Safra ruim gera temor de distúrbios nos preços dos alimentos

Publicado em 13/09/2010 09:50
Mudança do clima altera o abastecimento.
Com a lembrança ainda recente dos distúrbios causados há dois anos pela alta no preço dos alimentos, os especialistas em agricultura viram com preocupação no começo deste mês o aumento acentuado no valor do trigo, resultado da decisão russa de proibir as exportações e de dúvidas sobre as safras em outras partes do mundo.

O preço global dos alimentos subiu 5% em agosto, segundo as Nações Unidas, puxado em grande parte pelo trigo, e os primeiros sinais de inquietação ocorreram em Moçambique, onde ao menos dez pessoas morreram durante confrontos provocados em parte por um salto de 30% no preço do pão. Depois dos distúrbios, o governo reverteu o aumento.

"Você está lidando com uma situação instável", disse Abdolreza Abbassian, economista da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) em Roma.

"As pessoas ainda se lembram do que aconteceu há alguns anos, então é uma combinação de psicologia com a expectativa de que o pior pode vir", acrescentou. "Há meses críticos pela frente."

A FAO convocou para o dia 24 uma sessão extraordinária com especialistas do mundo todo para discutir a questão do abastecimento de grãos. Como os campos que se estendem a partir do mar Negro têm sido a principal fonte do enorme salto no comércio de trigo na última década, a flutuação nos padrões climáticos e a instabilidade das safras de lá terão de ser tratadas, segundo Abbassian.

É uma questão que não se limita à Rússia. As previsões para a safra na Alemanha e no Canadá tornaram-se nebulosas por causa das chuvas e inundações, enquanto a Argentina deve sofrer com a seca, assim como a Austrália, segundo especialistas. A alta nos preços devido à incerteza sobre a oferta futura faz com que os pobres em algumas áreas do mundo tenham de pagar mais pelo pão nos próximos meses.

Abbassian disse que os preços dos alimentos ainda estão cerca de 30% abaixo dos níveis de 2008, quando uma alta de vários produtos básicos -inclusive o arroz, que triplicou- gerou distúrbios alimentares em cerca de uma dúzia de países, e ajudou a derrubar pelo menos um governo.

"Se você examinar os números globalmente, os americanos, os europeus e os australianos podem completar a oferta", disse Abbassian sobre a colheita de trigo. "Não há razão para esse alvoroço, mas uma vez que a coisa psicológica se instala, é difícil mudar essa percepção, especialmente se a Rússia continuar enviando más notícias."

A safra global de trigo neste ano é também a terceira maior já registrada, segundo a FAO, mas repentinas interrupções na oferta agitam os mercados. Em junho, a Rússia previa a perda de apenas poucos milhões de toneladas devido ao calor, mas em agosto anunciou que perderia cerca de um quinto da sua safra. Os preços do trigo mais do que duplicaram nesse período.

"Há razões para estar observando isso e para ficar preocupado, porque regionalmente haverá desafios na oferta", disse Justin Gilpin, presidente da Comissão do Trigo do Kansas. "Há incerteza no mercado."

Há uma década, a área em torno do mar Negro -principalmente Rússia, Ucrânia e Cazaquistão- costumava fornecer só cerca de 4% do trigo comercializado internacionalmente.

Mas a maior parte do aumento global da demanda tem sido suprida por lá, e a região agora produz cerca de 30% do trigo comercializado no mundo, segundo Abbassian. Esta é a primeira vez que uma crise de abastecimento se origina na região do mar Negro, notou.

O primeiro-ministro Vladimir Putin anunciou em 2 de setembro que a proibição russa à exportação de grãos irá até 2011. O preço do trigo voltou a saltar, e isso se refletiu em outros produtos, como milho e soja. A previsão para a safra global de arroz também foi rebaixada, embora ainda deva superar a de 2009 e bater um recorde, segundo a FAO.

Após dois dias de distúrbios em Maputo no começo do mês, causados pelo aumento do pão e de tarifas públicas como as de água e energia, o governo de Moçambique reverteu a decisão de aumentar o preço do pão. Mas ao menos dez pessoas já haviam morrido, e 300 ficaram feridas. Os aumentos em Moçambique foram bem mais acentuados do que na maior parte do mundo porque os preços haviam sido mantidos artificialmente baixos antes da eleição do ano passado, segundo alguns analistas.

Como com qualquer matéria-prima, os temores de escassez do trigo geram especulações e acúmulo de estoques. Especialistas acreditam que mais dinheiro está sendo despejado no mercado do trigo porque, com as taxas de juros muito baixas e as Bolsas de Valores tão voláteis, os investidores preferem colocar seu capital nos mercados das commodities agrícolas.

Mas será preciso também chegar a termos com as alterações nos padrões climáticos globais, argumentou Per Pinstrup-Anderson, especialista em agricultura internacional na Universidade Cornell, de Ithaca (Nova York).

"Teremos flutuações muito maiores no clima e, portanto, na oferta alimentar em relação ao que tínhamos no passado, então teremos de aprender a lidar com as flutuações nos preços alimentícios", afirmou.

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Fonte:
Folha de São Paulo

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