Agronegócio, o setor moderno, editorial do Estadao
Agronegócio, o setor moderno
O amplo conjunto formado pela agropecuária e pela agroindústria começou a destacar-se nos anos 80 - a década perdida. Dívida externa, inflação elevada e enormes desequilíbrios macroeconômicos tornaram aquele período um dos mais duros da história republicana. No meio da crise, no entanto, um setor manteve um notável padrão de crescimento e de transformação. A produção rural havia aumentado com regularidade, graças a alguns acertos e apesar de muitos erros cometidos pelo governo - os mais grotescos, sem dúvida, por meio do controle de preços no Plano Cruzado, em 1986-87.
A crise prolongada interrompeu os programas de investimento e de modernização da indústria iniciados na década anterior, mas a agropecuária venceu os obstáculos, impulsionada pelas oportunidades abertas no Cerrado, pela mudança tecnológica favorecida pelo trabalho da Embrapa e de outras instituições de pesquisa e pelo empenho de empreendedores dispostos a buscar mercados no exterior.
A transformação mais veloz foi a das produções destinadas à exportação, mas acabou contaminando os demais segmentos da agropecuária. Uma das consequências mais notáveis foi a alteração dos preços relativos, com o barateamento da comida. Já no começo dos anos 90 os técnicos responsáveis pelos principais índices de inflação mudaram a composição de seus cálculos, para reduzir o peso da alimentação no orçamento familiar.
A maior parte da agropecuária estava preparada para competir em todos os mercados e, portanto, para enfrentar a abertura da economia no começo dos anos 90. A lavoura mais abalada foi a do algodão, até porque o mercado nacional foi inundado por produto subsidiado. Mas o segmento se recuperou e as lavouras foram modernizadas.
Também a indústria se modernizou, com a adoção de novos processos produtivos, novas tecnologias e estratégias mais adequadas à competição global. Mas a produtividade geral do País continuou baixa. Completado o primeiro ciclo de reformas da era do real, no começo deste século, as inovações de grande alcance foram interrompidas. Milhões de consumidores entraram no mercado, mas pouco se fez para ampliar a capacidade de oferta da indústria, prejudicada por custos institucionais e outros fatores de ineficiência.
O agronegócio, também afetado pelas más condições da infraestrutura e por outras desvantagens brasileiras, continuou competitivo graças a novos investimentos e à eficiência acumulada num longo período. Neste ano, até julho, o valor exportado pelo setor, US$ 53,7 bilhões, foi 4,1% maior que o de um ano antes, enquanto a receita comercial da maior parte da indústria diminuiu. Nesse período, as vendas da agroindústria garantiram 41,1% do total faturado no comércio exterior. O saldo comercial do setor, US$ 44,5 bilhões, foi mais que o quádruplo do superávit geral da balança de mercadorias, US$ 9,9 bilhões.
O saldo comercial do agronegócio cresceu 574,1% entre 1992 e 2011 e continuou positivo mesmo entre 1995 e 2000, quando o conjunto do comércio foi deficitário. O total exportado aumentou 615,3% naquele período, mas com participação decrescente dos manufaturados nos últimos anos. A contribuição do agronegócio teria sido muito diferente se tivessem sido aplicadas as políticas pregadas pelo PT até há poucos anos. Haveria muito menos comida na mesa dos brasileiros e muito menos dólares no saldo comercial.
O agronegócio e o interesse nacional
Todo brasileiro minimamente bem informado sabe da importância do agronegócio para a nossa economia. Mas, chamado a definir essa atividade, talvez não consiga ir além de vagas referências à produção rural. O agronegócio, contudo, é algo bem mais extenso e complexo. Ultrapassa os limites do campo. Aliás, muitos dos profissionais da área trabalham à frente de computadores, em escritórios com ar-condicionado, nos modernos prédios de grandes centros urbanos, e talvez nunca tenham sujado as botas numa fazenda. A adequada proteção do interesse nacional em relação ao agronegócio, em razão da significativa importância da atividade para a economia brasileira, pressupõe sua definição com clareza.
Para entender o que vem a ser o agronegócio convém partir daquela clássica, e bastante conhecida, divisão da economia em três setores: primário (agricultura, pecuária e outras atividades extrativistas), secundário (indústria e comércio atacadista) e terciário (varejo e serviços). O agronegócio simplesmente não se encaixa nessa classificação, por ser uma atividade que "atravessa" os três setores, unindo atividades agrícolas, industriais e de serviços.
