Para PMDB, governo Dilma sofre apagão político (por Josias de Souza, do UOL)

Publicado em 11/02/2015 14:42

O relacionamento de Dilma Rousseff com o partido do vice-presidente Michel Temer atingiu um grau inédito de deterioração. O principal problema é que o PMDB é incapaz de reconhecer a lealdade da presidente da República. E ela é incapaz de demonstrá-la. Na avaliação da cúpula do principal sócio do petismo, a articulação política do governo sofre uma pane. Na noite passada, um cacique peemedebista chamou o fenômeno de “apagão político”.

Segundo esse diagnóstico, Dilma vem perdendo todas as oportunidades que a conjuntura lhe oferece para se achegar ao PMDB. Em consequência, a presidente começa a se tornar uma oportunidade que o PMDB aproveita. A animosidade do Planalto ajudou a resolver a divisão interna da legenda. Antes, havia pelo menos dois PMDBs: o da Câmara e o do Senado. Hoje, esses grupos operam juntos —em sintonia com Temer, um vice que Dilma insiste em tratar como versa.

Desde o reinício das atividades legislativas, em 1º de fevereiro, Dilma sofre uma derrota atrás da outra. Todas têm algo em comum: as digitais do PMDB. Só nesta terça-feira, foram duas, ambas na Câmara. Numa, Eduardo Cunha levou a voto, em turno final, a emenda constitucional que obriga o governo a desembolsar as verbas destinadas pelos congressistas aos seus redutos eleitorais.

Noutra, Eduardo Cunha entregou a um oposicionista, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a presidência da comissão especial que colocará em pé uma proposta de reforma política. O ponto de partida é um anteprojeto cujo conteúdo é o avesso de tudo o que o PT e Dilma gostariam de ver aprovados numa reforma do gênero. O relator da comissão será o peemedebista Marcelo de Castro (PI). Reservou-se para o PT uma insignificante vice-presidência.

Cunha faz tabelinha com Renan Calheiros, que também retira das gavetas do Senado propostas de alterações na legislação político-eleitoral. Planeja-se uma conciliação das propostas. A ideia é preparar um texto comum, para ser votado nas duas Casas legislativas ainda no primeiro semestre. Está combinado que ficarão de fora dois dogmas do PT: o fim do financiamento privado e o voto em lista. A Constituinte exclusiva do PT e o plebiscito de Dilma também irão para o beleléu. Com sorte, o Planalto obterá um referendo. Se bobear, nem isso.

Aos poucos, o espírito irritadiço do PMDB se espraia por todo o condomínio governista. A insatisfação é maior na Câmara. Mas começa a contaminar os aliados do Senado. As duas Casas tramam juntas o próximo bote. Planeja-se derrubar o veto de Dilma à correção de 6,5% na tabela do Imposto de Renda. A votação deve ocorrer em 24 de fevereiro, numa sessão do Congresso, com deputados e senadores.

O Planalto alegou que Dilma passou o percentual de 6,5% na faca porque o Tesouro só conseguiria suportar uma correção de 4,5%. Eduardo Cunha avisou: se quer corrigir a tabela do IR em percentual menor, o governo precisa enviar uma nova proposta ao Congresso, negociando sua aprovação. Do contrário, não restará aos aliados senão ressuscitar os 6,5% que a presidente vetou.

Na prática, Dilma e o PT estão sendo desligados da tomada pelos partidos que deveriam prover a propalada governabilidade. Deu-se algo inusitado: em troca da perspectiva de obter apoio congressual, Dilma formou um ministério loteado e convencional. Arrostou o desgaste. E não vem obtendo a contrapartida. No geral, as bancadas dão de ombros para os pedidos dos “seus” ministros.

Num instante em que o PT é segregado pelos demais partidos, Dilma constituiu um conselho político 100% feito de petistas. Integram o grupo cinco ministros: Aloisio Mercadante (Casa Civil), Pepe Vargas (Relações Institucionais), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), Jaques Wagner (Defesa) e Ricardo Berzoini (Comunicações). Por que Temer foi excluído desse colegiado?, perguntam-se os peemedebistas, sem obter resposta.

Pepe e Mercadante, os dois principais operadores políticos da presidente, não são levados a sério pelos peemedebistas. “Volta e meia, alguém vai conversar com o Mercadante e não volta nunca mais”, diz um dos generais do PMDB, antes de criticar a “arrogância'' do chefe da Casa Civil. “Quanto ao Pepe, virou piada”, acrescenta. “Ele é do tipo que, para pregar um prego sem martelar o dedo, precisa segurar o martelo com as duas mãos.”

