Ciência garante preservação da variabilidade genética do cajueiro para futuras gerações

Publicado em 24/11/2020 10:02

Testes realizados na Embrapa Agroindústria Tropical (CE) e Embrapa Recursos Genéticos (DF) revelaram ser possível preservar o patrimônio genético do cajueiro, a longo prazo, por meio de sementes. Pelas características da planta, acreditava-se que as sementes do cajueiro não se mantivessem viáveis por longos períodos. Contrariando essa ideia, sementes guardadas há 20 anos foram testadas com índice de germinação de 90%. Esse resultado é um alento para a ciência, que está preocupada com o declínio crescente de populações de cajueiro, em decorrência do desmatamento, agricultura extensiva e da intensa ocupação da terra nas áreas de ocorrência natural da planta. 

O resultado do teste animou os pesquisadores porque a manutenção de sementes em câmara fria ampliará os esforços de conservação da diversidade. Até agora, o padrão estabelecido é a utilização de plantas em campo e telado, uma estratégia que exige grande investimentos em área agrícola, insumos e serviços. 

Para os pesquisadores, a viabilidade de uma segunda via de conservação representa uma esperança para o futuro. “O cajueiro é uma importante planta nativa, os velhos cajueiros gigantes, mesmo improdutivos, guardam um rico patrimônio genético”, diz a pesquisadora Ana Cecília Ribeiro de Castro, coordenadora do Banco de Germoplasma de Cajueiro, o BAG Caju – o maior e mais antigo banco dedicado à conservação da variabilidade genética do cajueiro do mundo. A cientista salienta que essa variabilidade é muito valiosa e guarda riquezas como resistência a doenças e pragas que poderão surgir no futuro. 

Do gelo para a mesa: sementes conservadas há mais de 20 anos germinam como novas

Ana Cecília Ribeiro de Castro (foto à direita) explica que até o momento não havia dados de pesquisa que atestassem a viabilidade da manutenção de sementes de cajueiro a longo prazo. Uma remessa de sementes guardadas há 20 anos a - 20°C na Coleção de Base de Sementes (Colbase) – mantida na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, revelou que essa é uma estratégia factível. “Solicitamos o material ao pesquisador Juliano Pádua, responsável pela Colbase. A germinação foi praticamente a de uma semente recém-colhida. Excelente”, comemora.

Segundo a pesquisadora, o material foi solicitado após a realização de testes de germinação favoráveis, com sementes de safras passadas, guardadas por até 10 anos em câmara refrigerada (18°C). “O BAG Caju não faz conservação de semente, a prioridade é a planta clonada no campo”, diz. Entretanto, com a estruturação de um programa de qualidade nas atividades do banco, percebeu-se que havia poucos dados a respeito da viabilidade das sementes de uso geral guardadas, o que levou a pesquisadora a realizar os testes.  

Ela explica que uma semente de cajueiro guardada em temperatura ambiente começa a perder o poder de germinação a partir de seis meses. Existe também uma diferença genética. Há sementes com alto índice de germinação e outras que germinam pouco. “Uma semente que geneticamente germina pouco, não vai melhorar o índice de germinação depois de guardada, mas uma semente de alto índice de germinação, guardada de qualquer forma, aos poucos vai perdendo o poder de germinação”, diz.

A cientista pondera ainda que embora represente uma boa alternativa, esse avanço não substitui a necessidade de manter as plantas clonadas no campo, porque o cajueiro é uma espécie alógama. Isso significa que sua fertilização é cruzada. Ou seja, uma semente apenas não carrega todas as características expressas na planta que a gerou. “Se pego sementes no campo aleatoriamente, vou ter árvores diferentes, em termos de fenótipo. Para representar uma planta no BAG serão necessárias muitas sementes, ou simplesmente obtê-la por clonagem”, explica. 

Para ela, a maior importância do trabalho é a possibilidade de ampliar os esforços de conservação da biodiversidade do cajueiro, mesmo que não tenha como analisar agora. “Eu posso coletar a biodiversidade agora para, em uma segunda etapa, com ferramentas analíticas mais robustas, daqui a 20 anos, quem estiver no meu lugar tenha o recurso genético guardado”, revela. 

Antiga fonte de novidades 

O BAG Caju existe há mais de 50 anos. Fica instalado em uma antiga estação experimental, atualmente denominada Campo Experimental de Pacajus – cidade situada na Região Metropolitana de Fortaleza (CE). A coleção, formada por 778 acessos, disponibiliza uma base genética que vem sendo utilizada para auxiliar no desenvolvimento de cultivares, para diferentes fins, ambientes e condições de cultivo. 

