As estratégias de Brasil e China para o mercado de proteínas alternativas, por Madison Plaster e Lucas Wosgrau Padilha

Publicado em 14/09/2020 09:43

À medida que surtos de doenças expõem as vulnerabilidades da indústria da carne, aumentando as preocupações pré-existentes com a segurança alimentar e com a sustentabilidade, os governos da China e do Brasil se engajam no desenvolvimento da indústria de proteínas vegetais. 

Entre fechamentos de frigoríficos, restrições de viagens que limitam o acesso à ração animal e milhões de consumidores sob confinamento, a indústria de proteína animal é mais uma das vítimas da pandemia da COVID19. Em 2020, os picos globais de preço da carne durante a COVID-19 revelaram a fragmentação das cadeias de abastecimento somando-se ao maior desafio herdado de 2019: a febre suína africana. Desde 2018, a doença fatal para os porcos eliminou cerca de 40% dos rebanhos na China - a maior consumidora de carne suína no mundo. 

A China não teve opção a não ser expandir, em quantidade sem precedentes, a importação de carne, buscando equilíbrio doméstico entre o brusco choque de oferta e uma demanda em constante expansão. O desequilíbrio no mercado chinês impactou não só os preços da carne suína, mas os preços a ela associados (substitutos e insumos, por exemplo). Em 2019, a carne bovina paulista teve um aumento de 36,4% enquanto o preço da carne suína chinesa cresceu 110%. Na média, os preços globais da carne subiram 18%. 

Os governos dos principais mercados de produção e consumo de carne - da Austrália ao Brasil - estão cada vez mais conscientes do desafio de fornecer commodities de maneira confiável a preços estáveis. O desafio sanitário e político de integração do mercado da carne é histórico. Desde 2019, no entanto, a instabilidade nas cadeias de produção levaram os governos do Brasil e da China - os maiores países exportadores e consumidores de carne suína, respectivamente - a considerar soluções de longo prazo. Uma delas é o desenvolvimento da indústria de proteína não-animal. 

Desde a década de 1970, empresas se dedicam à pesquisa e produção de proteínas com base em plantas (apelidadas de "carne de imitação"). Diferentemente daquela época, porém, as empresas de hoje buscam oferecer, de maneira competitiva, “carnes de imitação” para as massas disputando com o mercado de carnes de origem animal. 

As startups de proteínas à base de plantas buscam espaço no Brasil e na China há algum tempo, tanto por conta de um enorme mercado em potencial que dê escala às inovações, quanto por conta de pesquisas recentes, que indicam que consumidores em mercados em desenvolvimento estão dispostos a consumir proteínas alternativas. 

Tradicionais produtores de carne também expandiram suas estratégias para incluir proteínas alternativas. Em agosto de 2019, a gigante de hambúrgueres Marfrig Global Foods SA planejava vender produtos à base de plantas para restaurantes no Brasil, enquanto a fornecedora brasileira de milho Milhão se adaptava para produzir farinhas de proteína de ervilha. Este movimentos antecipam uma expectativa de expansão bilionária do mercado global de proteínas alternativas. A consultoria McKinsey avaliou este mercado em US $ 2,2 bilhões, já a Bloomberg estimou que o mercado de proteínas vegetais alcançará US $ 40,6 bilhões em 2025.
 
À medida que a disponibilidade de renda aumenta no Brasil e, principalmente, na China, mais pessoas da nova classe média se aproximam do perfil de consumo de países como os Estados Unidos. A classe média do Brasil cresceu 40% desde 2003, enquanto a chinesa cresceu mais de 25% desde 2000. Esse crescimento deve continuar, pelo menos, na China, onde é esperado um aumento de 16% na demanda por carne até 2023. 

Ao contrário da proteína de origem animal, aquelas baseadas em plantas prometem mais estabilidade das cadeias de suprimento por serem livres de redes altamente interdependentes - como a de insumos para proteína animal - e limitações de recursos, como terra arável disponível. A proteína vegetal consome menos mão-de-obra e energia em comparação com os processos produtivos da carne. É, ainda, por definição, imune a muitas doenças, tornando-as menos suscetíveis aos choques de preços. Estes aspectos da cadeia produtiva de proteínas alternativas não só estimulam startups e gigantes do mercado, mas também os governos. 

No Brasil, o avanço da criação de gado de corte está na intensificação do uso de áreas já desmatadas ou no avanço da fronteira sobre a floresta amazônica, causando preocupações mundiais e instabilidade nas cadeiras de produção, cada vez mais exigentes. Na China, por outro lado, a produção de proteína animal não é prioridade no uso do território disponível: somente 7% das terras chinesas são aráveis. 

O aumento dos padrões de vida e consumo tem impactos ambientais que preocupam e precisam ser administrados por governos de países em desenvolvimento. Uma conferência do BRICS, realizada no final de julho, foi concluída com uma declaração conjunta demandando que “padrões sustentáveis de produção e consumo sejam incluídos nos planos nacionais”. Neste sentido, o Brasil, agosto de 2019, propôs um plano para a “eficiência de recursos”. A China, por outro lado, lançou um Fundo Nacional de Desenvolvimento Verde projetado para “fortalecer o papel do mercado no combate à poluição”.

Ao aumentar as importações, fornecer subsídios para a indústria de carne suína e liberar a carne de porco congelada como parte de suas reservas, o governo chinês revela sua preocupação com a estabilidade de preços no longo prazo. A redução nacional no consumo de carne é indispensável para a segurança alimentar, estabilidade econômica - e ambiental - de longo prazo. Neste sentido, a venda de proteína vegetal favorece o desejo do governo chinês de reduzir os preços cronicamente altos da carne suína diminuindo, em parte, a dependência das importações de carne. 

Há menos de um mês, o Ministério do Comércio chinês introduziu diretrizes que adicionam a proteína de origem vegetal à lista de setores incentivados para investimento estrangeiro. Campanhas nacionais, por outro lado, buscam  reduzir em 50% o consumo de carne buscando evitar o considerável desperdício de alimentos na China. 

Enquanto isso, no Brasil,  funcionários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento indicam ser “muito favoráveis ​​à ciência e às agendas regulatórias que apóiam o desenvolvimento de carnes cultivadas e baseadas em vegetais”, segundo relato do The Good Food Institute. 

Para diminuir o consumo doméstico de carne, os governos brasileiro e chinês enxergam oportunidades em parcerias público-privada para pesquisa em inovação alimentar. Um exemplo é a o projeto levado à cabo pela startup chinesa Whole Perfect Food ao lado da Universidade de Shenzhen e funcionários do governo que pesquisam e desenvolvem proteínas alternativas à base de soja. Da mesma forma, em março, a estatal EMBRAPA anunciou pesquisa em fontes sustentáveis de concentrado protéico de feijão.

A sequência de surtos virais somadas às preocupações climáticas motivam os governos chinês e brasileiro a buscar alternativas para o mercado de proteína de base animal. Ainda colaboram para a necessidade de estratégias alternativas a instabilidade na geopolítica mundial - como as disputas comerciais entre China e Estados Unidos - e os impasses na governança do comércio internacional - como inoperância de órgãos de soluções de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC). 

Enquanto startups e grandes empresas buscam inovar e consolidar um mercado com potencial de crescimento exponencial nos próximos anos, Brasília e Pequim passam a incentivar a pesquisa, desenvolvimento e comercialização da proteína vegetal como parte da solução para os dilemas do abastecimento e sustentabilidade no século XXI.

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Fonte:
Madison Plaster e Lucas Wosgrau

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