O recomeço dos pontapés na verdade, por Augusto Nunes

Publicado em 29/03/2011 15:35 e atualizado em 05/03/2020 16:21
Blogs Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo, de veja.com.br

O recomeço dos pontapés na verdade avisa que o espetáculo da canalhice não vai parar

Sempre favorecido pela mudez pusilânime da oposição oficial, o ex-presidente Lula retomou a rotina dos socos e pontapés na verdade, agora para remover da biografia as patifarias e bandalheiras que sublinharam a política externa brasileira nos últimos oito anos. O novo ato da farsa começou em 8 de fevereiro,  quando Lula desembarcou no Senegal com pose de conselheiro do mundo. O que estava achando da rebelião que ameaçava o reinado de Hosni Mubarak?, alguém quis saber.

“Há muito tempo, todo o mundo sabia que era preciso voltar à democracia no Egito”, fantasiou o maior dos governantes desde a chegada das caravelas. “O que está acontecendo no Egito é simples: água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Chegou uma hora em que o povo falou: ‘Eu existo, quero participar’”. Nenhum repórter cobrou-lhe o falatório despejado durante a visita ao ditador companheiro em dezembro de 2003. “O presidente Mubarak é um homem preocupado com a paz no mundo, com o fim dos conflitos, com o desenvolvimento e com a justiça social”, derramou-se Lula no meio da discurseira.

Como nenhum político oposicionista se lembrou de desmascará-lo publicamente, o farsante entrou em março pronto para comentar a situação na Líbia de Muammar Kadafi com cara de quem conheceu só de nome o psicopata que qualificou de “amigo, irmão e líder”. Era previsível que, na semana passada, a metamorfose malandra começasse a apagar a história dos oito anos de relações promíscuas com o companheiro Mahmoud Ahmadinejad.

Um jornalista perguntou-lhe por que só agora o governo brasileiro resolveu votar a favor da apuração de denúncias de violações de direitos humanos no Irã. “Porque não houve votação, a votação foi só agora”, mentiu o ex-presidente que sempre se curvou à vontade dos aitolás atômicos. Sem ficar ruborizado, interrogou o entrevistador e respondeu por ele: “Por que você não fez essa pergunta antes? Porque só pode fazer agora”.

É muito cinismo, comprovam alguns trechos do post publicado neste espaço em 20 de novembro de 2010, reproduzidos abaixo em negrito:

Foi aprovada por 80 votos a resolução da ONU que expressa “profunda preocupação” com as violações dos direitos humanos promovidas pelo governo do Irã, critica a pena de morte e rejeita a violência contra a mulher. Trata-se de mais uma tentativa de salvar Sakineh Ashtiani, condenada a morrer apedrejada — e de colocar o regime dos aiatolás no caminho que leva para longe da Idade da Pedra.

Os 44 países que votaram contra a resolução se tornaram comparsas confessos de uma ignomínia assim justificada pelo embaixador iraniano, Mohammad-Javad Larijani:”O apedrejamento significa que você deve fazer alguns atos, jogando um certo número de pedras, de uma forma especial, nos olhos de uma pessoa. Apedrejamento é uma punição menor que a execução, porque existe a chance de sobreviver. Mais de 50% das pessoas podem não morrer”. Como optou pela abstenção, o governo brasileiro acha que a argumentação faz sentido. Por omissão, transformou-se em cúmplice do horror.

“A maneira pela qual algumas situações de direitos humanos são destacadas, enquanto outras não, serve apenas para reforçar que questões de direitos humanos são tratadas de forma seletiva e politizada”, miou em nome do Itamaraty o diplomata Alan Sellos. “Eu, pessoalmente, sou contra, mas não posso dizer a quem tem isso na sua cultura que seja contra”, emendou o ministro da Defesa e comerciante de aviões Nelson Jobim. No caso do Irã, o jurista de araque só autoriza discurseiras federais a favor dos aiatolás atômicos e de eleições fraudadas. Haja cinismo.