O agronegócio é o exemplo mais acabado do que os economistas chamam de "rede negocial", conceito baseado em estudos desenvolvidos desde os anos 1950 na Universidade Harvard (production chain) e na ciência econômica francesa (filières). Consiste num articulado conjunto de contratos, operações financeiras e negócios ligado à produção agrícola.
O agronegócio não se limita, assim, especificamente à plantação e ao cultivo das commodities agrícolas (cana, soja, milho, trigo, café, etc.), embora essa atividade esteja no centro da rede agronegocial. Também a integram a produção e comercialização de sementes, adubos e demais insumos, distribuição, armazenamento, logística, transporte, financiamento, conferência de qualidade e outros serviços, bem como o aproveitamento de resíduos de valor econômico. É, na verdade, a interligação racional de todas essas atividades econômicas que compõe o agronegócio, e não cada uma delas em separado.
Para ilustrar como se dá essa interligação, considerem-se dois empresários da rede: um agricultor que planta soja e uma companhia trading. O primeiro entende tudo sobre a produção de soja. Conhece as técnicas de plantio, os meios apropriados para a prevenção de pragas, a melhor época para a colheita, etc. Mas, embora entenda tudo sobre produção de soja, não tem conhecimento suficiente para acompanhar com facilidade as oscilações do preço do produto no comércio internacional nem para se proteger de eventuais quedas na cotação, que podem comprometer todo o seu esforço empresarial. Já os operadores da companhia trading entendem tudo sobre o mercado internacional de soja, acompanham as cotações do produto e sabem acionar sofisticadas medidas de proteção contra as oscilações dos preços. Em geral, trabalham de olho nos mercados de produtos variados, mas talvez não consigam, numa viagem ao campo, distinguir a plantação de soja da de cana-de-açúcar. E nem precisam, para bem desenvolver seus trabalhos, desse conhecimento. Devem é estar bem familiarizados com os instrumentos financeiros pelos quais investidores do mundo todo chamam para si o risco das oscilações dos preços das commodities agrícolas.
O agronegócio é a rede em que se encontram o produtor rural (que sabe plantar e colher soja, mas não compreende nem quer expor-se aos riscos da variação dos preços) e a trading (cuja expertise é o mercado internacional de commodities agrícolas e os instrumentos financeiros que podem poupar os produtores rurais das oscilações dos preços). Cada um cuidando do que sabe fazer melhor contribui para a plena eficiência da integração racional da rede de negócios.
Pois bem, o interesse nacional volta-se para a proteção da própria rede agronegocial, isto é, dessa integração racional de atividades econômicas, que acabam se tornando bastante interdependentes. À economia brasileira interessa a plena eficiência dessa integração. Cada uma das atividades do agronegócio, quando isoladamente considerada, não tem, nem de longe, a mesma relevância para o País que a rede de contratos e operações tomada como um conjunto integrado.
A lei deve proteger o interesse nacional na integração do agronegócio. A distribuição de riscos entre os diversos empresários que atuam na rede, estabelecida pelos contratos que celebram, deve ser preservada para que a atividade continue crescendo e contribuindo para o desenvolvimento da economia brasileira.
Em outros termos, e de modo bastante concreto, quando dois empresários da rede agronegocial se desentendem relativamente ao contrato que celebraram, a lei deve determinar ao juiz que resolva o impasse desconsiderando os interesses individuais deles e adotando a decisão que corresponda ao interesse nacional, de todos os brasileiros, isto é, que assegure a preservação da própria cadeia integrada de negócios.
Como as atividades do agronegócio, por definição, se tornam interdependentes, cada empresário, compondo um elo da imensa cadeia econômica, deve cumprir as obrigações contratadas para que não se comprometam a existência e a consistência da própria rede. À economia brasileira interessa a integridade da integração. O Direito Comercial deve, em nome da proteção do interesse nacional, prover os meios para tanto.
Na verdade, o interesse na preservação da cadeia agronegocial é, a rigor, transnacional, extrapola o âmbito do nosso país. Projeções apontam que a segurança alimentar de toda a humanidade depende muito do regular desenvolvimento do agronegócio brasileiro. Quando a lei assegurar a proteção da cadeia, acima dos interesses individuais dos empresários que a compõem, estará tutelando também os direitos dos povos de todo o mundo e das gerações futuras.
* JURISTA, É PROFESSOR DA PUC-SP
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