Economia reduz risco político, por Roberto Padovani

Publicado em 09/01/2020 10:31
Modelos que avaliam o risco político com base na economia sugerem um cenário de maior estabilidade à frente.

Ao contrário do que tem se observado desde 2013, é provável que os próximos anos apresentem um quadro de maior estabilidade política. A base deste argumento é dada por estudos que avaliam os impactos das condições econômicas sobre o ambiente político.

Apesar de a relação entre economia e política ser amplamente conhecida e haver vasta e sofisticada pesquisa na área, esta abordagem raramente é utilizada. Na maior parte das vezes, as análises são influenciadas pelo curto prazo, não seguem modelos teóricos formais e consideram apenas variáveis subjetivas, como aspectos pessoais das lideranças e bastidores de negociações, resultando em impressões apaixonadas e com baixo poder preditivo.

Ao contrário, modelos de análise política que se valem da economia permitem avaliações interessantes sobre temas relevantes como eleições, escolhas de políticas públicas e governabilidade.

Do ponto de vista da competitividade eleitoral, a ideia é que o bem-estar ou o desconforto (1) da população influencie os níveis de aprovação dos governos e suas chances eleitorais (2). No caso brasileiro, por exemplo, há uma forte correlação estatística entre renda e popularidade (3).

O trabalho da pesquisadora Daniela Campello (4) reforça a importância da qualidade da competição eleitoral. Sua tese, exposta ao longo deste artigo, mostra que os intensos e frequentes processos de expansão e colapso (boom and bust cycles), típicos dos mercados emergentes, são um dano para a democracia por atrapalhar a capacidade de os eleitores avaliarem os governos, diminuindo, com isso, o poder do voto como um incentivo para a adoção de boas políticas públicas.

No caso dos países sul americanos, parte da instabilidade econômica vem da dependência das exportações de matérias primas e da poupança externa (5), fazendo com que os ciclos globais e locais sejam coincidentes e dificulte a percepção dos componentes externos e internos dos choques (6).

Como resultado, os eleitores acabam atribuindo ao executivo toda a responsabilidade pelos momentos de euforia e de depressão. O problema é que esta incapacidade de avaliação gera uma distorção ao fazer com que a sorte seja mais importante que o mérito. Governos incompetentes, mas com a sorte de um ciclo global favorável, podem ser recompensados pelo eleitor, ao passo que líderes competentes, mas sem sorte, sejam punidos.

É verdade que em episódios recentes os eleitores brasileiros conseguiram distinguir as causas das volatilidades. Em 1998 e 2008, a percepção de que a crise tinha origem externa permitiu preservar a popularidade do governo. Na recessão de 2014, o pior desempenho relativo da economia brasileira foi visto como um sinal de má gestão e explicou a forte queda da avaliação do presidente.

Na maior parte das vezes, no entanto, os movimentos na economia e na política são simultâneos. O recente ciclo de commodities viabilizou longos mandatos presidenciais em diversos mercados emergentes (7). No Brasil, Juscelino Kubitschek, o regime militar e Lula são alguns exemplos de como o quadro global pode beneficiar a avaliação dos presidentes.

As distorções no processo eleitoral geram efeitos relevantes sobre as escolhas de política econômica e a agenda de reformas. Sem as sanções do voto, o custo da irresponsabilidade, do desperdício e da corrupção se reduz. Justamente por isso, os períodos de exuberância na América Latina, normalmente associados ao ambiente global, conduzem ao populismo e, tipicamente, ao desequilíbrio fiscal, controle de tarifas públicas e abandono de reformas, com alta da inflação e do desemprego (8).

Não por outro motivo, os fins de ciclo são geralmente acompanhados por violentas crises econômicas e políticas, mostrando como a incompetência estimulada pelas ineficiências eleitorais também afetam a governabilidade e trazem instabilidade ao regime político. De fato, o padrão histórico sul americano ensina que as quedas presidenciais estão sempre associadas à ocorrência simultânea de aumento do desemprego e escândalos de corrupção (9).

