Protecionismo de Trump pode conter vantagem brasileira, por Sergio de Zen e Mariane Crespolini

Publicado em 24/02/2017 11:23
Por Sergio De Zen, professor da Esalq/USP e pesquisador do Cepea e Mariane Crespolini, doutoranda na Unicamp e pesquisadora do Cepea

O novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem gerado especulações em todas as economias do mundo e a falta de previsibilidade das suas ações já vem impactando negativamente nas expectativas dos agentes econômicos. O slogan do presidente norte-americano “América para os americanos” busca taxar produtos importados e proteger a indústria local.

No final de janeiro, Trump decidiu abandonar o Acordo de Parceria Transpacífico (TPP), um dos maiores acordos comerciais da história. Antes do abandono dos Estados Unidos, o TPP envolvia 12 países, responsáveis por 40% da economia mundial. Como os Estados Unidos são o segundo maior exportador de carne bovina do mundo, a saída do acordo poderia favorecer o mercado brasileiro de carne, à medida que pode deslocar a demanda de outros países do TPP para o Brasil. Em 2016, os 11 países restantes do TPP  (Japão, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Peru, Malásia, México, Nova Zelândia, Cingapura e Vietnã) absorveram 8,95% das exportações brasileiras de carne bovina in natura, 8,5% das de carne suína e 15,3% das de frango, segundo informações da Secex (Secretaria de Comércio Exterior). 

A saída norte-americana do TPP também pode abrir mais espaço para o Brasil nos mercados chinês e – no tão exigente – japonês. Esse contexto é verificado num momento em que lideranças políticas brasileiras, como o ministro Blairo Maggi, buscam estabelecer melhores relações comerciais com o mercado asiático, que podem representar outras oportunidades para o Brasil.

Por outro lado, medidas protecionistas de médio e longo prazos podem reduzir ou até mesmo eliminar vantagens técnicas da pecuária de corte brasileira “dentro da porteira”, justamente um fator que faz o País ser tão competitivo internacionalmente. Acordos de livre comércio estimulam os países a se especializaram em setores nos quais são mais eficientes. Porém, conforme as barreiras comerciais aumentam, caminhando para um protecionismo, essa eficiência é distorcida. Dados levantados pelo Agri benchmark – no qual o Brasil é representado pelo Cepea –, por exemplo, indicam que o custo de produção de um quilo de carne no País é um dos menores do mundo, cenário que eleva a competitividade do produto brasileiro no mercado global.

Além dos Estados Unidos, outras ações visando uma desglobalização vêm sendo observadas, sendo a decisão da Inglaterra de sair da União Europeia uma delas. Para este ano de 2017, uma das eleições mais relevantes para a economia mundial será a da França. Quem desponta nas pesquisas, com quase 30% das intenções de voto, é a candidata Marine Le Pen, que já afirma a pretensão de tirar a França da Zona do Euro e de frear a entrada de imigrantes no país. Quanto à China – que no correr de 2016 liderou por alguns meses como o maior comprador de carne bovina brasileira –, mesmo que o governo afirme que não irá adotar medidas protecionistas, o país divulga planos para que a população reduza o consumo de carne. 

Entre tantas especulações sobre o futuro, decisões como a de Trump e a trajetória cogitada para a desagregação da Europa até podem favorecer no curto prazo a exportação de carne bovina brasileira, mas, no longo, as desvantagens à cadeia pecuária nacional podem ser maiores. Além disso, ainda que imprevisível, o protecionismo e a desglobalização aumentam ainda mais as assimetrias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. No caso do Brasil, a economia tem sido socorrida pelo setor agro, mas, em mercado protecionistas, produtos têm valor agregado inferior ao observado em outras economias, o que pode abalar o poder de negociação e reduzir as vantagens produtivas “dentro da porteira”. 

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Sergio de Zen e Mariane Crespoli

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