“É um tesouro, um grande patrimônio para futuras gerações de brasileiros”, explica a pesquisadora Castro. Ela salienta que todo país precisa manter seus recursos genéticos bem guardados, bem documentados, bem caracterizados. Principalmente para as culturas alimentares. “É questão de segurança alimentar, uma cultura com uma base estreita é um risco grande”, diz.

O trabalho de conservação envolve os tratos culturais com as árvores, o monitoramento e a catalogação das informações do pomar e do que é produzido a cada safra. Na última safra, chegaram ao laboratório de avaliação  frutos de diferentes tamanhos, cores e sabores.  O maior caju pesou 400 gramas. O menor, 10 gramas. A variabilidade incluiu castanhas minúsculas, que não chegaram a um grama, e castanhas de 20 gramas. São frutos bonitos, feios, grandes, pequenos, atacados por doenças, com alto teor de vitamina C, com mais travo, mais ou menos doces...   

No campo, as árvores são avaliadas quanto ao período de frutificação, a resistência a doenças e outros aspectos de interesse. Para manter reservas de segurança, as plantas são clonadas e cultivadas no campo e em vasos. A cada safra, a curadora do banco organiza um mutirão com pesquisadores, técnicos e bolsistas, para catalogar o máximo de informação possível.

A pesquisadora explica que com o advento dos clones de cajueiro mais produtivos, os produtores naturalmente começaram a substituir seus pomares de cajueiros comuns por novas cultivares, de desempenho superior. O impacto é positivo para o negócio, mas a variabilidade acaba se deteriorando. “Por esse motivo, intensificamos as coletas de sementes e propágulos de cajueiro antigos, para não perder fonte de variabilidade que não foi coletada ainda”, diz. 

Cajueirinho botador

Foi do material colecionado no BAG Caju que o melhorista Levi de Moura Barros selecionou e desenvolveu os primeiros clones de cajueiro anão-precoce – plantas que hoje garantem uma cajucultura mais produtiva e viável como agronegócio. 

Os dois primeiros clones foram lançados em 1983. Mas o sucesso veio um ano depois, quando o jornalista Ivaci Mathias, na época repórter do programa Globo Rural, visitou a estação experimental de Pacajus para responder a uma carta de uma telespectadora sobre uma doença de cajueiro. “Eu estava na estação e aproveitei para mostrar algo mais interessante a ele”, lembra Barros. 

Quando o repórter se deparou com uma plantinha de seis meses, com menos de 1 metro de altura, frutificando um caju amarelo, bem maduro, ficou impressionado. “Quando a matéria saiu, a repercussão foi tão grande que não tínhamos dinheiro para pagar os selos e responder às cartas que chegaram”, lembra o pesquisador. No primeiro mês foram mais de 10 mil cartas que eram transportadas dentro da estação experimental em um carrinho de mão. 

Atualmente, no estado do Ceará, o cajueiro-anão responde por 56% da produção de castanha, ocupando cerca de 34% da área dedicada à cultura do caju, conforme o IBGE. A produtividade média do cajueiro-anão, em 2019, também no Ceará, foi de 528 kg por hectare/ano. E a do cajueiro comum, de 222 kg por hectare/ano (IBGE, 2020). Embora produzindo mais do que o dobro, a produtividade do cajueiro-anão é considerada baixa para o potencial da cultura.

Qualidade total  

Como as coleções de material genético duram muito tempo e devem servir a diferentes gerações, a Embrapa investiu em programas de qualidade que estabeleceram padrões para a conservação desses recursos. Assim, os processos estão descritos, permitindo a continuidade do trabalho e a preservação e otimização do uso dos dados, mesmo com a alternância de curadores e demais membros das equipes.

A coordenadora do sistema de qualidade do BAG Caju, Aline Teixeira, explica que há quatro anos não se sabia quais eram os padrões mínimos de qualidade para um banco de germoplasma. Esse conhecimento foi construído com base em recomendações internacionais e nas características de cada coleção. 

Teixeira esclarece que o processo considera os objetivos das coleções. “No caso do BAG Caju, não é só uma lógica de conservação, há também uma lógica de uso”, diz. Ela esclarece que o banco está integrado ao Programa de Melhoramento Genético, o que valoriza os seus recursos. 

Para ela, as principais melhorias identificadas na gestão do BAG Caju com a implementação dos requisitos de qualidade foram a manutenção de um registro histórico do banco, a padronização das atividades, a rastreabilidade das informações e a garantia da segurança dos acessos.

 

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Fonte:
Embrapa

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