No debate de ontem promovido pela Folha/Rede TV, a candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff, procurou se descolar de Erenice Guerra, ministra da Casa Civil, e deu a entender que, se preciso, o governo pode rifá-la. Sob certas condições, é claro. Já falo a respeito. A ministra pode ser o fusível que vai ter de queimar para preservar a candidata. Reportagem da VEJA desta semana mostra que Israel Guerra, filho de Erenice — pessoa da mais estrita confiança de Dilma — atua como lobista e cobra comissão para intermediar negócios de empresas privadas com o governo. A jornalista Renata Lo Prete, da Folha, perguntou a Dilma:
“A senhora colocaria a mão no fogo por Erenice Guerra, que foi seu braço-direito na Casa Civil e assumiu o ministério quando a senhora saiu do governo?”
Leiam o que Dilma respondeu; prestem atenção aos detalhes:
“Eu tenho, até hoje, Renata, a maior e a melhor impressão da ministra Erenice. O que se tem publicado nos jornais [olhando para a colinha] é uma acusação contra o filho da ministra. Esta acusação quanto ao filho da ministra, o governo deve apurar de forma rigorosa e deve avaliar se houve ou não tráfico de influência. Se houve, tem de tomar as providências mais drásticas possíveis. No caso da ministra Erenice, foi feita uma acusação, ela foi desmentida, e, hoje, o que se tem ainda é exatamente nada. Agora, eu quero deixar claro aqui:eu não concordo, não vou aceitar, que se julgue a minha pessoa baseado com o que aconteceu com o filho de uma ex-assessora minha. Até porque, Renata, eu perguntaria pra você: você acha correto responsabilizar o diretor-presidente da tua empresa pelo que foi feito pelo filho de um funcionário dele? Eu, pessoalmente, não acho. Acho que isso cheira a manobra eleitoreira,sistematicamente feita contra mim e a minha campanha.”
Vamos pensar
De saída, é preciso ficar claro: não! Dilma não põe a mão no fogo por Erenice. É o cuidado típico de quem não sabe o que vem por aí. Assim, se preciso, a sua sucessora na Casa Civil terá de ir para o sacrifício. A candidata deu a sua resposta olhando, como sempre, para uma colinha — a turma que cuida da sua campanha sabia que tal questão iria aparecer. A “melhor impressão” de Dilma sobre Erenice vai “até hoje”. O amanhã às pesquisas pertence.
Dilma deixou claro que Erenice pode dançar, sim, mas isso não significa que sua resposta não esteja eivada de absurdos. O maior deles é tentar fazer uma distinção entre o “filho” e a “mãe”, como se Israel pudesse fazer “tráfico de influência”, para usar a sua expressão, sozinho. Mais um pouco, Dilma lembra seu antigo mestre na política, Leonel Brizola, que ela abandonou para se juntar ao PT, e proclama: “Filho não é parente! Dilma para presidente”. Ora…
Quem é o rapaz? Sozinho, ele não é ninguém. A “influência” que ele trafica não é sua, mas da progenitora, que é ministra de estado e braço-direito de Dilma, com vasta folha de serviços prestados à ministra — alguns deles não muito republicanos, como já se lembrou aqui. Assim, é patacoada essa história de que existem “a ministra” e o “filho da ministra” como realidades distintas. Não nesse escândalo.
A frase “se houve [irregularidades], tem de tomar as providências mais drásticas possíveis” não quer dizer rigorosamente nada. Afinal, só faltava a candidata afirmar o contrário. Os petistas ainda não chegaram a tanto. Um dia ainda o farão, mas não já.
Desmentido uma ova!
Segundo Dilma, “a acusação foi desmentida no caso de Erenice”. Falso! A nota do empresário Fábio Baracat não desmente coisa nenhuma, como deixei claro ontem. Ao contrário. Ele reafirma que Israel Guerra atuava como intermediador de verba pública, cobrando comissão: “Durante o período em que atuei na defesa dos interesses comerciais da MTA, conheci Israel Guerra, como profissional que atuava na organização da documentação da empresa para participar de licitações, cuja remuneração previa percentual sobre eventual êxito” . Baracat confirma ainda o encontro com a ministra: “Destaco também que não tenho qualquer relacionamento pessoal ou comercial com a Ministra Erenice Guerra, embora tivesse tido de fato a conhecido, jamais tratei de qualquer negócio privado ou assuntos políticos com ela.”Cadê o desmentido?
Ele foi levado à presença de Erenice por quem? Pelo filho, Israel, que atuava como intermediário nos negócios, o que também foi confirmado à Folha por Artur Rodrigues da Silva, diretor de Operações dos Correios. De resto, cumpre destacar que o depoimento de Baracat à VEJA foi gravado. Como informa a revista, “a reportagem não foi construída com base em declarações, mas em intensa apuração jornalística e sobre documentação, parte da qual ainda não foi publicada.”
No depoimento gravado — antes, portanto, que o governo tivesse atuado com seus métodos de convencimento —, o empresário informa que se encontrou com a ministra em seu (dela) apartamento. Ao menos uma vez, quando o pagamento estava atrasado, ela lembrou que eles — ela própria e o filho — tinham de “saldar compromissos políticos”.
Para não esquecer
A conclusão da resposta de Dilma é risível. É evidente que Erenice não tem existência autônoma. Ela é quem é porque Dilma a colocou lá e porque a mulher tem algumas medalhas no peito em razão de “serviços” prestados à chefa. A simples admissão de que o filho de uma ministra de estado atua para liberar verba pública sobre a qual a mãe tem influência é um disparate, o que dá conta do estágio a que chegamos. Só falta agora Erenice afirmar que não sabia como o filhote ganhava a vida.
Israel é mais do que um rapaz que está fazendo coisas impróprias a um filho de uma ministra de estado. Ele é um sintoma de uma doença e evidência de um método. Ou alguém é inocente o bastante para considerar que mãe e filho atuam ao arrepio do partido? Basta ler o currículo de Erenice para constatar que ela é um quadro do PT. Mais faz o que mandam do que manda no que faz.
Um momento de humor involuntário. O “1, 2, 3″ da candidata do PT