Jobim e o resto da turma sabem que a falsa neutralidade só reafirmou que o presidente Lula não hesita em envergonhar a nação para curvar-se à vontade do companheiro Mahmoud Ahmadinejad. Dilma Rousseff, que logo depois de eleita qualificou o apedrejamento de “uma barbárie”, não deu um pio sobre a abstenção pusilânime. A política externa da cafajestagem ao menos é coerente. Tão coerente, aliás, quanto o silêncio dos líderes oposicionistas, que entre uma e outra derrota eleitoral mergulham no recesso de quatro anos. Como está em férias, a oposição oficial não teve tempo para indignar-se com mais um ultrajante tapa na cara do país que presta.

O espetáculo da canalhice não pode parar.

O ex-presidente nega ter feito o que acabou de fazer sem ser aparteado por um único senador, deputado ou vereador. O silêncio estrepitoso da oposição oficial avisa que o espetáculo da covardia também não tem prazo para terminar.

Em Lisboa, Lula recebe prêmio e nega divergências com Dilma

E não só isso: deu dicas para Portugal sair para a crise

Por Luisa Belchior, na Folha Online:
Acompanhado da presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu na manhã desta terça-feira o prêmio do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, em uma cerimônia no Parlamento português com o presidente do país, Cavaco Silva, e o primeiro-ministro, José Sócrates. A visita de Dilma a Portugal nesta semana é uma promessa que ela havia feito ao seu antecessor de acompanhá-lo quando ele ganhasse um prêmio internacional. A afirmação é do próprio Lula, que vai receber três homenagens no país. “Ela tinha prometido que quando eu recebesse o primeiro prêmio internacional ela viria, e está cumprindo”, declarou Lula, que negou qualquer divergência com a presidente. “Não há a menor hipótese [de divergências]. Porque o dia que tiver uma divergência entre eu e a Dilma, ela está certa. Obviamente que tem gente torcendo para que haja qualquer coisa, mas não haverá nada entre Dilma e Lula. Temos uma relação ideológica e política muito forte.”

Aplaudido de pé, o ex-presidente brasileiro deu “dicas” para Portugal sair da crise econômica e criticou a atuação do FMI (Fundo Monetário Internacional), que deve socorrer a economia portuguesa. Ele defendeu também a redução das taxas de juros de bancos europeus em Portugal. “A crise mundial tem responsáveis diretos: é um sistema financeiro especulador. Eles têm que agir com mais rapidez. Por que o FMI ficava dando palpite quando a crise era na América Latina e agora demora para agir na Europa?”, questionou o ex-presidente, que aconselhou Portugal a investir no mercado interno, como disse ter feito em seu governo. Lula voltou também a defender uma reforma na ONU (Organização das Nações Unidas), que está “estagnada em meados do século 20″, mas reafirmou que não quer fazer parte do organismo.

Holofotes
Apesar de receber nesta terça-feira visita oficial da presidente Dilma, Portugal colocou os holofotes na agenda do ex-presidente Lula, que, além do prêmio do Conselho da Europa, receberá, na quarta-feira, uma distinção da Confraria do Vinho do Porto e o título de doutor honoris causa da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

A visita do ex-presidente a Portugal é destaque nos principais jornais e noticiários televisivos do país nesta terça-feira. O jornal “Diário de Notícias” afirma, em título de uma seção especial dedicada à visita do ex-presidente, que “Lula vem a Portugal apresentar a camarada Dilma”. No texto, prioriza os detalhes da visita de Lula à de Dilma, que, segundo a publicação, “acompanha-o nessas homenagens”.

A seção, com linhas e título em vermelho, expôs uma foto ocupando o centro de duas páginas de Lula e Dilma, com a camisa do PT, de mãos dadas e erguidas. A entrevista que a presidente Dilma Rousseff concedeu a uma cadeia portuguesa no Palácio do Planalto, transmitida em Portugal na noite de segunda-feira, é repetida várias vezes nas redes de televisão do país ao longo desta terça-feira.

