Dilma não terá vida fácil com o Congresso em ano de ajustes econômicos

Publicado em 09/01/2015 14:30

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Por Eduardo Simões e Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) - O primeiro ano do novo mandato da presidente Dilma Rousseff mal começou e o governo já enfrenta um cenário complicado no Congresso Nacional, com descontentamento no maior partido da base, o PMDB, e um fortalecimento da oposição após a eleição do ano passado, tendo como pano de fundo a necessidade de arrocho fiscal e expectativa de baixo crescimento econômico.

Como se não bastasse, o Executivo terá de negociar com uma base pulverizada em um número maior de partidos. Além disso, corre o risco de ter na presidência da Câmara um deputado com histórico de embates com o governo, e terá ainda de enfrentar as investigações de um dos maiores escândalos de corrupção da história recente.

Isso tudo em um ano em que o Congresso será crucial para chancelar as medidas de ajuste econômico que o Executivo pretende promover justamente para colocar as contas públicas em ordem, além de ter a prerrogativa de dar curso a reformas como a política e a simplificação das alíquotas interestaduais do ICMS, entre outras medidas, como a lei orçamentária de 2015.

“O relacionamento do Parlamento com o governo não vai ser fácil”, avaliou o cientista político Carlos Melo, do Insper.

"Você tem um jogo difícil de prever”, acrescentou, citando como elemento dessa imprevisibilidade os desdobramentos da operação Lava Jato, da Polícia Federal, que investiga um suposto esquema de sobrepreços em contratos da Petrobras que alimentaria partidos e políticos.

Dilma já teve dificuldades na articulação com o Congresso no primeiro mandato, quando as queixas de aliados em relação a nomeações foi constante e o governo sofreu para aprovar medidas prioritárias até o último instante do primeiro período da presidente, caso da mudança no cálculo da meta fiscal, aprovada no fim de 2014.

A nova composição do primeiro e segundo escalões do governo serviu também para colocar mais lenha na fogueira de descontentamentos de aliados, algo que não é exatamente uma novidade, principalmente em se tratando do PMDB.

Embora tenha visto o número de pastas que comanda aumentar de cinco para seis, o partido teme perder espaço caso não consiga indicar postos de comandos em órgãos e empresas vinculados aos ministérios que detém.

Também preocupa os peemedebistas o fortalecimento do PSD, do ex-prefeito de São Paulo e agora ministro das Cidades, Gilberto Kassab, dentro do governo. A sigla, que já tinha a Secretaria de Micro e Pequenas Empresas, ganhou com o comando das Cidades uma pasta com recursos e alcance.

Kassab articula a refundação do PL, extinto em 2006 para dar lugar ao atual PR. A ideia é que o novo partido arrebanhe parlamentares governistas e depois se una ao PSD, criando uma nova força na base aliada o que enfraqueceria o PMDB.

Segundo o presidente da Executiva temporária do PL, Cleovan Siqueira, que diz ter relação de longa data com Kassab, o partido deverá ter entre 20 e 30 deputados e três senadores e pretende ingressar com pedido de registro no início de fevereiro. Ele admite a possibilidade de fusão com o PSD e diz que, caso ela não se concretize, as duas legendas serão "partidos-irmãos".

O PSD elegeu uma bancada de 37 deputados e 4 senadores na eleição de 2014. Se confirmada a previsão de Siqueira, o partido, unido ao novo PL, pode até superar o PMDB como segunda maior bancada da Câmara e se tornar a quarta maior do Senado. Existe no PMDB o temor que a articulação para que isso aconteça tenha o apoio do Palácio do Planalto.

Além disso, a indicação para o Ministério da Educação do ex-governador do Ceará Cid Gomes (Pros), que já declarou publicamente a intenção de criar uma frente de partidos à esquerda para fortalecer Dilma, também desagradou peemedebistas, sobretudo o líder do partido no Senado, Eunício Oliveira (CE), que perdeu a eleição ao governo cearense justamente para um petista apoiado por Cid.

