Serra tem tudo para derrotar a adversária. Mas antes precisa vencer a teimosia

Publicado em 06/10/2010 16:50 e atualizado em 06/10/2010 19:32

Serra tem tudo para derrotar a adversária. Mas antes precisa vencer a teimosia

Até os bebês de colo, os índios isolados e os napoleões-de-hospício sabem que José Serra chegou ao segundo turno não pela campanha que fez, mas apesar dela. O marqueteiro Luiz Gonzales discorda. Acha que o chefe vai enfrentar Dilma Rousseff graças aos mutirões da saúde, às escolas com dois professores e ao salário mínimo de R$ 600. E pretende repetir na segunda etapa da eleição presidencial todos os erros da primeira. Como Serra ainda hesita sobre o caminho a seguir, só na sexta-feira, com a volta do horário eleitoral na TV, o Brasil que presta saberá se vai votar por sentir-se representado ou por exclusão.

Chancelados por 999 a cada mil eleitores oposicionistas, Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, Geraldo Alckmin, os governadores eleitos pelo PSDB ou pelo DEM, os candidatos eleitos e os derrotados ─ quase por unanimidade, os aliados que contam defendem o duelo sem medos, acanhamentos, cautelas, mesuras e afagos. Todos acreditam que é possível ser afirmativo sem escorregar na deselegância. Todos sabem que a altivez não tem parentesco com a arrogância.

A candidatura de Dilma Rousseff foi sangrada pelo espanto provocado por escândalos na sala ao lado,  roubalheiras impunes, declarações desastradas, contradições patéticas, discurseiras cínicas e outras incontáveis derrapagens. Alarmados, milhões de brasileiros resolveram examinar melhor a qualidade do produto oferecido por Lula. As causas do desgaste de Dilma não podem ser creditadas aos responsáveis pela campanha de Serra. Ganharam uma farta munição de presente e não souberam usá-la. O candidato tucano subiu alguns pontos, mas a principal beneficiária foi Marina Silva.

Se depender de Gonzales, nada mudará. Ainda no domingo, o PSDB de Minas colocou à disposição da campanha presidencial tanto os aliados vitoriosos quanto a equipe que cuidou do horário eleitoral. O marqueteiro-chefe respondeu no dia seguinte. Por e-mail, avisou que vai estudar a oferta e, assim que puder, comunicar o que será feito. Serra não deu um pio.

Aécio Neves e Itamar Franco já disseram com todas as letras que, se a campanha não abandonar o artificialismo, subordinar-se ao institinto político do candidato, esquecer o teleprompter e procurar afinar-se com a voz das ruas, a derrota terá sido apenas adiada. Até sexta, outros líderes oposicionistas endossarão a advertência.  Ou Serra ouve a voz da sensatez ou se curva aos conselhos dos marqueteiros.

Ele tem tudo para derrotar Dilma Rousseff. Mas antes precisará vencer a teimosia.

Em 1996, no intervalo das duas derrotas no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso, Lula foi fazer um comício no programa de Serginho Groismann. Não vou perturbar o sossego dos leitores, felizes com a música do silêncio, com 9 minutos e 46 segundos de Lula. Bastam os cinco melhores momentos da discurseira:

1:06 O candidato crônico acusa o ex-presidente José Sarney e, claro, FHC de negociarem o apoio de deputados e senadores. O que andou fazendo nos últimos oito anos instalou os antecessores num monastério.

2:45 Lula afirma que o governo federal instalou no Congresso um balcão de negócios. Não avisou que, se virasse presidente, substituiria o balcão por um supermercado.

5:46 O palanqueiro diz que o presidente da República deve compensar cada viagem ao Exterior com uma temporada de igual duração em algum Estado brasileiro. Se a sugestão fosse transformada em lei, Lula teria de ficar mais alguns anos no Planalto para zerar a conta.

6:09 Lula diz que o Plano Real “está montado numa base falsa”, desanca a altitude da taxa de juros e exige a implantação de uma política tributária. O Real acaba de comemorar 16 anos de sucesso esbanjando saúde, os juros estão na estratosfera e a reforma tributária continua à espera de um minuto da preciosa atenção do presidente que abandonou o emprego.

7:45 Uma jovem da plateia pergunta o que tem a dizer sobre a briga de foice com Fernando Collor na campanha de 1989. Lula primeiro se gaba de ter antecipado o naufrágio do adversário. “O passado político de Collor era um passado político tenebroso”, recita. E então vem o fecho glorioso: “Peço a Deus que nunca mais o povo brasileiro esqueça essa lição”.

