Futuro do tabaco no Brasil preocupa cadeia produtiva

Publicado em 18/07/2011 07:41
Uma cultura agrícola que sustenta milhares de famílias gaúchas, remunera muito bem o produtor e movimenta uma das indústria que mais gera arrecadação para os cofres governamentais. Dificilmente uma cadeia produtiva tão importante teria qualquer incentivo à expansão de suas atividades questionado pelo poder público e muito menos pelos próprios produtores. Mas essa lógica não se aplica quando o produto em questão é o tabaco.

Pressionados pela competição externa, queda do consumo e legislações antitabagistas, muitos fumicultores e municípios vêm buscando alternativas para reduzir sua dependência econômica da cultura. No entanto, é difícil encontrar soluções que possam substituir por completo os ganhos gerados pelo “ouro verde” da pequena propriedade.

O tamanho do setor impressiona. O Brasil é o maior exportador mundial de tabaco e segundo maior produtor, ficando atrás somente da China. Na safra de 2010, foram colhidas 687 mil toneladas do produto. Para a de 2011, a estimativa, que ainda está sendo contabilizada, é de 801 mil toneladas, segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). Apenas o Rio Grande do Sul, maior produtor nacional, representa 48% desse total.

Atualmente, o tabaco garante renda a 185 mil pequenos agricultores. Uma das razões para o grande interesse no produto é o fato de que praticamente toda a cadeia produtiva é estruturada de uma forma integrada com as empresas compradoras da matéria-prima. Com isso, os produtores possuem acesso facilitado a sementes e insumos e assistência técnica fornecida pelas companhias. Além disso, com a integração, ao final da safra a comercialização do volume produzido já está garantida pelas indústrias.

A maior lucratividade da lavoura também é um atrativo aos produtores, especialmente para os que possuem pequenas propriedades. “Ninguém planta fumo porque gosta, mas sim porque ele tende a trazer um rendimento que outras culturas não dão”, explica Carlos Joel da Silva, vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag-RS). Um exemplo apontado pelo dirigente é a comparação entre o tabaco e o milho. “Em um hectare, você pode colher 100 sacos de milho, com um ganho bruto médio de R$ 2 mil. Mas na mesma área, ocupada por fumo, você colhe 150 arrobas e pode receber até R$ 15 mil”, comenta.

No entanto, as expectativas das entidades ligadas ao setor é que a produção de fumo brasileira sofra uma queda gradual daqui para frente. Apenas para a próxima safra, a Afubra já defende uma diminuição de 20% no plantio da cultura. “Nossa projeção é que, até 2015, a produção nacional tem que ser reduzida para 450 mil a 500 mil toneladas, a fim de manter os preços rentáveis para o produtor”, afirma o presidente da Afubra, Benício Albano Werner.

Um dos fatores que está influenciando a tendência de queda do cultivo do tabaco é a diminuição do número de consumidores no Brasil. De acordo com estudos do Ministério da Saúde, em 1994 havia 44,3 milhões de fumantes no País, cerca 28% da população. Em 2010, esse número foi reduzido para 27,8 milhões, alcançando 14,5% dos brasileiros. Segundo o professor José Antônio Schontag, coordenador de projetos da Fundação Getulio Vargas (FGV), essa redução deve-se tanto às campanhas públicas antitabagistas quanto à inflação do preço do cigarro, que tem um impacto forte no bolso do consumidor. “De 2002 a 2010, enquanto os salários tiveram um crescimento em termos reais de 3%, o preço do maço de cigarros teve uma elevação de até 60%”, explica.

De acordo com o pesquisador, essa tendência pode até aumentar ao longo do tempo. Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estuda a proibição da adição de aroma e sabor na fabricação do cigarro. Essa novas medidas devem afetar ainda mais o setor. “Se implantadas, as mudanças podem fechar até 500 empresas fornecedoras da indústria de cigarros, reduzir as nossas exportações em US$ 300 milhões anuais e provocar uma queda de R$ 5,2 bilhões por ano em arrecadação de impostos”, destaca Schontag.

Municípios buscam novas fontes de renda

A necessidade de garantir fontes de renda alternativas à cultura do tabaco é considerada uma prioridade nas políticas agrícolas dos municípios produtores. Investimentos em novas culturas, criação de animais e agroindústrias têm sido incentivados pelos poderes públicos locais, como uma forma de segurança econômica. Com uma área plantada em 2010 de 10.984 hectares e uma produção de 22.860 toneladas na última safra, Venâncio Aires é o maior produtor de tabaco do Rio Grande do Sul. Apenas no ano passado, a receita de ICMS local gerada pelo produto alcançou R$ 3,73 milhões. No entanto, mesmo com a grande importância que a cultura tem para a economia local, o município está em busca de alternativas.

