Controladoria da União blinda Erenice nas denúncias de corrupção

Publicado em 30/09/2010 14:18 e atualizado em 30/09/2010 17:49

A três dias das eleições, a Controladoria-Geral da União (CGU) anunciou a conclusão de auditorias em contratos mencionados no escândalo que derrubou Erenice Guerra da chefia da Casa Civil. O resultado da CGU blinda Erenice, não aprofunda as denúncias sobre tráfico de influência de seus parentes, e não aponta qualquer indício de ligação dela com os episódios investigados. No máximo, admite que ela já foi sócia de um escritório contratado pelo governo. 

As auditorias da CGU começaram no dia 14 de setembro, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em meio ao movimento para dar respostas políticas durante o escândalo que levou à queda do braço direito da ex-ministra e presidenciável Dilma Rousseff (PT). Em apenas duas semanas e às vésperas da eleição, o órgão do governo apresentou seus principais resultados, favoráveis para Erenice. 

Para a CGU, o episódio que culminou com a queda da ex-ministra não teve qualquer irregularidade contratual. O empresário Rubinei Quicoli acusa integrantes da Casa Civil de tentarem intermediar o pedido de financiamento - para um projeto de usina solar - feito pela empresa ERDB ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A CGU não aborda isso e explica: "A CGU concluiu que o pleito de financiamento teve o tratamento técnico previsto nas normas internas do BNDES e que o mesmo não foi aprovado por não atender aos requisitos exigidos pelos normativos internos daquela instituição financeira". 

Segundo a controladoria, não houve também qualquer irregularidade na compra do remédio Tamiflu, no ano passado. De acordo com a revista Veja, Vinicius Castro, ex-assessor da Casa Civil, recebeu R$ 200 mil de propina pela compra do medicamento. A CGU também afirma que não houve falhas nas multas aplicadas à Matra Mineração, empresa ligada ao marido de Erenice. 

A CGU investigou ainda a contratação - revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo - do escritório Trajano e Silva Associados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Uma irmã de Erenice, Maria Euriza, era funcionária do órgão e autorizou, em agosto de 2009, a contratação, sem licitação, do escritório, cujo um dos sócios era um irmão delas, Antônio Alves Carvalho. A CGU afirma que ele entrou oficialmente na sociedade só em novembro. Só que o advogado Márcio Silva, um dos sócios do escritório, informara por escrito ao Estado que o irmão de Erenice era sócio desde fevereiro do ano passado. Márcio Silva, aliás, é o advogado de campanha de Dilma. 

A CGU revela que a própria Erenice já foi do quadro societário dessa banca. A auditoria admite falhas no processo de contratação sem licitação, mas minimiza o episódio, fazendo apenas recomendações. "A CGU está recomendando à EPE maior cuidado e precisão no enquadramento das hipóteses de inexigibilidade de licitações e recomendando que a empresa fundamente suas futuras contratações com base em amplas pesquisas de preço". Segundo a CGU, todos os relatórios serão enviados à Polícia Federal. 

Irregularidade 

A auditoria da CGU aponta problemas num contrato entre o Ministério das Cidades e a Fundação da Universidade de Brasília (FUB), que teria o envolvimento de José Euricélio Alves de Carvalho, irmão de Erenice. Diz que há irregularidades de R$ 2,1 milhões pelo pagamento de um produto que não atendeu à demanda do ministério. 

A CGU, porém, não diz que o irmão de Erenice seria o culpado direto por isso. Faz somente uma ressalva: "O que se tem até o momento é constatação de que ele foi assessor na Secretaria Nacional de Transportes e Mobilidade Urbana (Semob) do Ministério das Cidades, e contratado pela Editora UnB, em períodos próximos e seguidos, na época dos fatos", diz. 

PF só ouvirá filhos de Erenice após eleição 

Só depois das eleições a Polícia Federal vai tomar o depoimento dos filhos da ex-ministra da Casa Civil da Presidência Erenice, Israel e Saulo Guerra, sobre as denúncias de tráfico de influência nos contratos de empresas com órgãos do governo federal. 

Os dois estavam sendo procurados desde a semana passada, mas somente ontem, após a ameaça de serem conduzidos à força, com a autorização da Justiça, é que um advogado compareceu à PF para marcar os depoimentos. Israel e Saulo são acusados de intermediar negócios com empresas privadas mediante o pagamento da chamada "taxa de sucesso", no valor de 6%, destinada, não se sabe se em parte ou totalmente, a saldar compromissos políticos, conforme revelou o empresário Fábio Baracat. 

O Estado mostrou na edição de sábado documentos que estão em poder da Polícia Federal confirmando que os dois receberam R$ 120 mil seis dias depois de a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) conceder permissão de voo à Master Top Linhas Aéreas (MTA). Os papéis mostram que eles e seus sócios também tentaram cobrar propina de R$ 50 mil em negociação para que a Infraero reduzisse uma multa de R$ 723 mil que havia sido imposta à MTA. 

