Os desafios da bolsa, por Roberto Padovani

Publicado em 09/08/2021 12:47
A alta dos juros locais em um contexto de preços de commodities estáveis e aumento de risco soberano pode limitar o ritmo de ganhos da bolsa. - Roberto Padovani é ecnomoista-chefe do banco BV

Os mercados financeiros brasileiros vivem uma aparente contradição. Por um lado, o cenário econômico segue bastante positivo, mas, por outro, as preocupações com os riscos à frente explicam certa cautela dos investidores. É o caso da bolsa de valores.

De fato, o ambiente econômico segue favorável. Não apenas o crescimento é bem superior às expectativas mais otimistas do início do ano, mas há um desempenho melhor que o esperado das contas públicas e do balanço de pagamentos. Mesmo a preocupação com inflação e juros, afetados pelo maior choque desde a estabilização em 1994, tem sido acompanhada por uma visão positiva sobre os novos patamares destas variáveis, abaixo dos padrões históricos.

Com crescimento econômico e fundamentos controlados, seria sensato supor a continuidade da valorização da bolsa, cujo índice dobrou de valor desde março de 2020 e se encontra cerca de 8% acima do nível anterior à pandemia. O problema é que as informações positivas já estão incorporadas aos preços em um momento em que aumentam as dúvidas em relação ao cenário à frente, o que limita o espaço para altas mais expressivas.

Os desafios da bolsa podem ser percebidos quando se avaliam as variáveis macroeconômicas que historicamente influenciam o mercado brasileiro. Nas últimas duas décadas, as ações têm sido explicadas pelo comportamento dos juros domésticos, preços de commodities, câmbio e riscos global e local 1.

A normalização da taxa de juros no Brasil é o principal fator que atua contra a continuidade do ritmo de valorização do mercado de ações 2. Da mesma forma, a experiência de 2013 mostrou que a normalização da política monetária nos Estados Unidos pode levar a um cenário de dólar alto, estabilidade de preços de commodities e aumento do risco dos mercados emergentes, levando a um menor apetite a risco dos investidores internacionais.

A ideia é que as estratégias globais de saída dos estímulos concedidos durante o pior momento da crise devem conduzir a uma acomodação no crescimento internacional e na demanda por matérias primas. Com efeito, a cesta de commodities interrompeu a trajetória de valorização observada desde maio de 2020, mostrando estabilidade a partir de meados de junho deste ano.

Localmente, as incertezas fiscais e políticas 3 deverão pressionar o risco soberano, reduzindo a atratividade da bolsa. Este ambiente talvez justifique a cautela já presentes no mercado. Assim como aconteceu no terceiro trimestre de 2020 e no primeiro de 2021, o Ibovespa neste momento não tem acompanhado o desempenho das bolsas americanas. Da mesma forma, o ingresso de recursos externos mostra maior instabilidade e tendência de queda depois da recuperação observada a partir de novembro de 2020, seguindo o padrão dos fluxos de capitais como um todo. Por este aspecto, a bolsa local pode ser vista como um termômetro das incertezas correntes.

Esta avaliação não implica um cenário negativo para o mercado de ações no curto prazo, mas apenas que o espaço para altas mais expressivas é limitado. Há consenso que a bolsa está muito descontada, seja por estar abaixo do valor sugerido pelos fundamentos, seja pelo desempenho dos múltiplos ou de seu valor em dólar.

Enquanto o SP&500 mostrou valorização de 34% entre janeiro de 2020 e julho de 2021, a bolsa brasileira andou apenas 8% no mesmo período. Na mesma linha, o mercado local teve um desempenho pior que outros emergentes 4. Considerando-se as variáveis macroeconômicas que explicam a bolsa, uma referência poderia ser o patamar de 135 mil pontos, e não a média de 126 mil pontos observada em julho.

Além disso, a desvalorização da moeda brasileira torna a bolsa mais barata em dólar e, portanto, mais atrativa aos investidores internacionais. Neste momento, o Ibovespa em dólar ainda está cerca de 14% abaixo de janeiro de 2020. Por último, os múltiplos estão abaixo da média histórica e a sazonalidade do mercado costuma ser positiva nos finais de ano.

Há, portanto, espaço para recuperação de preços das ações no curto prazo. Porém, juros locais em alta, estabilidade nos preços de commodities e maior risco esperado para os mercados emergentes devem fazer com que o ritmo de valorização observado nos últimos 15 meses não seja uma boa referência para o futuro próximo.

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1 Cerca de 77% da variação da média mensal da bolsa brasileira desde 2002 pode ser explicada, por ordem de importância, pela taxa de juros (Selic), apetite a risco do investidor externo (S&P500), preços de commodities (CRB), risco soberano (CDS 5 anos) e câmbio. De modo geral, a bolsa brasileira oscila na mesma direção de S&P500, CRB e câmbio, reagindo em sentido contrário à Selic e ao CDS. Vale notar que apesar da relevância dos juros e da maior participação do investidor local, os fluxos globais importam para o mercado doméstico. Além de câmbio e risco local serem influenciados pelo cenário internacional, os preços de commodities e as bolsas norte-americanas são guias para o mercado local. Nasdaq, SP&500 e Dow Jones mostram elevada correlação com o Ibovespa, sendo que Nasdaq e SP&500 antecipam as variações no mercado brasileiro. A lógica é que quando o investidor internacional busca risco e se interessa pelo mercado acionário, ele investe também nos mercados emergentes. Neste exercício utilizou-se o SP&500 como referência para a bolsa brasileira.

2 Além da alta dos juros básicos, os mercados futuros operam com prêmios de risco mais elevados em função da sucessão de choques inflacionários, dificuldade em se prever o grau de aperto monetário necessário e dúvidas sobre o patamar de juros neutros, dado o maior endividamento público e aumento dos juros internacionais.

3 Além dos impactos políticos da crise hídrica e das incertezas eleitorais de 2022, o debate sobre regras fiscais e agenda econômica do próximo governo estarão presentes nos próximos meses e devem pressionar o risco soberano.

4 Desde janeiro de 2020, o Ibovespa tem um desempenho consistentemente pior que a dos mercados emergentes mensurados pelo índice MSCI EM.

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Roberto Padovani

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