Roberto Campos e a armadilha da renda média

Publicado em 19/10/2016 06:58 e atualizado em 19/10/2016 09:16
Por MARCOS TROYO, na FOLHA DE S. PAULO

Roberto Campos e a armadilha da renda média

O último dia 9 marcou os 15 anos da morte de um grande pensador brasileiro, o embaixador Roberto Campos. Para quem quiser saber se o Brasil está avançando —na riqueza dos cidadãos e das ideias— vale a pena não apenas revisitar sua grande produção ensaística mas também os vídeos de suas deliciosas entrevistas.

As idas de Roberto Campos ao programa "Roda Viva" são particularmente importantes. A natureza dos debates registrados nos anos 1990 dá a incômoda impressão de que o tempo não passou. Quaisquer das ideias do grande liberal caberiam no debate do Brasil de hoje. Se isso oferece a dimensão de como a visão de mundo de Roberto Campos estendia-se ao futuro, mostra também como o Brasil ainda se prende aos debates privatização/estatização, liberalização/protecionismo.

  Evelson de Freitas-14.fev.00/Folhapress  
Sao Paulo - 14.02.00 - foto: Evelson de Freitas/Folha Imagem//O diplomata, economista e membro da ABL Roberto Campos durante a palestra
O diplomata e economista Roberto Campos durante palestra em fevereiro de 2000

Das palavras de Roberto Campos, depreende-se também que ele não conseguiu realizar um sonho —o de ver, ao final da vida, um Brasil liberto de ideias insularizantes. E tornar-se, assim, um país de elevada renda per capita. Para isso, Campos sabia do imperativo de conjugar liberdade, instituições e estratégia.

A necessidade de se postar a liberdade a serviço de um projeto estratégico, convida, de fato, ao repensar de um conceito que continua bastante atual: a chamada "armadilha da renda média". Trata-se do "ponto de inflexão" na trajetória de desenvolvimento dos países, tal como formulou Arthur Lewis, vencedor do Prêmio Nobel em Economia, em 1979.

Ferramenta utilizada para analisar a estagnação da economia brasileira a partir dos anos 1980, a noção de "armadilha" hoje vem sendo empregada para examinar o futuro das economias de renda média da Ásia que experimentaram elevado crescimento do final da década de 1970 até hoje. Mais do que tudo, examinar hoje a "armadilha" traz à tona os verdadeiros elementos que permitem crescimento elevado —e sustentado— ao longo do tempo.

Os pressupostos dessa maneira de analisar o problema são os seguintes: é mais fácil —e rápido— para uma nação deixar um nível de renda baixa para o de renda média do que sair da renda média e ingressar no clube de países de renda elevada. O percurso da renda baixa à média se faz por "imitação" (adaptação criativa); o da média à alta por "inovação" (destruição criativa). Países de crescimento rápido são aqueles cuja economia expande-se a níveis superiores a 3,5% ao ano em ciclos de no mínimo 7 anos.

No limite, países de renda média têm dificuldade de competir com nações de renda mais baixa em produtos de menor valor agregado. Sofrem também com a competição dos mais ricos em bens e serviços mais sofisticados. Em suma, a "armadilha" implica que aqueles nela enredados padecem das limitações do crescimento elevado e rápido, sem, no entanto, haver atingido o grau de especialização da produção e a qualidade de vida das nações mais desenvolvidas.

O Brasil tem como romper as amarras da armadilha da renda média? Não é fácil, pois, como bem aponta o professor Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia-Berkeley, a desaceleração do crescimento é sinônimo de desaceleração da produtividade total dos fatores (PTF). Este é um parâmetro esclarecedor. Reforça a noção de que os períodos de elevado crescimento da economia brasileira associam-se (1) à vigorosa demanda global por commodities em que o Brasil apresenta vantagens comparativas ou (2) a períodos de proteção do mercado via substituição de importações, forte papel do Estado na composição da demanda e consumo interno voraz.

O primeiro parâmetro nos atrela à expansão da infraestrutura e a uma aquecida demanda por bens agrícolas de países como a China ou a Índia. O segundo aposta numa veloz —e duradoura— construção de capacidades locais, de modo a compensar pela ineficiência e pelos altos custos dos estágios iniciais das políticas de favorecimento de conteúdo local. Além, é claro, de instigar crescentemente a disposição a consumir do cidadão brasileiro. Este segundo parâmetro foi aposta recente das administrações Lula-Dilma, com desastrosas consequências.

Que bom seria utilizar nossas credenciais agrícolas e minerais como base para incrementar os vetores (educação, ciência, tecnologia, inovação) que, de fato, empurram para cima a produtividade total dos fatores. São eles que permitem a um país escapar da armadilha da renda média. Para esse fim, o Estado tem de estar liberado de tarefas pseudorregulatórias para realmente dedicar-se ao fortalecimento dos elementos-chave do desenvolvimento.

Na entrevista ao "Roda Viva" em maio de 1997, Roberto Campos dizia "venho defendendo, há muitos anos, ideias liberais, abertura econômica, internacionalização da economia, o Brasil está marchando nesse sentido. Está longe de ser um país liberal, não somos vítimas do liberalismo, nem sequer somos ameaçados pelo neoliberalismo".

Campos não previu a ascensão do Estado-capitalismo no Brasil de 2003 a 2016. Esta é uma das razões pelas quais seu sonho de um Brasil próspero continua irrealizado.

 

 

Indústria 4.0 gera medo e fascinação (MARCOS TROYO)

Não importa se sua empresa atua no setor de sementes ou na tecelagem; se seu negócio é uma agência de publicidade ou fornecer autopeças.