A atmosfera belicosa restituiu ao Palácio do Jaburu a aparência de Quartel General. A exemplo do que já ocorrera no primeiro mandato de Dilma, a residência oficial de Temer tornou-se ponto de encontro dos irascíveis dirigentes do PMDB. Formou-se ali um consenso. Avalia-se que Dilma precisa retomar a iniciativa política antes do final do mês. Por quê?

A deterioração do cenário tende a se aprofundar depois que a Procuradoria da República der à luz os pedidos de investigação contra políticos enroladas na Operação Lava Jato. Diante do pé d’água, Dilma pode não encontrar nenhum guarda-chuva quando olhar para os lados. Quem tiver um, vai abri-lo sobre a própria cabeça, tentando se molhar o mínimo possível.

“Quando a popularidade sorria para a presidente, até os piores defeitos dela se pareciam muito com virtudes'', ironizou um dirigente do PMDB em conversa com o repórter. “Depois que o Datafolha revelou os humores da rua, tem gente achando que Dilma não merece nem 'bom-dia'.''

No EL PAÍS: O melhor não é que Lula volte, mas que lidere uma grande reforma do Estado (por Juan Árias)

Seria interessante saber o que o carismático ex-presidente Lula da Silva pensa sobre o momento crítico vivido pelo Brasil e como está disposto a agir. O melhor para ele seria tentar voltar ao Governo? Com ele, especialmente em seu primeiro mandato, o país se tornou objeto da inveja mundial. O Brasil era um sonho atingível. 

Uma vez Lula teve razão com seu mantra “nunca neste país”, porque era verdade que o Brasil nunca tivesse estado mais visível sob as luzes do mundo, transpirando esperança e possibilidades.

O que sentiria Lula vendo que aquele Brasil, que não deixa de ser uma potência econômica por seus recursos naturais e humanos, com uma posição central no continente, vive momentos de desencanto e desinteresse pela política, começando pelo seu próprio partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), que, em frase sua, fundou “para ser diferente” e que hoje vive sua maior crise de credibilidade, sendo igual ou mais que qualquer outro em relação a deslizes éticos? Será verdade que já pediu para que ponha em marcha a máquina de sua reeleição?

É fácil atribuir a Lula coisas que ele provavelmente não diz nem pensa. A prova dos nove seria saber, por exemplo, quais são suas autênticas relações com sua discípula, Dilma Rousseff, a qual hoje querem apresentar como alçando voo sem necessidade do sopro de seu criador, e até contra ele.

Há quem tenha chegado a dizer com certa graça que é possível que nem mesmo Lula saiba o que pensa de Rousseff, nem o que gostaria dela neste momento, se transformá-la no bode expiatório de toda esta inquietação que agita os brasileiros ou se seria melhor ajudá-la a não fracassar, para que não se pudesse um dia dizer que ele errou ao apresentá-la como a “melhor candidata” e sucessora sua, como “a mãe que cuidaria do Brasil”.

Difícil também saber o que Lula pensa sobre a renovação ou refundação do PT, já que sempre se disse que o partido não existiria sem ele, nem ele sem o partido. Isso continua a ser verdadeiro?

O ex-presidente se tornou — ou foi tornado — no contrário do bode expiatório, papel esse que cabe mais a Dilma.

O ex-sindicalista continua sendo visto, com razão ou sem ela, como o curinga, a carta mestre que permite ganhar qualquer aposta. Daí o movimento “Volta Lula”, lançado não apenas pelo PT, mas por milhões de eleitores que seguem vendo-o como salvador da pátria.

Difícil saber se é correta a notícia publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, segundo a qual Lula já teria dado sinal verde aos seus para lançarem sua candidatura, sem que se diga que foi ele que deu a ordem.

Se o Governo Rousseff fracassar e se fizerem necessárias novas eleições antes de 2018, não há dúvida de que o grito “Volta Lula” se fará mais forte. Lula é muito Lula e mantém ainda forte credibilidade e grande poder de mobilização, em especial nas classes menos escolarizadas do país, e paradoxalmente, também entre empresários e banqueiros e outros integrantes das chamadas elites.

