Editorial da FOLHA: "O arrocho chegou ao povo (e não se vislumbra melhora antes de 2016)"...

Publicado em 02/04/2015 07:28
na ediçãp desta 5a.-feira do jornal FOLHA DE S. PAULO

EDITORIAIS

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Os vulneráveis

Aumento do custo de vida e piora das condições de emprego já começam a afetar sobretudo as camadas mais pobres da população

O grau de degradação das condições econômicas nos últimos anos, que agora se acentua, deixa em posição vulnerável os segmentos da sociedade que mais se beneficiaram durante o breve período de aceleração do crescimento na década passada: a chamada nova classe média e os estratos demográficos de renda mais baixa.

O processo de inclusão social tem seus alicerces comprometidos pelo aumento do custo de vida e pela piora das condições de emprego, dois resultados dos erros cometidos no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT). A penúria orçamentária, por sua vez, inviabiliza a tentação de expandir os programas de distribuição de renda para compensar a crise.

Evidência do novo ambiente de escassez é a destruição de empregos formais --cerca de 40 mil ao mês, em média, nos últimos três meses. O desemprego cresceu de 4,6% em meados do ano passado para 5,9% em fevereiro.

Apesar do nível ainda reduzido de desocupação, fica claro que a dinâmica do mercado de trabalho mudou. Pela primeira vez desde 2003, observou-se em fevereiro redução dos salários reais (descontada recomposição da inflação).

Nesse cenário, a rotatividade da mão de obra tende a crescer, com novas contratações em patamares de remuneração abaixo dos atuais. Se há um grupo especialmente ameaçado, é o formado por quem conquistou vaga no mercado formal há pouco tempo e ganha até cinco salários mínimos.

Não por acaso o Nordeste, até há pouco exemplo de dinamismo, também apresenta quadro recessivo. Apesar de a região manter desempenho acima da média nacional, reportagem desta Folha mostrou que, em 2014, ela concentrou 30% das demissões na construção civil, setor que cortou 106 mil vagas.

Os reflexos na avaliação presidencial são patentes. A mais recente pesquisa do instituto Datafolha revelou a convergência da rejeição ao governo Dilma nas várias regiões do país e entre os diferentes estratos populacionais.

No Nordeste, o índice de ruim e péssimo passou de 11%, em outubro do ano passado, para 55%; no Sul e no Sudeste, a rejeição atinge 64% e 66%, respectivamente.

Verifica-se o mesmo fenômeno nas faixas de renda. Para 60% dos que percebem até dois salários mínimos, o governo é ruim/péssimo, índice cerca de quatro vezes superior ao de outubro. Nos outros três grupos (de dois a cinco mínimos, de cinco a dez e acima de dez), a rejeição fica em torno de 65%.

Tudo indica que começam a se concretizar os pesadelos do governo e do PT: o arrocho chegou ao povo e, pior, não se vislumbra melhora significativa antes de 2016.

 

VINICIUS TORRES FREIRE

Chuva, suor e menos cerveja

Produção de cerveja cai no primeiro trimestre, um sintoma da crise da economia da vida cotidiana

NO VERÃO DE 2015, o Brasil produziu menos cerveja. Para ser preciso, a produção de cerveja caiu mais de 4% no primeiro trimestre deste ano, na comparação com 2014. E daí, cerveja? Também ontem a gente soube que a produção de máquinas e equipamentos, bens de capital, caiu 21% no primeiro bimestre de 2015 sobre 2014. A indústria caiu 7%. Etc. Desastres.

A numeralha da crise é vasta, mas a recessão da cerveja causa uma impressão vívida, ainda que impressionista, de que o caldo entornou. Quer dizer, que a gente parou de entornar.

Dados mensais precisos sobre a produção existem faz pouco tempo. Mas, de 2002 a 2012, a produção crescia no ritmo de uns 6% ao ano. Houve a caída de 2013, segundo ano da inflação forte do preço da cerveja. Em 2014, alta de quase 5%, raridade em meio à estagnação. Portanto, 2015 por ora está com jeito de ser o pior também até na mesa de bar, em uma década ou década e meia. No caso dos refrigerantes, a queda foi maior no trimestre, 5,5%.

Há crise nas gôndolas também, para ficar na economia da vida cotidiana. No primeiro bimestre, as vendas nos supermercados cresceram menos de 2% sobre 2014. No ano passado de estagnação do PIB, nesta época as vendas cresciam 3,7%.

A Confederação Nacional do Comércio, por sua vez, crê que o crescimento do número de empregos nas lojas será zero neste ano, conforme estimativa divulgada ontem. Zero.

A empresa do governo encarregada de pesquisar e planejar o setor elétrico estimava que o consumo de eletricidade cresceria 3,2% neste ano. Nesta semana, a projeção virou para queda de 0,5%. Tivemos a sorte de um pouco mais de chuva no Sudeste, com o que irresponsavelmente passamos a prestar menos atenção à escassez de água. Mas o que talvez deve nos livrar mesmo do racionamento de energia é a recessão combinada ao tarifaço da conta.

A confiança do consumidor é a menor desde janeiro de 2009 e teve o maior colapso desde o final de 2008, dado da FGV.

A venda de carros deve ter caído 18% no trimestre. A produção da indústria paulista caiu uns 6% nos últimos 12 meses (dado da Fiesp). A capacidade ociosa da indústria não era tão grande desde fevereiro de 2009 (dado da CNI), quando havia demissões em massa e queda brutal da produção porque se disseminava o pânico da crise de 2008.

Verdade que a produção da indústria nacional mergulhou rapidamente no abismo no final de 2009, chegando a baixar 10% em outubro daquele ano (no acumulado de 12 meses). Agora, o tombo ainda está na casa dos 6%.

