‘Chuva’ de dólares faz investidores globais correrem para o risco

Publicado em 05/11/2010 05:23 e atualizado em 05/11/2010 09:59
Ativos como ações, commodities e moedas de países emergentes têm fortes ganhos; no Brasil, Ibovespa se aproxima de recorde
No dia seguinte ao anúncio de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) vai usar mais US$ 600 bilhões para tentar reanimar a economia dos Estados Unidos, o mercado global viveu uma espécie de ‘flight to risk’, ou seja, voo para o risco. É um movimento oposto ao conhecido ‘flight to quality’, que ocorre quando os investidores, em meio à tensão, se refugiam em ativos considerados seguros.

Commodities, ações e moedas de países emergentes, entre outros ativos, valorizaram-se mundo afora. Aqui, o maior efeito foi sentido no câmbio, onde o dólar apurou a maior queda diária (1,35%) em cinco meses. A moeda americana fechou cotada por R$ 1,676.

O Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) avançou 1,52%, para 72.995 pontos. Para muitos analistas, o principal termômetro da bolsa brasileira tem tudo para superar, nos próximos dias, seu nível recorde de 73.516 pontos, registrado em 20 de maio de 2008.

No exterior, o índice MSCI global, que sintetiza uma série de indicadores de bolsa no mundo, atingiu a maior cotação em dois anos. O barril de petróleo para entrega em dezembro subiu 2,13%, para US$ 86,49. Durante a sessão, chegou a ser negociado no maior nível em seis meses.

Segundo analistas, o que explica todo esse movimento é a certeza de que a superoferta de dólares derrubará o valor da moeda e, no futuro, elevará a inflação mundo afora. Para se proteger do aumento dos preços, investidores buscam ativos como as commodities (como cobre, prata, ouro – que ontem fechou na máxima histórica – e petróleo).

Apesar do ceticismo de vários analistas quanto ao impacto da nova injeção de dinheiro na economia americana, há também apostas de que alguma recuperação ocorrerá – o que eleva o consumo e, por tabela, a demanda por vários produtos, como as commodities.

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O estrategista-chefe da Corretora SLW, Pedro Galdi, e o analista de renda variável da Infinity Asset George Sanders acreditam que o fluxo de capitais para o Brasil vai crescer ainda mais. Ambos observaram, por exemplo, que o volume negociado diariamente na Bovespa (quinta-feira foram quase R$ 8 bilhões) vem aumentando.

Por isso, cresce no mercado o temor de que o governo volte a adotar medidas para conter a provável nova onda de valorização do real que se deve formar. "O problema é que o arsenal está acabando", ponderou Sanders. Segundo ele, uma das possibilidades comentadas nas mesas de operação é o aumento do IOF para a compra de ações – até agora, o governo manteve a taxa de 2% instituída em outubro de 2009.

Se no mercado financeiro a reação ao Fed beirou a euforia, no meio político houve muita reclamação. A começar pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Quando essa moeda se desvaloriza (dólar), o que acontece? Valoriza o euro, atrapalha os países europeus, atrapalha os países latino-americanos, atrapalha o Brasil, atrapalha a própria China", ponderou.

Um importante conselheiro do Banco da China, o banco central do país, fez dura crítica à nova injeção de recursos pelo Fed.

"Na medida em que o mundo não restringe a emissão de moedas, como o dólar, a ocorrência de uma outra crise é inevitável, conforme alguns poucos sábios ocidentais já vêm alertando", escreveu Xia Bin, em artigo publicado em um jornal do governo chinês. Autoridades da Alemanha e da Tailândia também se queixaram do afrouxamento quantitativo do Fed.

Dólares perigosos, editorial do Estadão

Pode custar caro ao Brasil a decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de lançar mais US$ 600 bilhões em circulação até o meio do próximo ano. O plano é emitir cerca de US$ 75 bilhões por mês em mais um esforço para reanimar a economia dos Estados Unidos, ainda com baixo ritmo de atividade e desemprego acima de 9% da força de trabalho. Em troca desse dinheiro o Fed comprará títulos federais em poder do público. Dólares continuarão inundando os mercados e forçando a valorização do real e de outras moedas. Produtores brasileiros terão maior dificuldade não só para exportar, mas também para competir no mercado interno, porque a sua moeda já é uma das mais valorizadas do mundo. Chineses continuarão levando vantagem sobre a maior parte dos concorrentes, porque darão um jeito de manter o yuan desvalorizado, talvez um pouco menos do que antes para mostrar alguma boa vontade.

O objetivo do Fed, segundo a explicação oficial, é estimular as operações de crédito para animar o consumo e movimentar a produção. Todos torcem pela recuperação da economia americana, a mais importante do mundo, mas nem todos aplaudem a política monetária dos Estados Unidos, por causa de seus efeitos no mercado internacional de câmbio. Na prática, os americanos exportam sua crise para o resto do mundo, em vez de contribuir para a reativação global.

O Fed já havia indicado a disposição de emitir mais dinheiro. Seria a segunda grande operação desse tipo. A única surpresa foi o montante, porque os analistas apostavam em US$ 500 bilhões. Com os juros básicos na faixa de zero a 0,25% ao ano desde dezembro de 2008, as possibilidades de ação do banco central americano estavam muito limitadas. Pouco ou nada restaria além de jogar mais dólares no mercado.

Críticos da política americana, como o ministro Guido Mantega e alguns de seus colegas europeus, têm defendido outra solução. Seria melhor, segundo seu raciocínio, continuar recorrendo a estímulos fiscais para reativar o consumo e a produção nos Estados Unidos. O cardápio clássico poderia incluir mais investimentos públicos, forma direta e eficiente de criar empregos e de movimentar indústrias de equipamentos e de materiais.

A derrota eleitoral do presidente Barack Obama, nas eleições do meio do mandato, foi uma péssima notícia para quem torcia por uma solução daquele tipo. Os principais vitoriosos são os grupos mais conservadores do Partido Republicano. Eles nunca se mobilizaram para deter a gastança do presidente George W. Bush, responsável por uma devastação nas contas públicas. A contenção dos gastos federais foi, no entanto, uma de suas principais bandeiras na campanha recém-terminada.

Quando a crise se agravou, no terceiro trimestre de 2008, o orçamento federal dos Estados Unidos já estava em más condições. Novas despesas foram realizadas para o combate à recessão. Durante algum tempo, essa política pareceu dar algum resultado. Mas a economia voltou a fraquejar e necessita, agora, de mais um bom empurrão.

Qualquer novo programa de estímulos fiscais apresentado pelo Executivo será recebido, quase certamente, com forte resistência no Congresso. O Partido Republicano conquistou a maioria na Câmara de Representantes e a vantagem democrata no Senado tornou-se mais apertada. O presidente Obama terá maior dificuldade para negociar novos pacotes antirrecessivos.

Esta tem sido, pelo menos, a avaliação mais comum dos analistas. Se estiver correta, a economia americana dependerá quase exclusivamente do afrouxamento monetário para ganhar algum impulso. Nada garante esse resultado. Seria muito mais confiável uma política de gastos públicos, principalmente se orientada para investimentos.

Quanto à política de comércio, dificilmente será influenciada pelo resultado das eleições. Republicanos tendem a ser menos protecionistas que democratas, mas todos, ainda por um bom tempo, tentarão proteger a produção nacional. Quanto mais lenta a recuperação, mais duradoura será a tendência ao fechamento comercial. Não há perspectiva imediata de grandes novidades positivas.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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