Jornais dos EUA criticam visita de Obama ao Brasil

Publicado em 21/03/2011 16:13 e atualizado em 21/03/2011 16:53
Coluna Radar Econômico, de O estado de S. Paulo + Blog de Reinaldo Azevedo (VEJA)...

Dois dos jornais mais importantes dos Estados Unidos criticaram a visita do presidente Barack Obama ao Brasil e a outros países latino-americanos.

Tanto o “New York Times” como o “Wall Street Journal” acharam estranho ver Obama brincando com crianças  no mesmo dia em que os EUA, junto com Reino Unido e França, lançaram uma ofensiva militar na Líbia.

“O presidente Obama tomou o mais significativo ato de um comandante-chefe: enviar forças norte-americanas a um conflito. No entanto, ele manteve o cronograma da sua primeira visita à América do Sul”, afirmou o “Times”.

O “Journal” foi mais incisivo: “Foi uma situação surreal. Enquanto os EUA iniciavam uma campanha militar mundo afora, o presidente iniciou uma visita de cinco dias à América Latina que tinha pouco a ver com o assunto”.

O diário de Wall Street nota que, diante dessa situação, Obama ora falava sobre economia – políticas comerciais e de biocombustíveis – ora abordava o problema na Líbia, sem citar o fato de o Brasil ter se abstido de apoiar a ofensiva militar no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).

No Brasil, a consultoria Rosenberg & Associados resumiu a viagem do presidente dos EUA da seguinte forma: “Visita de Obama consagra importância brasileira, mas deixa de lado questões concretas”.

Colunista defende visita

Mary Anastasia O’ Grady, uma polêmica comentarista do “Wall Street Journal”, mais uma vez foi de encontro ao que a imprensa norte-americana (e o próprio jornal onde ela escreve) dizia. “A viagem do presidente Obama ao Brasil [...] enquanto a guerra aumenta na Líbia foi duramente criticada. [...] Por outro lado, ir a Brasília [...] foi importante”, afirmou a colunista.

Para O’ Grady, a aproximação entre EUA e Brasil ajuda a “construir uma nova aliança na política internacional desdenhando ditadores [ela usou este termo] como Hugo Chávez”.

Obama ignora raça, diz jornal

Em uma análise, o “New York Times” notou que Obama evitou falar sobre o fato de ser negro, enquanto a presidente brasileira, Dilma Rousseff, fez várias menções a esse tema, bem como ao de que ela é a primeira mulher a presidir o País.

Em texto intitulado “Presidente sublinha similaridades com brasileiros, mas ignora uma”, o “Times” conversou com pessoas que foram ver Obama e notou que, para várias delas, o que chamava atenção no atual presidente dos EUA era o fato de ser negro.

Segundo o jornal, assessores de Obama recomendam que ele se mostre sempre como presidente de todos os norte-americanos, evitando mencionar o que isso significa especificamente para os negros. Apenas em casos pontuais ele toca no assunto. E o texto deixa implícito que, no Brasil, havia motivos para quebrar esse protocolo. O Brasil e os EUA têm as maiores comunidades de afro-descendentes nas Américas.


(comentáriao de Reinaldo Azevedo):

A fala mais importante de Obama no Brasil é a defesa da “revolução” árabe. É um gênio! Discurso tem potencial para incendiar o Oriente Médio

O trecho mais importante, no sentido de que pode levar a desdobramentos, do discurso de Barack Obama no Teatro Municipal do Rio, entendo, nada teve a ver com o Brasil, a não ser por associação: refiro-me à verdadeira exaltação que Obama fez da “revolução” árabe. O nosso país foi oferecido como um exemplo a ser seguido por aqueles povos porque caminhou da ditadura para a democracia. É uma besteira, evidentemente, mas uma besteira que comove. Retomarei esse aspecto depois. Falemos um pouco dos nativos... 

Luiz Inácio Lula da Silva, que não foi ao almoço com Obama em Brasília, ao ouvir o discurso do presidente americano no Teatro Municipal, poderia dizer com propriedade: “Pô, esse cara está colando um monte de coisa que eu falo por aí”. E seria uma constatação justa. Lula e Dilma foram saudados como expressões virtuosas da democracia brasileira: no início do discurso, o ex-presidente foi saudado como o “garoto pobre de Pernambuco” que saiu “da fábrica para ser presidente da República”; no fim, ela foi exaltada como a “filha de imigrantes”, que foi “presa e torturada por seu próprio governo”, que “sabe como é viver sem liberdade”, mas que soube “perseverar”.  Acho que, por uma questão de justiça e, convenham, para dar efeito prático à retórica obamista, os brasileiros ainda hoje impedidos de entrar nos EUA porque seqüestraram o embaixador Charles Elbrick devem reivindicar a revogação da proibição. A exemplo de Dilma, também integravam organizações terroristas que buscavam “democracia”, certo?

