Sem populismo na economia, por Roberto Padovani

Publicado em 06/08/2020 10:05 e atualizado em 06/08/2020 10:37
Apesar de o Brasil ter vivido governos populistas de esquerda e de direita, tudo indica que a nova experiência irá preservar a economia Roberto Padovani - Economista-Chefe do Banco BV

Uma variável que tem sido um divisor de águas entre os cenários otimistas e pessimistas é apolítica. Há o temor de uma volta do populismo econômico, o que implicaria abandono do teto de gastos e da agenda de reformas, aprofundando a crise econômica.

O medo de uma guinada populista faz sentido. Além da onda global recente, o populismo tem sido uma caraterística marcante na política brasileira desde 2006. Tudo indica, no entanto, que desta vez a gestão da economia será preservada.

Apesar de “populismo” ser um conceito vago e associado a discursos eleitorais demagógicos de líderes carismáticos populares 1, a característica central apontada por definições mais recentes é a presença de um discurso maniqueísta, que separa a sociedade entre o “povo sincero” e a “elite corrupta” 2. Seria mais uma prática política, que se adapta tanto a governos de esquerda quanto de direita. A única ideologia seria a postura antissistema e contra o status quo.

Ainda que “povo” e “elite” também sejam termos imprecisos e abstratos, a ideia principal é que a maioria da população é oprimida por um establishment - mídia, grandes empresas, partidos políticos tradicionais e o judiciário - que defende privilégios e interesses especiais. A elite estaria ligada a interesses estrangeiros e pessoais, insensível às preocupações e angústias cotidianas da população.

Os ciclos populistas tendem a surgir em contextos de crises e desemprego 3, mas há também um mal-estar gerado por temas mais amplos. Além dos avanços tecnológicos dos últimos serem fontes de mudanças, a globalização gera maior integração comercial e financeira, pressionando por mais produtividade, ampliando a competição e incentivando a imigração e seus inevitáveis choques culturais. Por último, a globalização limita a autonomia política e a liberdade econômica nas escolhas de políticas públicas 4.

Neste contexto de crise e globalização, o desemprego faz com que a população demande e fique suscetível a ideologias salvadoras, ao mesmo tempo em que as amarras institucionais e a racionalidade econômica impedem respostas rápidas, ampliando a tensão. Não por outro motivo, há uma irritação com as instituições. Ao proteger as minorias e permitir a independência da burocracia na gestão pública, as instituições estariam, supostamente, limitando o desejo da maioria. Haveria um cansaço da maioria silenciosa com o politicamente correto e pautas progressistas.

O mundo passa então a ser binário e a superação da crise se resume a combater algum inimigo que se supõe o causador único de todos problemas. As soluções são simplistas e mágicas, negando convenções e o conhecimento acumulado. Tudo que, de algum modo, possa ser confundido com o status quo.

O fanatismo e a intolerância passam a ser a regra e qualquer moderação é vista com desconfiança 5. Sem acordo possível com o inimigo, o discurso é normalmente violento e contra as instituições. Não por outro motivo, há em todo governo populista um forte viés antidemocrático.

Nos Estados Unidos e na Europa o populismo se coloca claramente contra a globalização. No caso brasileiro, as crises sequenciais do final dos anos 90 e a recessão de 2014 6 geraram a demanda por discursos populistas de esquerda e de direita, associando a elite a interesses ligados ao imperialismo norte-americano ou ao comunismo internacional 7. Apesar da semelhança das experiências de 2006 e de 2019, no entanto, o populismo atual deve produzir menores danos na economia brasileira. O roteiro regular do populismo latino americano 8 recomendaria, diante da ociosidade da economia, estímulos prolongados, desprezo pelas restrições e o abandono de reformas que aumentem a produtividade e a sustentação do crescimento de longo prazo. A ideia é entregar respostas rápidas, ainda que à custa de desequilíbrios de médio prazo 9.

O problema é que, diferentemente de 2006, há agora menos margem de manobra. Sem um quadro de exuberância global e com uma dívida pública em patamar elevado, o controle da despesa pública passou a ser fundamental para a estabilidade da economia. Eventuais desvios ou sinais de abandono da responsabilidade poderiam levar a uma rápida depreciação cambial e a uma crise de confiança, impedindo a volta do emprego. Neste caso, o populismo falharia em sua principal tarefa, a de responder aos anseios de uma população castigada pela crise.

O mais provável, portanto, é que apesar de todas as pressões por aumento de gastos públicos, o governo não assuma os riscos de uma guinada na gestão da economia. A responsabilidade deverá ser mantida enquanto se criam distrações e outras pautas sejam atendidas, como a luta contra as minorias, as instituições, o politicamente correto e o comunismo internacional.

1 O termo foi utilizado para descrever governos latino-americanos do período de 1930 a 1960.

2 Mudde, C. “The populist zeitgeist”, Cambridge University Press, Mar/2014.

3 Pereira, Lívia Fernandez, “E.U. crisis aftermath: analysing unemployment and populista voting in Italy”, Universidade de Viena, jun/2020. O estudo mostra como a crise de 2008 e seus efeitos prolongados sobre a renda explicam a atual onda populista na Itália.

4 Os analistas apontam também para outros fatores, como a moderação do discurso político gerado por uma classe média mais ampla, a concentração de renda, o maior acesso a informações e o papel da mídia, amplificando escândalos. Mais que problemas gerados por uma crise conjuntural, a insatisfação com os resultados da globalização poderia estar produzindo um “sentimento de época” populista, influenciando a política em todo o mundo.

5 Ver Hoffer, Eric. “The true believer”, First Perennial Classics, 1951.

6 O establishment teria levado o País à crise econômica e política de 2014, uma vez que os partidos tradicionais e grandes empresas se envolveram em escândalos de corrupção e estavam unidos na gestão do País. Por este aspecto, a união dos partidos tradicionais a favor da “defesa da democracia” apenas fortalece o discurso populista. Além disso, não há uma demanda da sociedade por mais participação política, mas sim por lideranças que sejam solidárias e consigam dar respostas aos problemas cotidianos da população, como o desemprego.

7 As lideranças populistas não precisam ser alguém de fora do sistema ou não conectados com a elite, mas percebido como não sendo parte da elite. Este perfil se enquadra nos casos de 2002 e 2018.

8 Dornbusch, R., Edwards, S., “Macroeconomic populism in Latin America”. NBER, May/1989.

9 Guiso, L., Herrera, H., Morelli, M., Sonno, T., “Populism: Demand and Supply”, CEPR Discussion Paper No. DP11871, Fev/2017. Os autores mostram que o populismo tende a esconder os custos de longo prazo das políticas de proteção.

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Roberto Padovani

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