O resultado da eleição em Alagoas mostra que o povo não esqueceu. Quem esqueceu foi Lula, portador de cegueira seletiva e miopia conveniente. Passados 14 anos, ele e Collor descobriram que existem entre ambos muito mais semelhanças que diferenças. E viraram amigos de infância.


Ethan Edwards: ‘Que Causa justifica uma destruição tão radical do amor-próprio?’

Confiram e comentem o que diz o nosso grande comentarista Ethan Edwards. Por ter ido direto ao ponto, com o brilho de sempre, o texto foi transferido para este espaço. Vamos a ele:

As vitórias são de Lula. As derrotas pertencem aos que de alguma maneira frustraram os desejos do Chefe. Alguma novidade? Nenhuma. Há décadas o lulopetismo funciona assim.

Domingos Dutra, Manoel da Conceição, Patrus Ananias, Fernando Pimentel, Ciro Gomes, Dilma Rousseff, Aloizio Mercadante… – pais de família, velhos militantes, cidadãos que deveriam merecer alguma consideração pelos serviços prestados à Causa, são tratados pelo Chefe a pontapés e não ousam proferir uma palavra, já nem digo de revolta, mas de descontentamento. Baixam a cerviz, oferecem-na para novos golpes, ansiosos para serem humilhados uma vez mais. Ah, doce privilégio: ser escolhido antes de qualquer outro para ser chicoteado pelo Chefe. E que Chefe!

Que Causa justifica uma destruição tão radical do amor-próprio? Que ideologia exige de um professor universitário, alguém que passou vinte anos ou mais atrás dos livros, prostrar-se aos pés de um analfabeto e oferecer-lhe servidão incondicional?

As relações entre Lula e os políticos petistas deveriam nos ensinar algo. O problema mais grave do lulopetismo não está no modelo político (antidemocrático) que deseja implantar. Está no tipo de cidadão que almeja fabricar. Um país de servos. Um país de sombras. Um país de homens desfibrados cuja alma pertence ao Chefe. E essa é uma ditadura da qual um povo nunca mais se liberta.

O capataz do roçado de escândalos afirma que o Ibope e o Sensus fraudam pesquisas

Ciro Gomes estreou no Direto ao Ponto em 27 de abril de 2009, cinco dias depois do nascimento da coluna. O resumo da ópera estava no título: O menino maluquinho do Ceará virou um cinquentão muito doido. Na abertura, o texto recordava uma das performances do artista na campanha presidencial de 2002. O candidato desfiava promessas na entrevista a uma emissora de rádio quando um ouvinte resolveu perguntar-lhe por telefone se, por acaso, pretendia ser presidente da Suiça.

“Lá é parlamentarista”, replicou a voz irritada. “É só um aviso aí pra esses petistas furibundos. Tem que fazer as perguntas com um pouco mais de cuidado pra largar de ser burro”. Não demorou a perceber que ficara um pouco pior no retrato. Mas levou alguns dias para balbuciar um pedido de desculpas tão convincente quanto a frase recitada em seguida: “Nunca agredi ninguém em minha extensa vida pública”.

Como é que é?, espantaram-se todos os cearenses. Até os mandacarus do sertão sabem que Ciro sempre foi uma usina de grosserias. Em 1994, por exemplo, quando ainda se enfeitava com plumas de tucano, foi à luta contra o partido que apoiaria no século seguinte: “Os políticos do PT são uns mijões nas calças”, resumiu numa entrevista. Nos 16 anos seguintes, o que andou fazendo e dizendo transformou o antigo menino maluquinho num cinquentão doido demais.

Em fevereiro de 2008, irritou-se com a atriz Letícia Sabatella, que visitava o Congresso com um grupo de celebridades contrárias à transposição das águas do São Francisco. “Não sei se estou no mesmo lugar que o seu, mas é parecido”, disse. “Eu, ao meu jeito, escolhi a opção de meter a mão na massa. Às vezes suja de cocô. Mas minha cabeça, não. Meu compromisso, não”. Letícia nem respondeu. Três meses depois da atriz, chegou a vez de Luizianne Lins, prefeita de Fortaleza em campanha pela reeleição. Para ajudar a então senadora Patrícia Saboya, mãe de seus filhos e também candidata, o deputado federal estacionado no PSB (depois de escalas no PDS, no PMDB, no PSDB e no PPS) deu uma geral na paisagem e, em julho de 2008, emitiu o parecer: “Fortaleza é um puteiro a céu aberto”.