Silêncio 

Já o ex-assessor da Casa Civil Vinícius Castro e sua mãe, Sônia Castro, se recusaram ontem a prestar informações à PF sobre o esquema de cobrança de propina nos contratos do governo. O advogado Emiliano Aguiar sinalizou que, no decorrer do inquérito, Vinícius e Sônia podem revelar fatos ainda desconhecidos das transações relacionadas à Casa Civil do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

"Qualquer coisa que possa ser dita agora pode ser dita a qualquer momento", afirmou Aguiar, antes de deixar a Superintendência da PF. "Eles estão exercendo o direito de, neste momento, não trazer os fatos de que têm conhecimento, porque entendemos que estrategicamente não é interessante". 

Outra opção apresentada pelo advogado é a de seus clientes só se manifestarem em juízo, no decorrer do processo. "Os fatos é que terão de ser avaliados, por enquanto o melhor é não falar", acentuou. 

Argumento 

"Eles estão convictos de que não fizeram nada errado, mas acham que neste momento inicial não é possível prestar informações que poderiam ser distorcidas", alegou. Sobre a possibilidade de os dois operarem mediante orientação de autoridades do governo, o advogado disse que, aí, caberia aos jornalistas avaliarem a situação.

"Eu não posso dizer sobre o imponderável, é vocês que têm de tirar as conclusões. Entendo que o exercício legítimo de permanecer em silêncio, não pode ter outra conotação além do exercício regular de um direito", afirmou Aguiar.

Vinícius e Sônia Castro foram intimados a depor como envolvidos em operações relacionadas à Empresa de Correios e Telégrafos e a Anac, onde Vinícius trabalhou antes de ser transferido para o Palácio do Planalto. Residente no interior de Minas Gerais, Sônia Castro aparece como sendo uma das donas da empresa Capital Assessoria e Consultoria Empresarial, juntamente com Israel e Saulo, filhos da ex-ministra Erenice Guerra.

Abatidos pelo escândalo. As denúncias de irregularidades derrubaram Erenice, que ainda não foi substituída na Casa Civil da Presidência, além de Vinícius Castro e seu tio, o diretor de Operações dos Correios, Marco Antonio de Oliveira, e Stevan Knezevic, também citado nas denúncias de tráfico de influência nos contratos de empresas privadas com órgãos do governo federal.

Devolvido pela Casa Civil à Anac, seu órgão de origem, Knezevic foi intimado a depor na Polícia Federal amanhã à tarde.

COMENTÁRIO DE REINALDO AZEVEDO:

Controladoria finaliza auditoria rapidinho, a tempo de Dilma usar resultado no debate da Globo. Já a Polícia Federal…

Vejam que fabuloso! Há duas instâncias apurando as acusações de irregularidade: na esfera administrativa, a Controladoria Geral da União; na policial propriamente, a PF.

A Polícia Federal já deixou claro que vai ouvir os filhos de Erenice só depois da eleição. O ministro da Justiça não escondeu ontem os motivos: não quer que uma coisa — a investigação — contamine a outra: a apuração. E vice-versa. A melhor maneira de demonstrar que essa contaminação não existe é deixar a polícia seguir seu ritmo, em vez de administrar a agenda de acordo com o calendário eleitoral. Foi seguindo essa trilha e com esse comportamento que não se chegou a lugar nenhum no caso dos aloprados.

Que fantástica máquina de investigar essa CGU, hein!? Em menos de um mês, resolveu tudo. No BNDES, as coisas teriam seguido seu trâmite. Só não está claro por que o pedido de financiamento ficou dormindo na gaveta por um tempão e foi avaliado pelo banco depois que a turma de Israel Guerra resolveu prestar a sua “assessoria”.

Quanto ao Tamiflu, a “conclusão” da CGU é risível. Haver um fornecedor único de um produto não elimina por si a chance de irregularidade. Só como hipótese, considere-se: pode-se ganhar dinheiro arbitrando a quantidade da compra, por exemplo.

Órgãos como a Controladoria Geral da União existem no mundo inteiro. A nossa é certamente a mais rápida do planeta. Tanto quanto a Polícia Federal pode ser a mais lenta, a exemplo do que se vê no caso dos aloprados. A CGU só produziu hoje um fato para Dilma Rousseff eventualmente usar no debate da TV Globo. Se ela for questionada a respeito das malandragens havidas na Casa Civil ou relacionadas à turma, poderá dizer: “A Controladoria Geral da União já investigou e não encontrou nada”.

Quase ninguém sabe o que quer dizer essa estrovenga. Tem nome de coisa séria e independente, né? E assistir ao debate para constar.

Por Reinaldo Azevedo
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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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