Provavelmente você já participou de alguma reunião —sobretudo de planejamento estratégico— em que tenham aparecido conceitos como "internet das coisas" —a onipresente IoT (na sigla em inglês)— ou inteligência artificial (IA).

Vários fatores confluem para acentuar esses fenômenos disruptivos.

Os smartphones são mais populares do que nunca. Norte-americanos com menos de 25 anos preferem ter um smartphone de último tipo do que um carro esportivo.

Na Índia, há mais aparelhos de telefonia celular do que vasos sanitários. Os custos de tecnologia caem no mundo todo. A conectividade —banda larga, wi-fi— se alastra de modo exponencial.

Bancos de dados, impressoras em 3D, plantas industriais robotizadas, chips de geoposicionamento, tecnologia "vestível" (como o Apple Watch), veículos motorizados (como o Google Car), eletrodomésticos, aeronaves não pilotadas (como os drones das Forças Armadas dos EUA) compõem o vasto estoque de itens "conectáveis".

  Nacho Doce - 13.ago.2013/Reuters  
Trabalhadores na produção de automóveis da montadora Ford, em São Bernardo do Campo (SP). O Governo pode elevar a quantidade exigida de auto-peças brasileiras em um véiculo para que as montadoras recebam os incentivos fiscais previstos no regime automotivo. *** Brazilian workers polish Ford cars on a assembly line at Sao Bernardo do Campo Ford plant, near Sao Paulo August 13, 2013. The pace of vehicle production in Brazil slipped in July to the lowest daily rate in five months as factories, facing sagging consumer confidence, scaled back output, industry data showed on August, 6. Anfavea, the national automakers association, said automobile production in Brazil fell 2.7 percent from June, even though July had three additional work days. Factories produced about 13,600 cars a day, the lowest rate since February. REUTERS/Nacho Doce (BRAZIL - Tags: TRANSPORT BUSINESS EMPLOYMENT)
Trabalhadores na produção de automóveis da montadora Ford, em São Bernardo do Campo (SP)

Estima-se que, em dez anos, tudo o que pode ser conectado estará conectado. Já hoje o número de objetos interconectados (14 bilhões), segundo a consultoria Gartner, é o dobro da população mundial.

Internet das coisas e a própria IA são portanto alguns dos principais aceleradores da chamada "Quarta Revolução Industrial". Nela, ainda que atuemos em diferentes segmentos do agronegócio ou da indústria siderúrgica, no ramo de cinema ou num supermercado, no limite seremos todos empresas de tecnologia, ou desapareceremos do mercado.

Essa nova realidade gera, por óbvio, medo. E tais temores não se centram tão somente na acelerada substituição da presença humana em diferentes processos produtivos.

Não se trata portanto apenas de robôs expulsando trabalhadores de macacão numa linha de montagem. Ou ainda carros autônomos que potencialmente sucederão os motoristas do Uber, que por seu turno convulsionam os serviços tradicionais de táxi.

A ascensão da IA fez com que o físico Stephen Hawking tenha recentemente advertido que as máquinas estão ficando inteligentes demais —e que os humanos perderão o controle.

O eminente cientista britânico chegou a apontar que a IA pode representar o maior acontecimento da história humana —e talvez o último.

Titãs da tecnologia, como Bill Gates e Elon Musk, indicam que deveríamos gastar mais tempo e dinheiro na avaliação dos riscos da IA e não simplesmente acelerar seu desenvolvimento.

Daí cabe perguntar: se as máquinas poderão ser cada vez mais criativas e portanto tomar decisões independentes, não nos arriscamos a que elas optem por ações contra nós?

O cinema dos anos 1980, em clássicos de ficção científica como "Blade Runner" ou "O Exterminador do Futuro", antecipava esses pesadelos.

Estes são alguns dos temas tratados na recente entrevista que Fareed Zakharia, apresentador do programa "GPS" da CNN, realizou com Ginni Rometty, presidente da IBM.

Essa entrevista, uma das mais vistas dentre todas as edições do "GPS", é um excelente resumo do balanço risco/oportunidades das novas tecnologias. É obrigatório assisti-la.

Rometty argumenta que os benefícios de plataformas de IA em muito superarão as ameaças que emergem com tais tecnologias. O campo da medicina é um deles. Os sistemas computacionais cognitivos teriam mais que ver não com inteligência "artificial", mas inteligência "aumentada".

Que dizer de uma tecnologia, como o Watson, que já assimilou toda a literatura publicada até o presente sobre o câncer, em seu papel de aconselhar os médicos quanto ao melhor tratamento possível?

Para o comércio global, a disseminação dessas tecnologias levaria a um gigantesco processo de desintermediação. Isso poderia gerar imensas oportunidades para empresas de pequeno e médio porte, bem como para o perfil exportador de países mais economicamente periféricos. Apontaria também caminhos para superar entraves à liberalização comercial como os que minaram a Rodada de Doha da OMC.

Que governança (se alguma) é necessária para que os claros benefícios desse novo ciclo tecnológico sejam sentidos em nações dos mais variados níveis de desenvolvimento relativo? Como equipar as pessoas para essa nova etapa intensiva em talento? Responder a essa questão talvez seja o principal desafio para as relações internacionais do próximo quarto de século.

A Indústria 4.0 revolucionará a especialidade de profissionais; o "core business" de empresas; as vantagens comparativas de países. Por isso, suscita medo e resistência —mas também ilimitadas possibilidades e fascinação. 

 

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Fonte:
Folha

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