Os gringos continuam por fora, por André Nassar (Ícone)

Publicado em 17/11/2010 07:45

Depois que quase três semanas na Europa discutindo em diferentes fóruns expansão da agricultura e mudança no uso da terra, cheguei à conclusão de que valeria a pena trazer os pontos do debate internacional, por mais absurdos que sejam - e alguns o são muito -, para a opinião pública brasileira. De longe, o tema da mudança no uso da terra é a questão estrutural mais relevante para os produtores agrícolas do Brasil e do mundo. Vários argumentos, vindos de variadas direções, jogaram-na no centro do debate. 

O primeiro nasce dos avanços da tecnologia de informação e das ferramentas de sensoriamento remoto. Com a crescente disponibilidade de imagens de satélite de melhor resolução e computadores de maior velocidade, novas bases combinando dados de sensoriamento remoto e dados secundários foram desenvolvidas, permitindo o surgimento de uma profusão de estudos que analisam mudanças globais no uso da terra. A despeito dos diversos problemas que esses estudos podem apresentar, uma vez que, em geral, muitas análises são feitas apenas com base em imagens de satélite sem validação de campo, é inegável a sua contribuição para o entendimento dos eventos passados. 

Os estudos, no frigir dos ovos, têm mostrado o que sempre se soube, mas que não se conseguia quantificar com precisão: que grande parte da terra no mundo está sob uso agropecuário e o crescimento da agropecuária, pela singela evidência de que o setor usa muita terra, provocou uma enorme conversão de vegetação natural. Estima-se que o mundo todo utilize 1,5 bilhão de hectares para lavouras anuais e perenes e 2,8 bilhões para pastagens. Do total de lavouras, 47% estão em áreas antes ocupadas por florestas e 38%, antes ocupadas por savanas (os cerrados) e pastagens naturais. No caso da Europa, 77% das lavouras estão em áreas antes ocupadas por florestas. Esse índice cai para 34% e 20% nos casos da América do Sul e da África. 

No caso das pastagens, somente 19% estão em áreas ocupadas antes por florestas e 49%, no caso das savanas e pastagens naturais. Enquanto na Europa 85% das pastagens estão em áreas ocupadas anteriormente por florestas, algo até óbvio, porque eram florestas que predominavam no território europeu, na América do Sul e na África esse índice cai para 35% e 12%. Nestas duas regiões predominam pastagens em savanas e, como não poderia deixar de ser, pastagens naturais. Interessante notar que América do Sul e África são as únicas regiões onde a área com pastagens ainda é muito maior do que a área com lavouras (quatro vezes). Isso indica o grande potencial de expansão de lavouras e melhor uso das pastagens. 

Colocando o uso da terra numa perspectiva de mudança ao longo do tempo, as imagens de satélite dizem-nos que grande parte da expansão do setor agropecuário nos anos 80 e 90 ocorreu em áreas de florestas e pastagens naturais. Na América do Sul o número chega a 75%. Já na Ásia, mais de 90%. Embora a quantificação seja importante, não há dúvida, a conclusão não deixa de ser óbvia. Afinal, a produção de alimentos usa terra, as nações são soberanas para decidir como querem usar seu território e os países que têm mais floresta convertem mais floresta. Foi assim na Europa e tem sido assim na Ásia. 

O segundo argumento é uma consequência natural do anterior. Se o setor agrícola no mundo se expandiu sobre florestas, deverá continuar se expandindo dessa forma no futuro. O raciocínio é simples. Dado que a demanda mundial por alimentos vai continuar crescendo, mais áreas serão necessárias, dando continuidade ao processo de conversão de vegetação natural em agricultura. É, sem a menor dúvida, uma questão relevante. O problema é que essa constatação vem junto com a questão da responsabilidade pela conversão. A demanda por produtos agrícolas cresce no mundo todo e predomina a tentação de atribuir responsabilidade pela conversão de vegetação natural só ao país onde ela ocorre. 

O terceiro argumento é uma sofisticação do segundo. Infelizmente, ainda há gente no Brasil que compra esse argumento. As imagens de satélite comprovam que a conversão para pastagens é a forma que predomina no avanço da fronteira. Como a área com lavouras continua crescendo, mas são as pastagens que atuam com maior intensidade na fronteira, ocorre o chamado efeito cascata. No Brasil, a soja é o patinho feio da vez no assunto, mas fora do País, até pela falta de outras evidências, tenta-se dar à cana-de-açúcar essa pecha. Obviamente, não se vai a lugar algum com esse argumento, porque é o aumento do preço da terra que leva à intensificação de pastagens, e o preço da terra aumenta quando as lavouras se estão expandindo e demandando mais terra. A substituição de pastagens por lavouras, assim, é solução para o problema, e não a causa. A causa, por sua vez, é o baixo custo de desmatar. 

