Satiagraha desnuda o patrimonialismo presente nas relações políticas do Brasil

Publicado em 07/08/2008 07:12

CORRUPÇÃO Privatizações da era FHC deram fôlego à promiscuidade entre público e privado, dizem especialistas

A OPERAÇÃO Satiagraha da Polícia Federal explicita algumas características que estruturaram a fundação da sociedade brasileira: a promiscuidade entre agentes públicos e privados e o ranço patrimonialista que permanece vigente nas relações políticas e econômicas. Essa é a avaliação de especialistas consultados pela reportagem.
A afirmação dos analistas tem como base o livre trânsito do banqueiro Daniel Valente Dantas em boa parte das esferas de poder da República e a facilidade com que concretiza negócios em seu favor, com a conivência do poder central, quando não com o seu apoio irrestrito.
Se a sociedade brasileira foi fundada com esses preceitos, as privatizações iniciadas no período do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) praticamente legalizaram as ações para fins privados dentro do setor público. Os mandatos FHC também foram responsáveis por alavancar Dantas à condição de um dos homens mais poderosos do Brasil.

Estado “atuante”
O sociólogo Francisco de Oliveira acredita que a operação da PF e os seus desdobramentos revelam que a “utopia neoliberal do Estado mínimo” está longe de ser alcançada, já que o poder público tem um papel central na execução de operações irregulares. “O Estado tem um papel importante no capitalismo desde [Getúlio] Vargas e, com as privatizações, acabaram com toda discussão do discernimento entre público e privado. A partir de então, virou um ‘melê’ total. A gestão FHC abriu as portas para o capitalismo pirata. Na gestão Lula, houve uma manutenção, mas pode haver um recrudescimento, se forem realizadas novas privatizações”, considera.
Para ele, o grupo de Dantas não pode sequer ser denominado “máfia”, já que suas operações estão inseridas dentro da lógica que forjou o Estado brasileiro. “A corrupção é uma doença genética do capitalismo brasileiro. É uma composição do capitalismo formador da sociedade. Isso não é uma máfia, pois não é um acidente de percurso, nem uma ‘escroqueria’ tipicamente brasileira, A existência disso é estrutural no capitalismo periférico”, avalia o sociólogo.
Além das privatizações, outro elemento novo que alavanca esse tipo de operação é a associação de grandes grupos econômicos com os fundos de pensão de trabalhadores de empresas estatais, segundo o sociólogo. No governo FHC, Dantas realizou operações bem sucedidas de aproximação com os fundos, como a Previ. Associado à caixa de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, o banqueiro chegou ao posto de sócio-diretor da Brasil Telecom. De proximidade, a relação passou para o litígio judicial, por conta da disputa acionária no âmbito da empresa. “Os fundos de pensão são sócios do capitalismo pirata. São fundos públicos, mas transformaram-se na forma de privatização mais perversa. São homens de negócio, não há nenhuma surpresa no fato de eles estarem envolvidos nesses esquemas, isso vem da natureza capitalista desses fundos. São fundos de propriedade dos trabalhadores que estão desempenhando um papel contrário aos interesses da maioria deles, o que depõe contra o caráter republicano dessas entidades”, opina Oliveira.
Intercâmbio público-privado O jornalista e economista Luiz Marcos Gomes também crê que as privatizações deram uma permissividade maior ao favorecimento de grupos privados por meio da esfera pública. Gomes é autor do livro Os homens do presidente, que traça um perfil dos principais quadros do governo FHC, em sua maioria banqueiros e financistas.
Para ele, a figura de Dantas pode ser comparada à de outros personagens da história política brasileira. “A existência de homens poderosos, com bom trânsito junto ao meio político, sempre foi uma coisa normal no Brasil, pois sempre fomos um país dirigido por membros ou representantes das elites agrárias, industriais e financeiras. Como exemplo de fi guras que circulavam com desenvoltura entre o público e privado, podemos citar o economista Roberto Campos e o embaixador Marcílio Marques Moreira”, afirma.
Roberto Campos participou dos governos militares como ministro do Planejamento e presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sempre com uma relação de proximidade aos grupos financeiros. Já Moreira foi ministro da Fazenda durante o governo Fernando Collor (1990- 1992), depois de ter sido vice-presidente do Unibanco. A diferença entre eles e Dantas, segundo Gomes, é que o último nunca se expôs diretamente num cargo público, apesar de seu relacionamento íntimo com alguns governos. “Em 1989, ele conversou com Collor em Roma, quando este acabara de se eleger. Lá, recusou o convite para ser ministro da Fazenda. Mas, nessa reunião, certamente, teve acesso a informações como o confisco das poupanças, podendo se beneficiar disso”, explica.
Entre os “homens do presidente” FHC, Dantas desponta como um dos grandes operadores da época. Ele “desfalcou” o governo tucano quando trouxe para o Banco Opportunity Pérsio Arida, ex-presidente do BNDES, entidade que coordenou o processo de privatização, e Elena Landau, diretora de desestatização do banco. “Essas fi guras tinham informações importantes que serviram para Dantas participar dos processos de privatizações, associando-se aos fundos de pensão”, revela o jornalista.(Renato Godoy de Toledo)

 

 

Fonte: Brasil de Fato

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Fonte:
Brasil de Fato

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