A prefeitura tem procurado estimular a diversificação através de um programa de fundo rotativo, que disponibiliza dinheiro para que os produtores possam trabalhar diferentes culturas. Outro benefício é um auxílio com máquinas agrícolas. “Quem trabalhar um projeto de produção aprovado pela Emater tem à disposição o uso de até 100 horas de máquinas, como para a construção de aviários ou chiqueiros”, explica o secretário municipal da Agricultura, Fernando Heissler. Além disso, são dados incentivos à formação de agroindústrias, através de uma linha de crédito a fundo perdido.

As medidas começaram a fazer efeito. Há cinco anos, 86% do valor comercializado pela agricultura municipal vinha do tabaco. Hoje a quantidade já se reduziu para 74%, devido principalmente ao aumento da participação da avicultura, do leite e da pecuária de corte. “Não queremos substituir o tabaco, mas não podemos deixar que os agricultores tenham dependência exclusiva de um único produto”, comenta Heissler.

Na região Centro-Serra, polarizada por Sobradinho, o fumo representa mais de 50% da arrecadação total do setor agropecuário. Mas há alguns anos, os 11 municípios da região buscam formas para criar novas oportunidades econômicas. “Vínhamos percebendo sinais de que a fumicultura deixaria de ser tão lucrativa no futuro, e fizemos diversos seminários regionais para discutir essa questão”, lembra Itamar Batista da Silva, diretor da Secretaria da Agricultura de Sobradinho.

Um efeito foi a criação de câmaras setoriais de incentivo a outras culturas, como frutas, grãos, carne e leite. Algumas iniciativas começaram a dar frutos. “Nossa bacia leiteira, que não era importante, teve uma ativação forte, e hoje o leite já é uma boa alternativa.
Produtores divididos sobre novos rumos

As divisões sobre como administrar o futuro da lavoura de tabaco no Estado podem ser encontradas dentro de uma mesma família. Na comunidade de Quarta Linha Nova Baixa, os irmão Paulo e Sérgio Reis dividem uma área de 60 hectares, onde plantam fumo, hortaliças e fazem criação de peixes. Administrando separadamente suas terras, cada um possui uma ideia diferente sobre como agir em relação ao cultivo do tabaco.

Na última safra, Paulo plantou mais de 100 mil pés de fumo. Para a próxima, cujo plantio se inicia em agosto, poderá expandir a produção, com 150 mil pés. Segundo o produtor, que investe principalmente em piscicultura para complementar a renda, realizar a troca do fumo por outro produto ainda não é uma solução viável para a maioria das propriedades rurais na região.

Ele lembra que a horticultura, por exemplo, uma das atividades mais apontadas como alternativas para os pequenos produtores, apresenta diversos inconvenientes. “Além de exigir muito tempo de serviço, se uma propriedade fica muito distante da cidade, e a colheita tem que ser transportada pelas péssimas estradas de terra do Interior, o produto acaba ficando com baixa qualidade na entrega”, argumenta.

Já Sérgio aposta na direção contrária. Sua próxima lavoura de fumo, que na última safra atingiu 100 mil pés, será reduzida pela metade neste ano. O principal motivo foi o baixo preço alcançado pela venda, que não gerou lucro. “Tenho um custo de produção de R$ 65,00 a R$ 70,00 por arroba, a mesma faixa de valor que estou conseguindo vender minha colheita”, comenta.

Segundo o agricultor, a diminuição da lavoura de fumo na região do Vale do Rio Pardo será um processo natural, causado pelo próprio êxodo rural e pela dificuldade em obter mão de obra jovem. Ele lembra que a legislação impede menores de 18 anos de trabalhar na lavoura de tabaco, o que faz com que muitos filhos de agricultores não recebam os conhecimentos do processo. “A maior parte dos produtores hoje já são aposentados, e os jovens estão buscando outras possibilidades”, afirma.

Como alternativa, Sérgio aposta nas hortaliças. Entre fevereiro e setembro, quando os trabalhos relacionados ao tabaco são reduzidos, ele planta semanalmente 4 mil mudas de couve-flor, brócolis e repolho. Para armazenar e transportar a produção, está investindo em uma câmara fria e um caminhão. Além disso, também começou uma criação de carpas, cujas primeiras vendas serão realizadas no próximo ano.
Pioneiro não se arrepende da mudança

Embora o tema da diversificação seja recente, alguns pioneiros demonstram há décadas que os produtores do Vale do Rio Pardo não precisam depender apenas do fumo como fonte de renda. Um deles é o Blasio Etges, de Linha Pinheiral, no interior de Santa Cruz do Sul.