Por Reinaldo Azevedo

Soma de exotismos: uma presidente no gargarejo no dia em que o Apedeuta vira doutor

Naquele encontro que teve com o cordão de puxa-sacos das luluzinhas do cinema, Dilma Rousseff avisou que é besteira investir num confronto entre ela e Lula. Não vai acontecer. E acho que a presidente tem razão: não vai acontecer! Logo chegamos a 2012, ano das eleições municipais, e o PT precisa arreganhar os dentes em palanque. Não será Dilma porque não é de sua natureza. Então será Lula.

Ela própria já se encarrega de dar sinais de que não quer nem mesmo estimular fofoca nos bastidores. Favor não confundir marquetagem com escolhas políticas. Foi a Portugal para ser platéia na homenagem que a Universidade de Coimbra presta a Lula. Trata-se de uma soma de exotismos: uma presidente como coadjuvante na festa em que o Apedeuta vira doutor. Dilma foi para demonstrar subordinação.

E ele não se faz de rogado, não! Referindo-se à crise portuguesa, sugeriu ao governo daquele país que peça ajuda a Dilma e, como se ainda estivesse na cadeira presidencial, anunciou: “Tudo o que pudermos fazer para ajudar, vamos fazer. Portugal merece a compreensão do Brasil”.

Não adianta! É inútil supor que um dia ele aprenderá a ter limites. E também é uma besteira, Dilma tem razão, acreditar que haja entre os dois grandes contradições. Na semana passada, escrevi aqui: a presidente operou algumas correções de rumo que, no fim das contas, não são assim tão relevantes para o petismo.

Se querem saber se Dilma é mesmo um “outro” em relação a Lula, perguntem a Roger Agnelli, da Vale.

PS - FHC também tem o título que Lula recebe hoje. Imagino seu discurso íntimo: “Aquele lá precisou estudar tanto pra isso, e eu consegui a mesma coisa sem terminar de ler nem o romance do Chico Jabuti…”

Por Reinaldo Azevedo

Parolagem de Lula contra o FMI é pura bobagem

A parolagem de Lula em Portugal contra o sistema financeiro internacional e o FMI é o que é: bobagem. Não há dificuldade que aquele país enfrente que não derive de escolhas feitas por seu governo. Mas é certo que o Apedeuta não perderia essa oportunidade, não é mesmo?

Aliás, essa “luta contra o FMI” é uma das farsas mais bem-sucedidas do petismo. Exceção feita aos dois últimos anos de governo — quando Lula enfiou o pé na jaca dos gastos —, não há escolha que o Brasil tenha feito que o FMI não endossasse.

O Fundo só andou divergindo na reta final do governo Lula, quando apostou justamente a deterioração da situação fiscal, o que deixou Guido Mantega muito bravo. Veio a presidente Dilma e mandou capar R$ 50 bilhões do Orçamento, o que deve ter deixado o pessoal do Fundo bastante satisfeito!

Por Reinaldo Azevedo

2011 - Liberdade é escravidão, ignorância é força

O caso que relato abaixo, da entidade que foi obrigada a se retratar por ter criticado o MST, já reflete uma escala superior da censura à liberdade de expressão. Notem que a associação foi levada a falar sobre o movimento o contrário daquilo que pensa. Estamos  num universo orwelliano mesmo, do “1984″, em que “liberdade é escravidão”, e “ignorância é força”.

Alguns indagariam: “Qual é o problema de obrigar alguém a dizer o que não pensa desde que sejam coisas boas?”

Pois é…

Por Reinaldo Azevedo

29/03/2011

 às 19:23

Ditadura maoísta imposta pelo Ministério Público em pleno Pernambuco de 2011!