Em nenhum momento, nas conversas públicas ou privadas, Obama acenou com a aspiração brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O país não mereceu aquele enfático “sim”, embora sem prazo, com que a Índia foi premiada. Em artigo publicado na imprensa americana, Obama deixou claro que está aqui em busca de melhores oportunidades de negócios. Mas isso não é coisa que se diga em público. Então sobram elogios à pujança da economia, aos milhões que saíram da pobreza e, sem meias palavras, a um mote das campanhas eleitorais petistas: o Brasil não é mais o país do futuro: “O futuro já chegou”.

E passou a defender relações mais estreitas entre as economias americana e brasileira, falando na “quebra de barreiras” e no desenvolvimento da economia verde para “proteger o planeta”, num mundo sem armas nucleares. Então tá. Agora ao que interessa.

Oriente Médio e Líbia
Nas questões adjetivas, Obama falou, em suma, o que o governo brasileiro, o de Dilma ou de Lula, gostaria de ouvir. E engatou a marcha para entrar no caso Líbio. ATENÇÃO! Obama é o presidente que ordenou um ataque a um país estando em viagem, fora de solo americano, como a evidenciar, com efeito, o alcance global do poderio dos EUA, o que é mel da sopa para os extremismos islâmicos. Trata-se de uma decisão irresponsável, para dizer pouco. Mas como recobri-la com o viés de uma ação humanitária? Simples: defendendo os valores universais da democracia. E foi o que ele fez.

Esse discurso, que já serviu à paz, agora passou a servir à guerra. O Brasil foi oferecido como exemplo de país que passou da ditadura à democracia e serviria de inspiração para os árabes. 

Obama fala de uma “revolução” (ele usou essa palavra, omitida na tradução) “nascida na Tunísia em defesa da dignidade humana”. Em seguida, referindo-se ao Egito, afirmou: “Vimos protestos pacíficos na praça Tahir: homens e mulheres, velhos e jovens, cristãos e muçulmanos…” E na seqüência: “Vimos o povo da Líbia, lutando com determinação contra um regime que brutaliza seus próprios cidadãos”. E mais: “Por toda a região, vemos a juventude se levantar, uma nova geração reivindicando o direito de decidir o seu futuro”.

Ninguém menos do que o presidente dos EUA, país aliado de várias ditaduras do Oriente Médio, deu um caráter único, o que é falso, aos vários levantes da região. No Egito, a luta, com efeito, foi pacífica. Na Líbia, no entanto, há uma guerra civil; no Bahrein, o confronto é de natureza religiosa… Não interessa! A fala de Obama tem potencial para realmente incendiar o mundo árabe. No Iêmen, já se mata mais de 40 num único confronto. Se o governo não cai, por uma questão de coerência, restaria aos EUA a intervenção, certo?, em nome do tais valores universais que, segundo se entende de sua fala, determinaram o ataque à Líbia.

Mas quem resiste a um discurso em favor da democracia como a aurora da humanidade, como se ela fosse um destino fatal? Ninguém!  Bush, sem o charme de Obama, era só um sanguinário, um “Osama Bin Laden de Cristo”, diria Arnaldo Jabor. Este é diferente! Ele manda atacar um país estrangeiro em guerra civil, enquanto está a passeio, e isso se parece com um novo amanhecer. Mais do que isso: o ataque se dá, segundo entendi, em nome da autodeterminação dos povos! Ainda não concluí se o discurso é mais temerário do que ridículo ou mais ridículo do que temerário.

Para encerrar: Ô Franklin Martins, pegue o discurso de Obama e vá pedir seu visto de entrada nos EUA. Como Dilma, você também só estava se sacrificando pela democracia; agora é Obama quem diz! Pois é, leitores: meu único compromisso com vocês é falar tudo e manter a fidelidade a um princípio: palavras fazem sentido e devem ter conseqüências. Obama conclama o povo do Oriente Médio a ir para a rua.

É a “revolução da dignidade humana!

Post publicado originalmente às 19h26 de ontem
Por Reinaldo Azevedo
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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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