Fala Produtor - Mensagem

  • Jose Marcondes Alves Santana Goiânia - GO 08/11/2017 13:29

    DE COMO NÃO DOUTRINAR SEU FILHO POR MEDO DE OUTRA DOUTRINAÇÃO

    José Marcondes Alves de Santana

    Um sistema que sabe produzir, mas não sabe distribuir, é tão funcional quanto a metade de uma roda". (Ladislau Dowbor).

    O texto explicita uma série de contrações. Talvez a maior delas seja o fato de ter a pretensão de ser um receituário contra a doutrinação, mas tenta doutrinar. Se a preocupação é "libertar", eu diria para qualquer um: estude, busque autonomia de pensamento, leia os clássicos, busque coerência entre as teorias e o movimento concreto dos povos, não acredite em pretensos pensamentos universalistas, tivemos muitos problemas e violências devido a imposição de ideias universalistas e etnocêntricas. Ou seja, em diálogo com nossos filhos, ou com qualquer um, devemos presar pela honestidade.

    Mas vamos em partes. "Bombardeio desde a mais tenra idade". Visite uma sala de professores, leia os livros infantis, veja os programas infantis na TV, acompanhe as tarefas escolares que os (as) professores (as) passam. Tente encontrar esse bombardeio. Engraçado, tenho um filho na primeira fase do Ensino Fundamental, minha preocupação é exatamente diferente. Como a escola tem perfil cristã (difícil encontrar escolas laicas), o ensino religioso acaba sendo monocultural, divulga a mitologia, a narrativa judaico-cristã como verdade. O que faço? Nego o que a escola diz? Não. Disponibilizo livros, filmes e histórias de outros povos e culturas, outras mitologias (aqui utilizo o termo mitologia como narrativa). Com o tempo saberá que diferentes culturas e povos têm diferentes narrativas, divindades e religiões, evitando que caia na armadilha do universalismo e do etnocentrismo, que muitas vezes se expressam de forma violenta em nossa sociedade.

    O que diria a um filho que pensa em outro mundo possível? Parabéns, filho por acreditar! Outro mundo é realmente possível, as condições materiais que alcançamos, graças ao trabalho coletivo, realmente podem ser dirigidas para a construção de outro mundo, de um mundo melhor. Não há sentido viver, estudar e trabalhar se não acreditamos em um mundo melhor.

    Ainda relacionada a isso, o pessoal do Instituto Liberal está forçando para controlar o que o professor ensina e pronuncia em sala de aula. Ora, se os professores fossem ouvidos como eles acham que são, nós não teríamos indicadores educacionais tão ruins. Todos os estudantes estariam lendo muito, comporiam algum grupo de estudo, usariam a internet de forma mais eficaz. Eles tentam aprovar uma tal de Lei Escola Sem Partido. Há pontos positivos, mas na essência é um absurdo. Veja: digamos que eu discuta em uma aula o Estado segundo os contratualistas liberais, depois segundo os marxistas; então um aluno incomodado, doutrinado pelos que militam contra a "doutrinação", registra apenas a segunda parte. Vai ser a palavra de um contra o outro. Se ele filmou só a última parte, então.... Nas teorias demográficas, malthusianos: libertários; reformistas marxistas: doutrinadores. E por aí vai. Porque para tais, doutrina é apenas quando o professor é de esquerda. Poderia citar uma miríade de exemplos.

    A análise desses pretensos "libertários" (palavra que assustava quando provinha dos grupos anarquistas, tentam expropriar os trabalhadores até mesmo de seu pensamento) é tão rasa e simplistas, que não compreendem por que trabalhadores se engajam em movimentos de trabalhadores. Por que os professores parecem ser de esquerda? Será por que são trabalhadores, em muitos casos precarizados? Por que muitos alunos os apoiam? Será por que as escolas públicas atendem filhos de trabalhadores que se identificam com a luta dos trabalhadores? O maior peso na formação política dos professores não é a faculdade ou o trajeto na escola básica. É a práxis. É quando se tornam trabalhadores, quando encaram a contradição capital/trabalho. Mesmo assim em uma escola o estudante tem aula com professores de todos os perfis: de ateus a quase fundamentalistas, de ultraconservadores a anarquistas; a sala dos professores é diversa tanto quanto a sala de aula.

    "Minha renda está diretamente a satisfação do meu semelhante. " Ótimo! Os escravos deveriam colher uma cana sem açúcar. O milho plantado pelo boia fria, ou o camponês deve ter menos propriedades que o do latifundiário. Os índios não sabiam usar a terra, não agradava a ninguém, por isso foram roubados. O trabalho do gari não satisfaz a ninguém, por isso ganham mal. O professor não satisfaz, justificativa para a má remuneração. Os políticos fazem um ótimo trabalho, por isso satisfaz, daí seus salários excelentes. O trabalhador na linha de montagem, produz mercadorias que não satisfaz, consequentemente sua renda é ruim etc.

    A explicação é parcial. Não "liberta" ninguém. Muito menos nossos filhos.

    Com certeza nosso filho, jovem curioso vai querer saber como se constituiu o capitalismo. Como foi a evolução das técnicas, as primeiras invenções, que não estavam o contexto do capitalismo. Como jovem incomodado com as injustiças sociais, não vai aceitar que depois de tamanha conquista humana e técnico-científica, milhões de pessoas padeçam de fome, que muitos países tenham a expectativa de vida do período feudal. Não, ele não vai aceitar essas explicações quase míticas. Não, ele não vai aceitar esse darwinismo social. Ele não vai aceitar a naturalização selvagem das relações humanas.

    De onde foi saqueada a riqueza para o desenvolvimento do centro do capitalismo? Colonização, imperialismo, guerras, destruição de nações, escravizações etc. Essa história tem que ser contada. A "mão" não é "invisível".

    Quer saber o quanto a "mão é invisível". Responda o que é o Estado no capitalismo. Quem patrocinou as expedições marítimas. Responda quem salva bancos ou empresas privadas na hora do aperto. Identifique quem muda a legislação trabalhista para aumentar a renda do capital. Aconselho a leitura do livro O peso do Estado na pátria do mercado: os Estados Unidos como país sem desenvolvimento. Estamos em tendência de mudança, mas durante o século XX, o avanço científico se deu pelo investimento e patrocínio do Estado. O discurso do livre mercado, pelo menos para os EUA, esconde suas próprias políticas desenvolvimentistas.

    A Londres citada, foi a mesma que levou o jovem Engels, filho de industrial alemão, a abraçar a causa operária. Não foi a "mão invisível" que instituiu os cercamentos, obrigando os camponeses ao êxodo rural.

    Outro ponto que não é abordado com a honestidade merecida para quem dialoga com o filho, a migração. Obviamente o movimento migratório é de Cuba para os Estados Unidos e não o contrário. Bem como de toda a América Latina, haja vista o muro e as mortes na fronteira dos EUA com o México (mais de 200 mortes por ano). As desigualdades do sistema capitalista motivam migrações.

    Não podemos usar o conforto promovido pelo desenvolvimento industrial como instrumento de alienação. Não podemos naturalizar banalmente a história. Possivelmente os que são chamados de "doutrinadores", "altruístas", "esquerdistas" e tantos outros rótulos pejorativos dos tempos das discussões pendulares estão apenas querendo a construção da outra parte da roda.

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