Por outro lado, são nas fases desfavoráveis que as restrições econômicas limitam as opções do executivo, impõe ajustes e incentivam projetos mais pragmáticos que ideológicos, movendo o pêndulo em direção a gestões mais responsáveis. Com efeito, a literatura mostra que as crises estimulam as reformas, uma vez que os custos sociais do desemprego se elevam a ponto de a maioria da população, normalmente silenciosa, ficar intolerante com privilégios e passar a demandar mudanças urgentes (10).

Curioso que todos estes elementos estiveram presentes no último ciclo. A alta de preços de commodities favoreceu longos mandatos e incentivou o populismo e a corrupção. Com o consequente aumento da inflação e do desemprego, a tensão social conduziu a alternâncias políticas radicais e à reorientação da estratégia econômica, incentivando Executivo e Congresso a desenhar e apoiar reformas.

Mais importante, a tese de Campello é capaz de antecipar estes movimentos, além de permitir estabelecer relações entre diferentes temas políticos. De fato, dificuldades no julgamento da competência dos presidentes distorcem a competição eleitoral e influenciam a gestão de governo e as condições de governabilidade. Interessante é que esta lógica apenas reforça a própria instabilidade, criando o que a pesquisadora chama de “maldição da volatilidade”.

A partir desta avaliação, uma leitura possível para o momento atual é a de que um quadro global não exuberante limita os ganhos de popularidade do presidente no curto prazo e mantem os ruídos elevados. Este ambiente, contudo, incentiva a responsabilidade e a continuidade das reformas, o que reduz gradualmente o desconforto social e as chances de uma nova crise de governabilidade.

Ou seja, apesar das incertezas e vulnerabilidade de curto prazo, há uma chance que o cenário político à frente seja mais estável que o observado nos últimos seis anos e ajude a consolidar a retomada econômica em curso.

Roberto Padovani - Economista-Chefe do banco BV

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1 Uma referência normalmente utilizada é o índice de desconforto econômico proposto por Arthur Okun em 1971, uma combinação de dados de inflação e desemprego.

2 Kramer, Gerald H. “Short-term fluctuations in US voting behavior, 1896-1964”, American Political Science Review, 1971.

3 O modelo do presidencialismo de coalizão é uma boa referência: Abranches, Sérgio. “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro”, revista Dados, vol. 31, 1988; “Os ciclos do presidencialismo de coalizão”, www.ecopolitica.com.br, março/2014; “Presidencialismo de Coalizão”, Cia das Letras, 2018.

4 Campello, Daniela; Zucco, Cesar Jr. “Presidential success and the world economy”, The Journal of Politics, 78, Dec/2015.

5 Os preços de commodities tem peso elevado para explicar o comportamento do PIB no Brasil. Campello mostra que os países sul-americanos se conectam à economia global de modo diferente que México e os demais emergentes na América Central, Ásia e África, em grande medida devido à ligação comercial com a China e à baixa poupança interna.

6 É possível que a propaganda política, as dificuldades de acesso à informação, a tendência de valorização dos eventos locais e as preferências passionais (afeto) geradas pelas próprias oscilações econômicas prejudiquem ainda mais o entendimento das causas da volatilidade.

7 Garman, C. e Sankaran, K. “Anti-incumbent wave is poised to spread”, Global Strategy, Eurasia Group, Nov/2015.

8 Dornbusch, R., Edwards, S.. “Macroeconomic populism in Latin America”, NBER, May/1989; “The macroeconomics of populism in Latin America”, The University of Chicago Press, 1991.

9 Hochstetler, K.. “Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na América do Sul”, Lua Nova, 2007; e Carlin, R. E, Love, G. J., Martínez-Gallardo, C. “Cushioning the fall: scandals, economic conditions and executive approval”. Political Behavior, 37, 2015.

10 Drazen, A., Alesina, A. “Why are stabilizations delayed?”, NBER, Aug/1989; e Drazen, A., Grilli, V., “The benefits of crises for economic reforms”, NBER, working paper 3527, Dec/1990.

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