somado às importações de soja para abril e maio, podem novamente traazer crescimento para o processamento de soja e aumento da oferta de óleo na exportação". 

Com a falta da oferta argentina dos derivados, apesar das importações, o Brasil deve garantir um espaço ainda considerável no cenário externo tanto de farelo, quanto de óleo, ainda como explica a consultoria. "No Brasil, o processamento deve chegar a 26 milhões de toneladas contra 25,4 milhões no ano passado. Mesmo o aumento do B10 para B12 a partir deste mês, a oferta de óleo na exportação deve seguir forte. Segundo traders de óleo, o mercado interno ainda não muito agressivo na compra de óleo para a produção de biodiesel, o que continua incentivando as vendas na exportação", afirma a Agrinvest.

O analista do complexo soja da Agrinvest, Eduardo Vanin, explicou ainda que os produtores argentinos deverão aproveitar esta nova rodada de dólar diferenciado do setor para vender cerca de cinco milhões de toneladas da oleaginosa disponível ainda da safra velha, "o que pode acelerar o esmagamento argentino que veio muito fraco em janeiro, fevereiro e março, muito abaixo dos outros anos. E somado a importação de soja do Paraguai e do Mato Grosso do Sul, garantindo, pelo menos, dois meses de esmagamento", justificando essa queda considerável nos prêmios do óleo de soja. 

O cenário, todavia, não muda a perspectiva preocupante que a indústria processadora de soja argentina tem a frente, com uma safra argentina menor do que 30 milhões de toneladas, podendo ficar abaixo de 25 milhões - o que agrava sua falta de matéria-prima - além de uma qualidade muito baixa do que há disponível. A soja de baixa qualidade deverá resultar em derivados também aquém dos padrões pedidos pelos consumidores, o que exigirá da indústria de derivados uma busca por garantir o que puderem de melhor para atender seus mercados. 

Para Vanin, a Argentina deverá importar cerca de 10 milhões de toneladas - somando compras feitas no Brasil, Uruguai e Paraguai - esbarrando em inúmeras dificuldades logísticas. "Não podemos achar que a Argentina vai comprar muita, muita soja. Eu sou otimista e acredito em 10 milhões. O consenso do mercado é algo entre 7 e 8 milhões", diz em entrevista ao Notícias Agrícolas nesta segunda-feira (3). 

Com informações do Clarin, CienRadios, AN Digital

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Por:
Carla Mendes | Instagram @jornalistacarlamendes
Fonte:
Notícias Agrícolas

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