"Há sempre uma preocupação num país que tem 32 partidos políticos, que há uma necessidade premente de se fazer uma reforma para moralizar essa questão da vida política, da vida pública, da lei eleitoral, da forma de uma eleição que não seja tão complicada como essa", disse Eunício à Reuters, ressoando a apreensão peemedebista.

Uma reunião na semana passada entre caciques do PMDB com o vice de Dilma e presidente do partido, Michel Temer, e o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, serviu para os peemedebistas expressarem seu descontentamento. Segundo uma fonte com conhecimento do que foi discutido, um novo encontro foi marcado, e os peemedebistas esperam uma posição clara de que o governo não busca enfraquecer a sigla.

PULVERIZAÇÃO

A pulverização de partidos políticos é um obstáculo à articulação do governo com o Legislativo e as escolhas de Dilma para seu novo ministério, avalia Melo, do Insper, tentam justamente driblar isso. Na leitura do cientista político, a presidente se norteou muito mais pela representatividade dos escolhidos entre os setores do que dentro dos partidos.  

“Você pega, por exemplo, a (ministra da Agricultura) Kátia Abreu. Ela tem pouca importância para o PMDB, mas tem uma grande importância para os ruralistas”, exemplificou.

“Quando você tem 28 partidos, como na Câmara, é mais fácil você conversar com bancadas que têm interesses mais organizados. Agora, é claro que esses partidos se organizam também, é claro que esses partidos reagem.”

PRESIDÊNCIA DA CÂMARA E OPOSIÇÃO

Outra frente crucial para o governo é a eleição para a Câmara dos Deputados. O líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), que já bateu de frente com o governo no passado, desponta como favorito para presidir a Casa, o que colocaria fim a um acordo vigente na atual legislatura sob o qual PT e PMDB --as duas maiores bancadas-- se revezaram na presidência.

"Se o PMDB fizer o Eduardo Cunha, vai ser um Eduardo Cunha sem nenhum compromisso com a presidente Dilma, o que pode significar uma convivência muito mais difícil", disse Melo.

A oposição também deve ser mais estridente na legislatura que começa em fevereiro.

Ainda mobilizados pela eleição presidencial mais acirrada desde a redemocratização, os oposicionistas terão o reforço de nomes de peso, especialmente no Senado, caso dos ex-governadores tucanos José Serra, (SP), Antonio Anastasia (MG) e Tasso Jereissati (CE), além do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), um dos mais ferozes contra o governo petistas.

“A nossa posição será frontalmente contrária a esse governo porque está totalmente perdido... Com esse ministério que está aí, sucedido por todos esses escândalos, é lógico que esse governo não tem a menor sobrevivência”, disse Caiado, lembrando que a oposição já trabalha para criar uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar denúncias na Petrobras.

"Isso é uma matéria indiscutível, porque a cada dia que você abre os jornais é um escândalo novo na Petrobras. A Petrobras passou a ser um grande acordo de saqueadores", disparou.

(Reportagem adicional de Jeferson Ribeiro)

 

 

Marco Antonio Villa: ‘Pensar a crise em português’

Publicado no Globo

Já escreveu o filósofo João Cruz Costa que o Brasil tem a sua própria história das ideias. Desde o processo independentista foram elaborados diversos projetos para o país. Alguns — menos ousados — optaram por discutir e apresentar propostas de questões mais imediatas. Mesmo sendo um país da periferia, temos um pensamento político e econômico. Mas, cabe reconhecer, que nem sempre fomos muito originais. No século XX, especialmente a partir dos anos 1930, o principal embate ideológico foi entre os marxistas e liberais. Na maioria das vezes, os dois campos produziram pastiches adaptando a fórceps a especificidade brasileira aos cânones ideológicos ocidentais. Consequentemente, a qualidade e a originalidade da produção e do debate político-econômico foram ruins, não passando da recitação de slogans vazios.

 

Durante decênios assistimos a um embate entre dois modelos que o Brasil deveria seguir: o socialista (tendo na União Soviética a principal matriz) ou o capitalista (a referência maior era os Estados Unidos). Foi produzida ampla literatura — geralmente de qualidade sofrível. Nenhum dos dois lados conseguiu identificar que o Brasil teve uma história muito distinta. O desenvolvimento de um capitalismo tardio na periferia deu ao nosso pais tarefas e problemas a serem enfrentados que não eram os mesmos dos modelos apregoados pelos repetidores do liberalismo ou do marxismo.