"Inimigo do povo" na China da Revolução Cultural admite seu erro... Nem Pequim, hoje, age como o Ministério Público de Pernambuco

Ocorreria a alguma democracia do mundo punir um indivíduo ou uma associação por exprimir um ponto de vista sobre uma luta de caráter político? Não! Isso é coisa de ditaduras. Leiam o que vai abaixo. Volto em seguida:

Por Angela Lacerda, da Agência Estado:
“Reforma agrária - esperança para o campo, comida na sua mesa”. A afirmação, tendo como fundo fotos de trabalhadores cultivando a terra, ilustra 20 outdoors que foram afixados hoje em avenidas de Recife e região metropolitana e rodovias estaduais, como forma de retratação da Associação dos Militares do Estado de Pernambuco (AME) e da empresa Stampa que, em 2006, foram responsáveis pela veiculação de outro tipo de outdoor. Eles diziam: “Sem-terra: sem lei, sem respeito e sem qualquer limite. Como tudo isso vai parar?”.

A atitude, considerada preconceituosa, difamatória e de criminalização dos trabalhadores sem- terra, provocou a reação de entidades de defesa dos direitos humanos que recorreram ao Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE) visando a impedir a continuação da campanha e a buscar uma punição.

O MPPE fez a mediação e o resultado foi um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual ficou acordado a veiculação dos outdoors favoráveis à reforma agrária e de reconhecimento à luta dos trabalhadores por acesso à terra. Além dos outdoors, que permanecerão expostos por duas semanas, a AME também irá publicar em seu site e em um jornal corporativo uma nota de desagravo redigida pelas entidades de direitos humanos.

“É uma reparação importante para a cidadania dos trabalhadores que lutam por justiça e ajudam a colocar alimento na nossa mesa”, comemorou Manoel Morais, da coordenação executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) - uma das entidades signatárias do desagravo, ao destacar o “ineditismo” da decisão do MPPE, que considerou “histórica”.

Comento
É claro que se trata de uma violência, sim! Contra a associação! Um movimento que fez o quem na Cutrale ou na Aracruz é ou não “sem lei, sem respeito e sem qualquer limite”? Uma associação está proibida de emitir seu ponto de vista sobre uma agenda política, claramente ideológica, como é a do MST? A única postura possível, nesse caso, é concordar com o sr. João Pedro Stedile?

É o fim da picada! Quanto ao cartaz de agora, se tivemos os fatos como referência, será preciso dizer: o que leva comida ao prato dos brasileiros é o agronegócio. Aliás, leva comida até ao MST, que recebe cestas básicas do governo: verdade ou mentira?

Eis aí: o ministro Ayres Britto talvez dissesse que estamos diante de um caso em que o “direito individual não pode esvaziar o direito coletivo”. Nesse caso, o suposto direito coletivo esvazia o individual, não? Digo que é “suposto” porque o MST é um grupamento de caráter político. Eles representam uma leitura da questão agrária no país, não “a” questão agrária.

O que se viu acima é coisa típica dos tempos da revolução cultural maoísta, quando os “inimigos do povo” eram obrigados a se ajoelhar em praça pública, portando cartazes em que confessavam seus crimes ideológicos.

É o fim da picada! Creio que a tal associação não decidiu levar a coisa adiante! Duvido que uma aberração como essa passasse pela maioria do Supremo - ainda que o tribunal já tenha sido tocado pelo populismo.

Por Reinaldo Azevedo

Se fosse eleito deputado, o assassino confesso continuaria a serviço da nação

Faz mais de 10 anos que o jornalista Antonio Pimenta Neves matou a ex-namorada Sandra Gomide com uma bala nas costas e outra na cabeça. Horas depois do crime, contou tudo à polícia e se tornou réu confesso. Em 2006, foi condenado em primeira instância a 18 anos de prisão, reduzidos a 15 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Não cumpriu nenhum.

No momento, espera em liberdade o julgamento de um recurso encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. O caso está com o ministro Celso de Mello, que não sabe quando terá tempo de examiná-lo. Tecnicamente, Pimenta Neves não é culpado de nada: graças às alquimias da legislação e às acrobacias da jurisprudência, tornou-se inconstitucional tratar um matador assumido como assassino antes que a sentença transite em julgado.