Em abril de 2009, irrompeu no plenário da Câmara colérico com os parlamentares que achavam prudente usar a cota de passagens aéreas com menos desfaçatez. “Até ontem era tudo liberado!”, esbravejou. “Então, por que mudar? É um bando de babacas!”. Ficou mais bravo ainda quando soube que viera do Ministério Público a informação de que havia financiado com dinheiro da Câmara, tungado dos contribuintes, um giro internacional da mãe. “Ministério Público é o caralho!”, caprichou. ”Não tenho medo de ninguém! Da imprensa, de deputado! Pode escrever o caralho aí!”, recomendou aos jornalistas.

Voltou ao palco em fevereiro passado para detonar os principais partidos da base alugada: “A moral da aliança PT-PMDB é frouxa. É um roçado de escândalos já semeados”. No dia 14 de setembro, o escândalo da Receita Federal e as bandalheiras na Casa Civil o animaram a festejar o acerto do diagnóstico. “Já falei que essa aliança é um roçado de escândalos”, cumprimentou-se. Nesta terça-feira, menos de um mês depois da declaração, aceitou o convite para trabalhar como capataz do roçado.

“Tem uma pessoa muito especial que hoje integra a coordenação da campanha, que é o nosso querido Ciro Gomes”, recitou Dilma Rousseff. “Ele vai participar da coordenação e estou muito feliz porque eu admiro, respeito e considero muito o deputado Ciro Gomes. Acho que ele tem uma imensa contribuição a dar”. Frustrada com os resultados do primeiro turno, a candidata do PT queixou-se do “baixo nível” da campanha. Para elevá-lo, convocou o hóspede perpétuo do Sanatório Geral.

Os estragos vão começar quando forem divulgadas as próximas pesquisas de intenção de voto. Os marqueteiros de Dilma certamente transformarão os índices colhidos por institutos amestrados para cantar vitória no horário eleitoral. E a oposição poderá silenciar a cantoria com a exibição de um vídeo de 30 segundos. Nesse trecho da entrevista veiculada em 26 de abril pela Rede TV!, o coordenador da campanha governista informa que o Ibope e o Sensus são comerciantes de estatísticas. Como o entrevistador pareceu surpreso, Ciro pisou no acelerador: “O Montenegro vende até a mãe”. Carlos Augusto Montenegro é o presidente do Ibope.

Se receberem alguma interpelação judicial, os dirigentes do PSDB devem repassá-la à coordenação da campanha de Dilma Rousseff. Os amigos injuriados que se entendam com Ciro Gomes.

Serra sempre foi contra o aborto. Dilma descobriu só em julho que já não era a favor

No vídeo divulgado em 18 de setembro, José Serra informa que não mudou de ideia sobre a questão do aborto. Na campanha presidencial de 2002, por exemplo, o candidato do PSDB avisou que não pretendia modificar a legislação em vigor. “Não sou a favor da legalização do aborto”, reiterou. “Se você liberar isso, a margem para o abuso vai ser uma coisa descomunal”.

Passados oito anos, não viu motivos para mudar de opinião. “Eu não mexeria na atual legislação, que permite aborto no caso de estupro e risco de vida da mãe”, declarou em 21 de junho. “Considero o aborto uma coisa terrível. Num país como o nosso, seria liberada uma verdadeira carnificina”.

Dilma Rousseff sempre divergiu de Serra. “Acho que tem de haver descriminalização do aborto”, disse em 2007. “No Brasil, é um absurdo que não haja”. Dois anos depois, o discurso continuava intacto: “Abortar não é fácil para mulher alguma”, ressalvou em 2009. “Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa par que não haja a legalização”.

A abertura oficial da temporada de caça ao voto desencadeou a metamorfose surpreendente. “Tanto eu quanto o presidente Lula não defendemos o aborto”, desmentiu-se em 22 de julho deste ano. “Defendemos o cumprimento estrito da lei”.

Nesta terça-feira, a conversão se consumou: “Eu não tenho o menor problema de tocar nas questões religiosas”, acaba de descobrir. “Minhas propostas têm tudo a ver com todas as religiões do Brasil. Eu sou de uma família católica. Eu sempre fui a favor da vida. Eu tenho uma proposta de valores. Um princípio nosso de valorizar a vida em todas as suas dimensões”.

Se souberem avaliar as dimensões do milagre, todos os chefes religiosos do mundo começarão a rezar para que o País do Carnaval realize uma eleição por semana. Em dois meses, não restaria um único ateu em território brasileiro.


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Fonte:
Blog Augusto Nunes (Revista Veja

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