O Estado forjado pela Revolução de 1930 passou a ter decisiva presença na economia devido a uma necessidade histórica. Não havia capitais privados para o enfrentamento das tarefas indispensáveis ao desenvolvimento nacional. Sem isso, o Brasil continuaria um país de segunda classe. O problema foi que, de um lado, os marxistas idealizaram este processo fechando os olhos para, entre outros problemas, o empreguismo e a corrupção. Por outro lado, os liberais demonizaram o intervencionismo estatal como se não houvesse distinções radicais entre a formação histórica brasileira e a estadunidense. Apesar do oportunismo marxista, isto não alterou em nada a ação repressiva estatal contra eles próprios. Também em relação aos liberais, seus pregoeiros silenciaram (quando não apoiaram) as ditaduras (tanto a militar como a do Estado Novo, ambas sob forte influência do positivismo).

Este processo de esquizofrenia política foi se acentuando no fim do século passado. A queda do Muro de Berlim poderia ter conduzido a uma revisão do pensamento marxista (e seus assemelhados) e do liberalismo. Mas não. O primarismo analítico permaneceu. Os marxistas mantiveram o antigo inimigo (o imperialismo americano) e adaptaram sua visão de mundo tendo no velho caudilhismo latino-americano — agora recauchutado — o pilar principal de atuação política. No caso brasileiro — como o caudilhismo clássico nunca foi um elemento dominante — restou dar a Lula este papel, com nuances, claro, dada a distinção entre a formação social brasileira e a América Latina de colonização espanhola. Já os liberais adotaram como referência as ações desenvolvidas nos Estados Unidos e na Inglaterra nos governos Reagan e Thatcher, como se o capitalismo tupiniquim fosse similar ao daqueles países.

Em meio a este terreno coalhado de néscios, pensar o Brasil na complexa conjuntura que vivemos não é tarefa fácil. Um bom caminho é retomar a nossa história das ideias, ler nossos clássicos, aqueles que pensaram de forma original o Brasil. E desafios não faltam. O que fazer com a Petrobras? Novamente temos de romper o círculo de ferro das soluções primárias. A questão central é entender o que aconteceu com a ex-maior empresa brasileira. Não cabe dizer que tudo o que está ocorrendo não passa de uma conspiração externa e, portanto, deixar tudo como está. Ou afirmar como solução mágica a privatização da empresa fazendo coro com o marido traído que resolveu trocar o sofá da sala. São dois meios de pensar que reforçam a adoção de soluções simples e, geralmente, absolutamente equivocadas. Cabe entender histórica e politicamente como a Petrobras chegou a essa situação e quais os caminhos para retirá-la das mãos dos marginais do poder e seu projeto criminoso antirrepublicano e antinacional.

Da mesma forma, teremos de encontrar os meios para combater a administração Dilma. Tudo indica que viveremos uma presidência sob crise permanente. O governo nem bem começou e já ocorreu um atrito entre a presidente e seu ministro do Planejamento. E é só o primeiro. A bacharel — que durante anos se apresentou como “doutora” em Economia — chegou até a recusar um convite para um banca de doutorado dizendo “não ter tempo para essas bobagens” — vai querer dar seus pitacos, principalmente com o agravamento da situação econômica. E, também nesta questão, temos de fugir da velha polaridade.

A crise política é inevitável. Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Teremos, efetivamente, o grande teste das nossas instituições — o impeachment, em 1992, não passou de um ensaiozinho: chutar cachorro morto, todo mundo chuta. As antigas formas de pensar vão, como de hábito, recitar suas ladainhas, eivadas de estrangeirismo, preconceito e autoritarismo. O desafio vai ser o de encontrar uma saída democrática, original e de acordo com a nossa formação histórica. Pode ser o tão esperado momento de ruptura que estamos aguardando desde 15 de novembro de 1889, quando a República foi anunciada, mas até hoje aguarda, ansiosamente, ser proclamada. 

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Fonte:
Reuters + O Globo

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