"No Brasil, Jesus teria que se aliar a Judas", diz Lula
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que até "Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão" se fosse eleito para governar o Brasil. Na primeira entrevista à Folha após dois anos, declara que "a transferência de voto não é como passe de mágica". Diz, porém, que se empenhará em transferir o seu prestígio e o do governo para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sua candidata. Nega que a eleição dela fosse equivaler a um terceiro mandato. "A Dilma no governo tem de criar a cara dela. Rei morto, rei posto."
Lula afirma ser "debate pequeno" a declaração do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, de que faz comícios pró-Dilma em viagens pelo país. Novamente de dieta para emagrecer, diz que apoiou a manutenção no cargo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), por "segurança institucional". Segundo Lula, a oposição ia "fazer um inferno neste país".

FOLHA - Por que o sr. escolheu Dilma como candidata, cristã nova no
PT que nunca disputou eleição, sem
fazer discussão no partido?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA - Não estava em debate quem era PT
mais puro-sangue, menos puro-sangue. Era questão de viabilidade política. Dilma é a mais
competente gerente que o Estado já teve. A capacidade de
trabalho, a competência, o passado político e o presente, isso
me faz garantir que é excepcional candidata.
FOLHA - Esse argumento não é
muito tucano? O sr. nunca havia sido gestor, virou presidente e faz um
governo bem avaliado.
LULA - Não é tucano, não. Além
de gestora, é extraordinário
quadro político.
FOLHA - Já há faixas na rua dizendo
que Dilma eleita equivale ao seu terceiro mandato.
LULA - Exatamente o contrário. Uma mulher que tem a personalidade que a Dilma tem vai
exigir que eu tenha o bom senso de quando elegi o Jair Meneguelli presidente do sindicato
de São Bernardo, o José Dirceu
presidente do PT. Rei morto,
rei posto. A Dilma no governo
tem de criar a cara dela, o estilo
dela, o jeito dela de governar.
FOLHA - O sr. defende uma coalizão e uma disputa plebiscitária. Se a
coalizão é importante, por que o
candidato deve ser do PT e não de
um partido aliado?
LULA - Porque seria inexplicável para grande parte da
sociedade o maior partido de esquerda do país, que tem o presidente,
não ter um sucessor.
FOLHA - Fechou ontem [anteontem] a aliança com o PMDB?
LULA - Haverá acordo nacional,
e a chapa PT-PMDB.
FOLHA - Michel Temer é o nome
para vice?
LULA - Quem discute vice é o
candidato.
FOLHA - Se Ciro seguir emparelhado ou à frente de Dilma em março,
quando o sr. e ele combinaram de
decidir, que argumento o sr. pode
usar para convencê-lo a desistir da
Presidência e concorrer em SP?
LULA - Jamais farei isso.
FOLHA - O sr. patrocina a articulação para ele ser candidato em SP.
LULA - Não é verdade. Sou o
único que não tem autoridade
moral para pedir para alguém
não ser candidato. Fui candidato a vida inteira. Só cheguei à
Presidência porque teimei.
FOLHA - Como o sr. explica um governo popular e a oposição líder nas
pesquisas da sucessão?
LULA - Ainda não temos candidatos.
FOLHA - Os motivos? Recall?
LULA - Lógico que é recall. Um
candidato da oposição, governador de São Paulo, já foi candidato a presidente, já foi senador, já foi ministro, tem uma
cara muito conhecida no Brasil
inteiro. A transferência de voto
não é como passe de mágica.
Vamos trabalhar para que a
gente possa transferir todo o
prestígio do governo e do presidente para a nossa candidatura.
FOLHA - Todo dia a Dilma aparece
com o sr. no noticiário, viajando. O
presidente do Supremo Tribunal Federal classificou de vale-tudo as viagens que viram comícios.
LULA - Você passa o tempo inteiro plantando sua rocinha. É
justo que, quando ficar no ponto de colher, você vá colher.
Ninguém pode ser contra a Dilma ir às obras comigo. Se for
candidata, a lei determina que
tem prazo em que não poderá
mais ir. Até lá, ela é governo.
FOLHA - Mendes diz que o governo
testa o limite da Justiça.
LULA - É um debate pequeno.
Cada brasileiro tem o direito de
falar o que bem entender, mas
vamos continuar inaugurando.
