Fala Produtor - Mensagem

  • TULIO DENARI SIDROLANDIA - MS 14/05/2018 10:21

    BREVE RELATO SOBRE O TEMPO DE HOJE

    Minha filha entrou em uma Universidade Federal! Com muito orgulho a acompanhei para matrícula e depois para ajudar a arrumar um lugar onde morar junto com outras colegas.

    Em um dia destes de início de aulas fui até a cidade onde ela estuda para busca-la e cheguei cedo, ainda no horário de aula.

    Como não havia o que fazer e a universidade é bem longe da cidade resolvi espera-la no Campus. Tinha ainda umas duas horas de espera e resolvi passear pelo Campus e aí começou a passar um filme na minha cabeça; do tempo em que eu era estudante, dos departamentos, dos caminhos dentro da faculdade das sombras e tudo pareceu-me muito igual. Os grupos de alunos reunidos em conversas sem fim, risos, brincadeiras e toda alegria que o frescor da idade dá a aqueles que tem o mundo pela frente, sem medos e com toda esperança.

    Sentei-me a uma mesa na área de convivência e passei a olhar meu smartfone e seus apps.

    Corria o olhar a esmo por toda área e via as "tribos" distintas, aqueles com capacete de construtores devem ser da engenharia, aqueles tipo uns hippies fora do tempo parecem de humanas, os de botina e boné devem ser da agronomia, os de calças com vincos e cintos de couro mais fino com certeza são de direito, alguns com guardas pós ou jaleco brancos com símbolos variados, medicina, química, fisioterapia, etc. Apareceu um como se fosse militante, camisa do MST, broche do PT e cabelos sem lavar a algum tempo. Não consegui imaginar o curso que faz.

    De repente aparecem três muito diferentes, dois homens e uma mulher, diferentes pela idade, muito mais velhos que a gurizada que estava lá. Tinham também um andar diferente, daqueles que são pouco afeitos a esportes e pouco desenvoltos tanto no andar como no agir.

    Logo percebi que eram professores, pois ao contrario dos demais que comiam salgados e tomavam refrigerantes ou sucos estes pediram no balcão da cantina que ali existe, cafés! E ao se afastar da cantina um disse a moça com distinta educação, que iriam sentar-se e logo voltariam para pagar os cafés.

    E por coincidência vieram sentar-se em uma mesa ao meu lado.

    Não gosto de escutar conversa alheia e nem conversas sobre outros com intuído de denegrir ou criar juízo de valor sobre quem quer que seja, mas estes falam com muita desenvoltura e num tom à altura da certeza que têm sobre o assunto que comentavam.

    E comentavam sobre economia, assunto que me desperta particular interesse.

    Discorriam sobre desenvolvimento e inovação e como a cidade onde estavam não havia empresários dispostos a correr riscos, inovar, fazer mais e melhor pela sociedade e pela região. Todos, bem generalizados por eles, eram incompetentes e avessos ao risco, a inovação e capitalistas que só pensam no lucro, nunca na sociedade.

    Então passei a prestar mais atenção, pois a cidade não é a das mais desenvolvidas que conheço, mais é um polo regional, e foi em uma época não muito distante o lugar que deu origem a agricultura tropical, denominado de Agronegócio, esta mesma que hoje coloca o Brasil como líder em produção de alimentos e celeiro do mundo.

    Bem mais eles tinham um plano. Não para a cidade ou para o mundo, para eles próprios. Iriam montar na Universidade um curso pré-vestibular e para isso precisavam montar um plano de trabalho para apresentar à pró-reitora da universidade e assim conseguir dela a autorização para começarem.

    Em suma, eles queriam que a Universidade cedesse umas salas de aula com todo equipamento disponível, como carteiras e lousas, confortos como ar condicionados e o que chamamos em economia, público alvo (os alunos) e mão de obra especializada (os professores, no caso estagiários e monitores).

    A maior preocupação era em ter o público que pudesse desistir do curso, pois como este não é obrigatório, não teriam a reserva de mercado tão desejada.

    Também não gostavam da ideia de que os módulos de ensino que aplicariam fossem descontínuos, ou seja, não criassem pré-requisitos, assim se tivessem poucos alunos, teriam que pagar os professores pela aula dada e não por produção. Isso poderia tornar inviável sua ambição de ter lucro. Um disse ainda que se um curso se tornasse inviável economicamente era caso de fechar e juntar a turma com outro horário com mais público.

    Agora o maior temor deles era que, se a pró-reitora exigisse uma contrapartida, como bolsas de estudos para alunos do ensino público?

    Pois é, diziam eles, teremos que trabalhar de graça? Temos que evitar isso ou por aí um limite bem pequeno.

    Em nenhum momento ouvi falar em registro em carteira, décimo terceiro, fundo de garantia ou férias.

    Então comecei a discorrer sobre o que tinham falado no inicio e no plano de empreendimento deles. Percebi que eram na realidade alunos profissionais, daqueles que passam a vida na faculdade, tem um ar de intelectuais muito progressistas, mas no fundo um terror enorme de ter que sair da universidade e enfrentar a vida no trabalho real.

    Os empresários retrógados da cidade estão lá fora, comprando ou alugando prédios para suas empresas, pagando impostos, contratando funcionários na CLT e enfrentando a concorrência. Arriscam seu patrimônio, trabalham 16 horas por dia, nunca tiram férias e não tem garantias nenhuma que as coisas vão dar certo.

    Estes progressistas, querem usar as salas de aulas que eles não construíram, usar as lousas e os giz que eles não compraram, usar a energia elétrica que eles não pagam, contratar os professores incluindo eles próprios sem nenhuma garantia trabalhista, mesmo que pudessem não vão emitir uma nota fiscal e não aceitam a ideia de contrapartidas sociais como cotas ou bolsas para alunos carentes para o negócio deles.

    Assim mesmo, a conclusão deles é que farão sucesso e terão que enfrentar a inveja de quem não tem o privilégio que eles têm, a inteligência, a capacidade de inovar, empreender e trabalhar com vontade.

    Só para ilustrar, ao saírem não pagaram os cafés.

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