O cidadão brasileiro Antonio Marcos Pimenta Neves poderia, se quisesse, ter disputado uma vaga na Câmara dos Deputados em 2010. Não lhe faltariam simpatizantes, sobretudo entre colegas de ofício. O  público alvo seria alcançado sem muita despesa, já que a Justiça Eleitoral concentrou o público alvo de delinquentes candidatos em poucos lugares: agora, a população carcerária se vale de urnas instaladas nos presídios para cumprir o dever cívico do voto.

Com alguma lábia e um pouco de sorte, Pimenta Neves hoje estaria festejando, entre uma conversa no cafezinho da Câmara e uma reunião para tratar da reforma política, a vitória da turma do prontuário no STF ─ e os nítidos sinais de que a lei da ficha suja será pulverizada de vez até 2012. A inovação legal torna inelegível gente condenada em duas instâncias. Isso é inconstitucional, já avisaram alguns ministros. É preciso aguardar o julgamento doo último recurso na última instância.

Sandra Gomide agonizava de costas quando levou o tiro de misericórdia. Nunca mereceu uma lágrima do seu executor. Para pelo menos seis doutores do STF, detalhes do gênero são pieguices irrelevantes, coisa de leigos que nem imaginam as altitudes jurídicas alcançadas por uma toga. A lei só retroage em benefício do réu, declamariam em coro. O princípio da anterioridade é sagrado, alertariam aos berros ─ mais de 10 anos depois do assassinato. E todos fingiriam ignorar que o processo dorme numa gaveta do Supremo.

Nada como um caso exemplar para encerrar a conversa fiada: caso virasse deputado, Pimenta Neves continuaria servindo à nação com as bênção do STF e sob as asas da Constituição. Os pimentas neves que agem fantasiados de pais-da-pátria são cada vez mais numeros. Há algo de muito errado com um país que torna possível tamanha afronta à justiça.

Celso Arnaldo: depois de inaugurar a paciente ‘mastetêctomizada’, Dilma absorve o fundamental e metaboliza no particular

Por Celso Arnaldo Araújo

Ok, um de seus pontos fracos é a saúde – não a dela, graças a Deus sob controle, mas a do brasileiro em geral. A presidente-técnica ainda não domina alguns termos um pouco mais complicados, mesmo que envolvam a própria condição feminina. Prova disso é que, no discurso que fez em Manaus, a pretexto de lançar uma rede de prevenção e tratamento do câncer de mama e do útero, Hebe e Fafá de Belém presentes, a presidente criou uma nova categoria de pacientes: as mastetêctomizadas – como se ouve aos 4m20s do vídeo anexo.

Não sejamos tão exigentes. Dilma Rousseff é tida como uma intelectual — devoradora dos livros que nunca leu e colecionadora de obras de arte digitalizadas em seu pendrive. Pessoas dessa categoria têm alguma dificuldade para entender as mazelas físicas do corpo humano. Seu objeto de interesse é o espírito. E, reconheça-se, no campo das artes e da cultura, a presidente Dilma tem uma sólida formação.

Aplauda-se, aliás, sua iniciativa de promover a exposição “Mulheres, artistas e brasileiras”, no Palácio do Planalto, reunindo obras de 40 artistas – inclusive a lendária Abaporu, de Tarsila do Amaral, que há 16 anos pertence a um colecionador argentino. No campo das artes plásticas, trazer Abaporu de volta, mesmo que provisoriamente, equivale a repatriar Ronaldo e Ronaldinho juntos. Golaço de Dilma.

Daí ela se sentir tão à vontade nesta quinta-feira, na abertura oficial da exposição, que Obama visitou sábado em regime de soft opening. Durante pouco mais de oito minutos, deu um show para uma plateia ilustre – toda a alta cúpula do governo – discorrendo com enorme naturalidade sobre os objetivos da exposição e algumas das obras referenciais ali exibidas.

“QUERIA COMPRIMENTÁ OS BRASILEIROS E AS BRASILEIRAS”
Quando se conhece o assunto, é outra coisa: a curta fala presidencial foi uma aula magna sobre a arte brasileira, onde Dilma refundou, com seu estilo, a escola do expressionismo abstrato. Enquanto Jackson Pollock gotejava tintas erráticas sobre telas que hoje valem milhões, a presidente pingou palavras a esmo sobre o branco do silêncio do Palácio. Não sei quanto isso valerá um dia.