Há um grande perigo ameaçando Lula: o que Cervantes fez mencionarem no Quixote: “Segundas partes nunca foram boas”. Ele mesmo pôde comprovar que seu segundo mandato, abalado peloescândalo do mensalão — agora multiplicado pelo do petrolão — não teve o brilho do primeiro, o que levou a oposição a dizer que ele havia deixado para Dilma uma “herança maldita”. Como seria seu terceiro mandato?

O Brasil exitoso do primeiro governo popular e de esquerda de Lula, embora tingido de pragmatismo liberal e centrista, já não é o Brasil de hoje. Desde então muita coisa mudou, no Brasil, na América Latina e no mundo. Há um cansaço com os velhos mitos e antigos salvadores da pátria, demonstrado em Cuba e na Venezuela.

No Brasil ninguém se atreve a fazer apostas sobre o futuro político imediato, porque apesar de ser um povo que se conforma com o pouco ou muito que consegue, está dando prova de que quer, até na política, algo melhor e mais novo. Já não lhe basta o passado. Os jovens pressionam para que os políticos saibam dar respostas novas às exigências e realidades do mundo em que estão entrando.

Por isso se faz necessária a pergunta se para Lula — e para o Brasil — neste momento o melhor seria voltar ao Governo num país que já não é o que foi, nem talvez tão seu como antes.

Não seria melhor para ele e para o Brasil, pensam alguns, que ele liderasse, com seu inegável carisma, sua experiência de primeiro trabalhador a chegar ao poder sem passar pela universidade, um grupo de políticos que, como ele, contribuíssem para tirar o país de sua paralisia econômica, de suas desigualdades sociais e de seu atraso cultural para inseri-lo na modernidade, sem levar em conta se são do governo ou da oposição.

Esse grupo poderia, com um trabalho de equipe, esboçar e promover, de mãos dadas com o Congresso e com a ajuda do Poder Judiciário, não uma maquiavélica reforma política, mas uma grande reforma de Estado, algo com um consenso real, que fosse até popular.

Trataria de se promover um diálogo nacional que oferecesse confiança e seriedade para tentar não apenas recolocar novamente em marcha o trem descarrilado do Brasil, mas para inventar para o país esse não sei o quê novo e diferente que borbulha nos milhões de brasileiros. Assim, esses brasileiros poderiam voltar a recuperar a esperança perdida na política e em seus representantes.

Para ele, sem dúvida, seria premissa indispensável que cada força política aceitasse tanto sua parte no acerto quanto no fracasso da gestão atual. Esconder os fracassos não ajuda.

Há momentos históricos — como ocorreu na Espanha depois da dura ditadura franquista — em que o melhor é que cada força política ou social se esqueça por um momento de ser Governo ou oposição, de seus próprios interesses de agremiação, para juntas relançarem o navio encalhado e provarem novas rotas de navegação.

Será um pecado atrever-se a dar esse conselho a Lula? E ele, se goza dessa sábia astúcia política, além dos livros da vida, não deveria se sentir responsável pelo momento que vive o país, que ele ajudou a redimir, e buscar algo mais novo, inédito e esperançoso que uma simples volta ao governo ou o vão esforço para que seu partido sozinho promova uma reforma política, por meio de um plebiscito, que já nasce morta?

Cresce, com efeito, a cada dia, como se pode captar nas redes sociais, a convicção entre os brasileiros de que, como aconselha o ditado bíblico, é inútil “remendar com tecido novo um vestido velho, ou despejar vinho novo em odres velhos” (Mt.9,16-18).

Nem o velho sozinho é capaz de dar conta do mundo novo que está surgindo, impulsionado pelo motor da comunicação global, nem o novo sozinho, por ser novo, será capaz de mudar a História desvalorizando o que já foi conquistado.

Talvez se imponha no Brasil de hoje a teoria de Hegel do nascimento de uma nova antítese que purifique a velha síntese.

Hoje essa antítese não tem por que ser levada a cabo por uma revolução violenta, mas com a elaboração inteligente e desinteressada de uma nova fase histórica levada a cabo por quem não abdicou dos valores da democracia e se dispõe a deixar de lado interesses pessoais ou de grupo para poder se colocar à disposição da comunidade.

Cada um se aferrar a seu naco de poder, jogando a responsabilidade pelo fracasso em seu companheiro ao lado, como fazem as crianças na escola, seria condenar o país a continuar rolando ladeira abaixo.

E isso o Brasil não merece.

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Fonte:
UOL + EL PAÍS

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