Os indicadores de produção e vendas despencam, portanto, quase como em 2009, ano da recessão mundial. No entanto, o mergulho de 2009 foi breve. Agora, nem começamos a viver os efeitos da recessão que virá com o arrocho, necessário para consertar o estrago de Dilma 1.

Em 2009, de resto, havia crédito aos borbotões, estímulos de gastos do governo, dinheiro baratinho nos bancos públicos; agora, o governo corta mais de 30% do seu investimento "em obras".

Enfim, apesar do pessimismo econômico momentâneo, embora agudo, havia alguma gordura para queimar instrumentos para lidar com a crise, econômicos e políticos.

Agora, o povo está cortando até a cerveja.

 

PESQUISA

Apenas 24% da população confia em Dilma, diz Ibope

Percentual de 24% é o mais baixo em 16 anos

DE BRASÍLIA - A confiança da população na presidente Dilma Rousseff inverteu-se em quatro anos, segundo pesquisa CNI-Ibope divulgada nesta quarta-feira (1º).

Em março de 2011, início de seu primeiro governo, ela tinha a confiança de 74% da população. Agora, o mesmo percentual diz não confiar em Dilma, contra 24% que dizem confiar na petista.

A sondagem mostra ainda que a reprovação a Dilma chegou a 64%. Na última pesquisa CNI-Ibope, de dezembro, ela tinha 40% de aprovação e 27% de reprovação.

Agora, apenas 12% avaliam o governo positivamente.

O levantamento foi realizado entre 21 e 25 de março com 2.002 pessoas em 142 cidades. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

O ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) afirmou nesta quarta que a fotografia do momento exige do governo "humildade e trabalho".

Mas ponderou: "Três meses de governo é apenas o início. A fotografia não é boa, mas o filme vai ser muito bom".

 

RICARDO BALTHAZAR

O que a rua quer

SÃO PAULO - O manifesto que o Movimento Brasil Livre divulgou no ano passado para anunciar ao mundo suas intenções diz que o grupo é a favor da liberdade de imprensa, da livre iniciativa, de eleições livres e da separação entre os Poderes.

Nesta semana, em meio aos preparativos dos protestos contra o governo programados para o dia 12, o movimento apresentou dez reivindicações. Além do impeachment de Dilma Rousseff, a lista inclui cortes de ministérios, o fim da publicidade oficial e a concessão de asilo político ao líder oposicionista venezuelano Leopoldo López, preso desde fevereiro.

O movimento Vem pra Rua, outro que se destacou na organização das manifestações contra o governo em 15 de março, também tem uma nova lista de desejos. Ele quer Dilma fora do governo, mais transparência no BNDES, a continuidade das investigações sobre corrupção na Petrobras e o fim do Foro de São Paulo, um clube de grupos esquerdistas latino-americanos do qual o PT participa.

É natural que esses movimentos aproveitem para diversificar sua pauta enquanto os holofotes estão ligados, mas dificilmente isso servirá para arrastar multidões daqui a dez dias. Parece fácil convencer as pessoas sair de casa para gritar palavras de ordem contra Dilma e pedir o fim da roubalheira. Mas é muito improvável que elas se importem com Leopoldo López e o Foro de São Paulo.

Segundo o Datafolha, 47% dos manifestantes que foram às ruas em São Paulo em 15 de março tinham como motivação principal a indignação com a corrupção. Somente 27% disseram que foram à avenida Paulista pedir o impeachment de Dilma.

Embora as pessoas estejam insatisfeitas com o governo e angustiadas com os rumos da economia, muitas ainda não parecem convencidas de que a solução dos seus problemas esteja na saída de Dilma. Essa dissonância entre as ruas e os líderes das manifestações mostra que a presidente ainda tem margem de manobra para tentar salvar seu governo.

 

BERNARDO MELLO FRANCO

Gabrielli e o punho cerrado

BRASÍLIA - A crônica do petrolão já havia produzido uma frase para os livros de história. Foi pronunciada por Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, ao ser preso pela Polícia Federal no Rio: "Que país é este?".

Nesta terça-feira, apareceu a melhor imagem do escândalo até aqui. É uma foto de José Sergio Gabrielli, ex-presidente da estatal, em ato promovido pelo PT e pela CUT na Quadra dos Bancários de São Paulo.

A cena foi fabricada pelo próprio personagem. Estrategicamente posicionado atrás do ex-presidente Lula, Gabrielli se levantou e ergueu o braço direito com o punho cerrado.

O petista imitava o gesto de José Dirceu e José Genoino, seus colegas de partido, ao serem presos no fim do processo do mensalão.

Gabrielli já teve os bens bloqueados pela Justiça e pelo Tribunal de Contas da União, que investigam sua participação na compra da notória refinaria de Pasadena.

Sob seu comando, atuavam três diretores da petroleira presos na Lava Jato: Duque, Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró. Um quarto diretor, Jorge Zelada, acaba de ter R$ 40 milhões bloqueados em Mônaco.

O ex-presidente da Petrobras ainda não é réu na Lava Jato, mas quem acompanha as investigações não se surpreenderá se ele aparecer na próxima leva de denúncias.

Além de inoportuno, o gesto de Gabrielli revelou falta de originalidade. Há um ano, o então deputado petista André Vargas também imitou os mensaleiros na Câmara. Não deu sorte: pouco depois, ele caiu na teia da Lava Jato e teve o mandato cassado.

No mesmo ato, Lula atribuiu a má fase do PT em São Paulo ao conservadorismo dos paulistas. "Eles são fortes aqui. Primeiro forte era o Jânio. Depois virou o Maluf. (...) Aqui tem um povo mais conservador", disse. Será interessante ver se o ex-presidente voltará à casa de Maluf no ano que vem para pedir apoio à reeleição de Fernando Haddad.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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