“Queria comprimentá os brasileiros e as brasileiras que estão aqui”, resumindo, desta vez, seu já conhecido rosário de “comprimentos” aos presentes, poupando os ausentes.

É hora de agradecê a uma pessoa especial, “um empresário argentino…”. Claro, ela vai falar de Eduardo Costantini, o dono do Abaporu, que emprestou a obra para a exposição. O sobrenome do milionário portenho é meio quebra-língua, pela tendência de se dizer Constantino. Mas não para Dilma, que deve ter treinado a silabação do nome várias vezes:

“Um empresário argentino chamado Eduardo Cons, Costantini”.

Dilma deve ter tomado conhecimento de Costantini agora há pouco – quando se iniciaram as tratativas para trazer Abaporu – mesmo sendo ele o maior colecionador de arte da América do Sul. Mas o dono não importa. Vale mesmo é o Abaporu, nosso velho conhecido:

“O Abaporu ele tem uma simbologia toda especial para nós brasileiros. E a presença dele aqui se deve a esse espírito que geralmente é de generosidade de todos aqueles que querem ver a arte exposta e não trancada entre quatro paredes”.

Talvez a presidente não tenha usado o termo adequado – o que acontece com alguma frequência. Museus têm quatro paredes. A Mona Lisa está trancada entre quatro paredes. Se não estivesse, seria um perigo. Abaporu está exposta entre as quatro paredes do museu fundado por Costantini, o magnífico Malba, de Buenos Aires. Abaporu, que ele arrematou em 1995, num leilão em Nova York, porque nenhum brasileiro se interessou pela obra, é a Mona Lisa do Malba.

“Então – prossegue Dilma – eu proponho uma salva de palmas em agradecimento…”

A presidente não diz a quem – presuma-se que seja a Eduardo Costantini, mas cadê coragem para repetir-lhe o nome? O mecenas argentino agradece, constrangidamente, as palmas sem nome.

“ABSORVÊ O UNIVERSAL E METABOLIZÁ NO PARTICULAR”
A sobrinha-neta de Tarsila também está presente, na primeira fila, e a ela Dilma agradece “pelo fato de que generosamente também permitiu que nós utilizássemos todos os elementos ligados a essa grande pintora brasileira”.

Quem seriam os “elementos” ligados a Tarsila? Oswald de Andrade e quem mais? Ah, esse jargão dos experts…

Mas a mostra não é só Tarsila. Tem também Djanira – aquela que Dilma e Hebe confundiram com Elenira. Algo me diz que Dilma não conhece o nome do quadro (“Colhendo Café”), mas pelo menos sabe onde ele estava, originalmente:

“Também dei minha contribuição: cidi (sic) o quadro de Djanira que estava no meu, no meu escritório”

Tarsila, Djanira, esqueça. Dilma ergue um monumento à artista desconhecida ao falar das bonequeiras. Em minha ignorância sobre arte popular, presumo que sejam artesãs que façam bonecas – e é possível que muita gente da plateia tenha ficado também meio no ar. Mas, para Dilma, uma bonequeira é uma bonequeira. A arte é simples assim.

“Enfim, falar das bonequeiras. Bonequeiras”, repete, como se estivesse fixando a palavra. “Porque nós temos aí pintoras que são pintoras eu chamaria di, di, nível, é, internacional. E temos também bonequeiras que são também de nível internacional. Que eu duvido que tenha bonequeiras tão capazes como as bonequeiras mineiras. Eu não estou puxando brasa pra minha sardinha, porque tem bonequeiras nordestinas, tem bonequeiras no sul do país, enfim, mas essa exposição também evidencia a arte popular através de uma mostra das nossas bonequeiras”.

Dilma mostrou-se especialmente grata pela chance de fazer essa exposição:

“Eu queria homenageá todas as artistas que deram seus quadros – aquelas que já se foram e aquelas que ainda estão entre nós”.