Meu discurso fora do Brasil tem sido reconhecer todas essas questões sem jogar nada para debaixo do tapete. Afinal, as imagens de satélite me desmentiriam facilmente. É como erguer uma muralha numa guerra com aviões. É derrota, na certa. No entanto, imagens de satélite são as que se refletem no retrovisor do carro. É aquilo que vemos pela janela quando nos sentamos de costas num trem. 

A queda do desmatamento, a aplicação do Código Florestal, a moratória da soja e, mais recentemente, a da pecuária, o zoneamento da cana-de-açúcar e o grande potencial de aumentar, mesmo que lentamente, a produtividade da pecuária de corte são garantias de que o retrovisor de amanhã vai mostrar algo diferente do de hoje. Lentamente e sem xenofobia, vamos mostrando aos "gringos" que eles, na verdade, continuam a saber pouco do Brasil. Pena é que precisemos também gastar tempo com os brasileiros que têm vergonha de defender as suas bases - o que significa, neste caso, ficar do lado do setor agrícola. 

DIRETOR-GERAL DO ICONE. AS ORIGENS DOS DADOS CITADOS NESTE ARTIGO PODEM CONSULTADAS COM O AUTOR. E-MAIL: [email protected] 


Amarrem os cintos!, por Antonio Delfim Netto (Folha)

O encontro do G20 em Seul, na Coreia do Sul, foi uma reunião lítero-musical de qualidade duvidosa. O seu resultado, pífio. A "solução prática" foi a cínica entrega da questão aos cuidados do FMI.
No ano que vem, ele deve apresentar um programa factível que distribua equanimente os custos do ajuste. Em poucas palavras e sem nhe-nhe-nhem: cada um que volte para casa, trate de cuidar dos seus interesses e ponha as barbas de molho.
Há uma grande dificuldade em dar peso adequado ao problema dos EUA e às malfeitorias da China, o que provoca ataques cruzados.
Os EUA meteram-se numa grave crise e, desde 2007, destruíram 10 milhões de empregos. Para retornar à taxa de desemprego aceitável de 5%, precisam reconstruí-los. Devido ao crescimento da população, para manter apenas o inaceitável nível atual de desemprego, de 9,6%, precisam criar 1,5 milhão de empregos por ano, ou seja, 125 mil por mês.
Mesmo que haja uma rápida recuperação e a economia possa absorver 600 mil empregos por mês (que é o dobro da média dos anos 90!), serão precisos dois anos antes que se volte ao nível de 2007.
Não se trata de um problema de liquidez, mas de confiança: as empresas não financeiras têm em caixa US$ 3 trilhões e não investem a não ser em tecnologias poupadoras de mão de obra. As instituições financeiras têm excesso de reserva de US$ 1 trilhão e não emprestam porque não há tomadores (o nível de endividamento das famílias é da ordem de 100% do PIB).
O único tomador de recursos é o próprio Tesouro dos EUA, cujo endividamento só poderá ser sustentado com a volta ao crescimento, que, por sua vez, depende do investimento do setor privado e do consumo das famílias.
Os EUA pagam agora o preço de sua miopia. Aumentaram o emprego nas finanças e na habitação enquanto transferiam alegremente (graças à valorização do dólar) para a China suas fábricas e seus empregos industriais e para a Índia os do setor de serviços.
Com a explosão das duas "bolhas", no setor financeiro e no imobiliário, o emprego no primeiro talvez nunca se recupere, e o do segundo demorará muito tempo. Uma coisa é certa. Se a demanda interna nos EUA não se recuperou, porque o governo foi incapaz de restabelecer a confiança no circuito econômico interno, só lhe resta a saída das exportações e a substituição do petróleo importado por biocombustíveis. Ele vai persegui-la com a desvalorização do dólar.
Devemos "amarrar os cintos" e aguentar a competição que vem por aí! Parece que com a taxa de câmbio de R$ 1,60 já podemos importar o etanol de milho dos EUA...


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.
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Fonte:
O Estado de S. Paulo/Folha

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