FOLHA - Teme chapa Serra-Aécio?
LULA - Não.
FOLHA - Pediu a Aécio para não ser
vice de Serra?
LULA - [Riso] Não, não.
FOLHA - Por que não abandonou
Sarney na crise do Senado?
LULA - Não entendi por que os
mesmos que elegeram Sarney,
um mês depois, queriam derrubá-lo. Coincidentemente, o vice não era uma pessoa [Marconi Perillo, do PSDB de Goiás]
que a gente possa dizer que dá
mais garantia ao Estado brasileiro do que o Sarney. A manutenção do Sarney era questão
de segurança institucional.
FOLHA - Se Sarney caísse, acabaria
a sustentação política do governo?
LULA - A queda do Sarney era o
único espaço de poder que a
oposição tinha. Iam fazer um
inferno neste país.
FOLHA - O sr. disse que Sarney não
poderia ser tratado como um cidadão comum. Não é incorreto numa
democracia, onde ninguém está acima da lei? Um presidente falar isso
não transmite mensagem ruim?
LULA - É verdade que ninguém
está acima da lei, mas é importante não permitir a execração
das pessoas por conveniências
eminentemente políticas. Sarney foi presidente. Os ex-presidentes precisam ser respeitados, porque foram instituições.
Não pode banalizar a figura de
um ex-presidente.
FOLHA - O sr. apoiou Sarney, reatou com Collor, é amigo de Renan
Calheiros, de Jader Barbalho e recebeu Delúbio Soares recentemente
na Granja do Torto. Todos são acusados de práticas atrasadas na política
e até de corrupção. Ao se aproximar
dessas figuras, não transmite ideia
de tolerância com desvios éticos?
LULA - O dia em que você for
acusado, justa ou injustamente,
enquanto não for julgado, terá
de ser tratado como cidadão
normal. Não tenho relações de
amizade, mas institucionais.
FOLHA - O cidadão o vê abraçado
com essas figuras...
LULA - O cidadão tem de saber
que eles foram eleitos democraticamente. E o eleitor dessas
pessoas é tão bom quanto elas.
FOLHA - O sr. trabalhou pela reabilitação de Antonio Palocci. O caso do
caseiro é superável eleitoralmente?
LULA - Desejo que todos os que
foram acusados, e acho que tem
muita gente acusada injustamente, que todos sejam julgados. Palocci teve um veredicto.
Não tem mais nenhuma pendência com a Justiça. Pode ser
o que quiser ser.
FOLHA - Ele pode ser candidato a
governador de São Paulo?
LULA - Ele tem inteligência para saber se o momento é de
uma candidatura ou não.
FOLHA - Seu aliado Ciro Gomes diz
que há "frouxidão moral" na hegemonia da aliança entre PT e PMDB,
da qual o sr. é o principal avalista.
Como o sr. responde?
LULA - A aliança com o PMDB e
os demais partidos permitiu
governança muito tranquila. Se
confirmada a aliança, será feito
documento público para saber
os compromissos assumidos.
FOLHA - E a frouxidão moral?
LULA - Conceito do Ciro.
FOLHA - Não quer responder.
LULA - Opinião do Ciro.
FOLHA - Não o incomoda?
LULA - Não. Ciro esteve no meu
governo. A única coisa que não
tem aqui é frouxidão moral.
FOLHA - Ciro disse que o sr. e FHC
foram tolerantes com o patrimonialismo para fazer aliança no Congresso. Ou seja, aceitaram a prática de
usar bens públicos como privados.
LULA - Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o
maior xiita deste país ou o
maior direitista, não conseguirá montar o governo fora da
realidade política. Entre o que
se quer e o que se pode fazer
tem uma diferença do tamanho
do oceano Atlântico. Se Jesus
Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido
qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.
FOLHA - É o que explica o sr. ter reatado com Collor, apesar do jogo baixo na campanha de 1989?
LULA - Minha relação com o
Collor é a de um presidente
com um senador da base.
FOLHA - Dá aperto no peito?
LULA - Não tenho razão para
carregar mágoa ou ressentimento. Quando o cidadão tem
mágoa, só ele sofre. Quando se
chega à Presidência, a responsabilidade nas suas costas é de
tal envergadura que você não
tem o direito de ser pequeno.
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