Uma pequena mostra da força da presidente Dilma: as artistas não emprestaram, mas deram suas obras – inclusive as que não estão entre nós, que o fizeram postumamente, na mesa branca.

Outro agradecimento oportuno às “mulheres brasileiras que foram capazes de, ao longo de nossa história, produzir artistas fantásticas”. Previdente a presidente: dois meses antes, já faz referência ao Dia das Mães, agradecendo às genitoras das artistas expostas.

Mas a grande estrela da noite era mesmo Abaporu. E ninguém poderia ir embora sem ouvir a interpretação da crítica de arte Dilma Rousseff sobre o real significado da célebre obra antropofágica de Tarsila. A pintora é mulher? A figura é assexuada? Claro, mas os homens também estão ali simbolizados – prova Dilma:

“Nessa exposição tem uma avaliação a respeito da cultura, a respeito da arte dos homens. Eu queria lembrar que Abaporu quer dizer homem que come gente, homem que come homem, no sentido do nosso movimento antropofágico, que é a nossa capacidade de absorvê o que tem de universal em todas as culturas e metabolizá no particular. É a saída do particular ao universal que eu acho que as mulheres também foram capazes muito bem de representar, como vocês vão ver aqui. Então boa exposição pra todo mundo”.

Humm, absorver o universal e metabolizar no particular… A saída do particular… A cabecinha de Abaporu talvez não alcançasse a ideia.

Se a esfinge de Abaporu, diante de Dilma, soltasse um “decifra-me ou te devoro”, Michel Temer seria hoje presidente do Brasil.

Exposição:

Saúde: mulheres mastetêctomizadas, aos 4m20s

A trinca que trucida o português pode tirar o sono dos professores de Coimbra

Decidido a mostrar que não descansa sequer nos fins de semana, o ministro da Educação, Fernando Haddad, apareceu num seminário sobre a escassez de creches promovido em São Paulo no dia 26, um sábado, para apresentar a última ideia que lhe ocorreu: instalar uma escola pública perto de todo conjunto habitacional promovido pelo governo. “Se você prever (sic) a demanda potencial de educação, o MEC pode entrar simultaneamente construindo as escolas, enquanto constroem as casas”, explicou.

Ao trocar o correto previr por um bisonho prever, Haddad justificou o convite para acompanhar a presidente Dilma Rousseff na viagem a Portugal. A exemplo da Universidade Federal de Viçosa, que inaugurou a estranha prática, a Universidade de Coimbra também decidiu conceder o título de doutor honoris causa a um homem que nunca leu um livro nem sabe escrever. Um ministro da Educação que merece zero em conjugação verbal e uma presidente que amputa todos os erres finais dos verbos no infinitivo não poderiam ficar fora da festa do segundo doutorado do chefe.

“Quando Lula fala, o mundo se ilumina”, garantiu a companheira filósofa Marilena Chauí num post publicado em agosto de 2009 (veja a íntegra na seção Vale Reprise). Caso o palanqueiro desande na discurseira em Coimbra, a plateia descobrirá que ocorrem espantos de outra natureza quando Lula fala de improviso. Os plurais saem em desabalada carreira, a gramática se refugia na embaixada portuguesa, a regência verbal se esconde no sótão da casa abandonada, o raciocínio lógico providencia um copo de estricnina sem gelo e a razão pede a proteção da ONU para livrar-se de outra sessão de tortura.

Se ao espetáculo protagonizado pelo Exterminador do Plural forem somadas algumas declarações da Guilhotina do Infinitivo e do Terror dos Estudantes, os professores de Coimbra atravessarão algumas madrugadas tentando decifrar o enigma. Faz mais de 500 anos que o idioma oficial do Brasil chegou a bordo das primeiras caravelas. Mas os governantes da antiga colônia ainda não aprenderam a falar português.

por Augusto Nunes.

Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Tags:
Fonte:
Blog Augusto Nunes (Veja)

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

0 comentário