Há 27 anos, ele deixou de plantar fumo e passou a se dedicar aos hortigranjeiros. “Como trabalhar com hortaliças é um serviço muito puxado, eu tive que escolher, ou plantava só fumo ou só verduras”, conta. Atualmente, dos 22 hectares de sua propriedade, Etges ocupa sete com alfaces, espinafre, brócolis, tomate e beterraba, entre outros produtos. Além disso, também realiza o plantio de milho e cria vacas leiteiras, porcos e galinhas.

O trabalho é realmente exaustivo. Usando apenas a mão de obra da família (sete pessoas), Etges produz mensalmente de 20 a 25 toneladas de hortaliças, que são comercializadas para restaurantes e escolas de Santa Cruz do Sul através da Ceasa regional e da Cooperativa de Alimentos Santa Cruz (Coopersanta). Para garantir o abastecimento diário dos compradores, a família precisa acordar todos os dias às 4h, a fim de realizar a colheita, lavagem, embalagem e transporte dos produtos.

No entanto, os recursos gerados pela produção compensam os esforços. Com os lucros obtidos, Etges chegou a construir um galpão e câmara fria para guardar as hortaliças, além de novas casas para sua família. A natureza também foi favorecida com sua escolha. O fato de poder plantar em uma área de cultivo menor e a falta de necessidade de usar lenha para secar o fumo resultaram num aumento de 25% da área de mata nativa em sua propriedade. “Não me arrependo da escolha que fiz. Se tivesse que decidir hoje, faria tudo de novo”, afirma.
Competição internacional é desafio para o País

Um exemplo do que pode ocorrer com o tabaco brasileiro é o destino da produção de tabaco dos Estados Unidos. Até a década de 1990, o país norte-americano era o maior produtor mundial, chegando a quase um milhão de toneladas por ano. No entanto, a redução de consumo influenciada por legislações antitabagistas e o aumento das importações de países em desenvolvimento, onde os custos de produção eram menores, fez com que a produção dos Estados Unidos fosse reduzida a 350 mil toneladas anuais.

O Brasil foi um dos maiores beneficiados pela redução norte-americana. Enquanto em 1990 o País produzia 368 mil toneladas de tabaco, em 2004 atingiu um pico de 851 mil toneladas. O crescimento, que foi acelerado na primeira metade da década passada, se deveu em parte pelo colapso da produção no Zimbabwe. Em 2000, o ditador Robert Mugabe impôs uma reforma agrária que dividiu as terras dos latifundiários brancos para camponeses negros. No entanto, a medida fez com que o país africano, que era o sexto maior produtor, com 237 mil toneladas colhidas em 2000, passasse a produzir menos de 70 mil toneladas em 2004.

No entanto, outros países africanos, como Malawi, Tanzânia, Zâmbia e Moçambique, estão aumentando sua produção e competindo diretamente com o Brasil no mercado internacional, fazendo com que ocorra aqui o mesmo fenômeno verificado nos Estados Unidos nas últimas duas décadas. Além disso, as condições cambiais desfavoráveis às exportações também estão tirando competitividade do produto brasileiro.

O presidente do Sindicato da Indústria do Tabaco (Sinditabaco), Iro Schünke, admite que a situação cambial tem elevado muito o custo do tabaco brasileiro, fazendo com que perca competitividade internacional, enquanto a área e o volume produzidos nos países africanos aumenta significativamente. Schünke ressalta que o País possui um produto de qualidade e conta com uma estrutura bem organizada de produção. “As maiores indústrias do setor no mundo demonstram que continuam acreditando e investindo no Brasil.”

Em 2009, a Japan Tobacco Internacional (JTI) adquiriu duas indústrias, ambas de Santa Cruz do Sul, e em 2011 comunicou a criação de um Centro Mundial de Desenvolvimento Agronômico no município. Já em 2010, a Philip Morris verticalizou o seu negócio no País, passando a ter contratos diretamente com os produtores, e anunciou investimentos para uma nova fábrica em Santa Cruz do Sul, em fase de construção.

A Souza Cruz, líder do mercado nacional, tem investido nos últimos anos nas suas instalações em Cachoeirinha. O diretor de Fumo da empresa, Dimar Frozza, avalia com preocupação o futuro da competição do setor fumageiro nacional com a África. “Vemos que oportunidades governamentais poderiam ser mais exploradas, como a busca de alternativas fiscais que favorecessem mais as empresas exportadoras”, destaca.

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Fonte:
Jornal do Comércio

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