Editorial do Estadao: Dilma na hora da verdade

Publicado em 09/12/2012 16:14
Quando escolheu a ministra-chefe de seu Gabinete Civil, Dilma Rousseff, para disputar pelo PT a sua própria sucessão na Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva tratou logo de embalar a futura candidata com atributos de excepcional gestora da coisa pública, adornando-a com a obsequiosa qualificação de "Mãe do PAC". 

No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Lula depositava alentadas esperanças de se consagrar como o governante que teria feito tudo aquilo que ninguém jamais ousara ou tivera o descortino e a capacidade de fazer antes na história deste país. Ser "mãe do PAC", condição que obviamente implicava elevada capacidade administrativa, era - para usar a expressão que o lulopetismo popularizou - "mel na chupeta", fórmula infalível para garantir a vitória eleitoral. Tese que resultou provada, confirmando a enorme habilidade política de seu inventor.

O que resta a ser comprovado, quando a "mãe do PAC" está prestes a completar dois anos de governo, é sua tão decantada capacidade administrativa. Ninguém melhor do que Dilma Rousseff entende as dificuldades de governar nas condições consagradas pelas práticas habituais dos oito anos precedentes a sua ascensão ao Palácio do Planalto. Como também não ignora que manter incólume a imagem de governante competente é essencial para garantir a pretensão de se reeleger daqui a dois anos. E não é por outra razão que ela se tem mostrado obsessivamente empenhada em blindar sua imagem de gestora eficiente.

De fato, o desafio que Dilma tem pela frente não é brincadeira. Para começar, é preciso reconhecer que assumiu o governo em condições muito menos favoráveis do que aquelas em que seu padrinho navegou durante a maior parte dos oito anos de mandato: a estabilização monetária e o início da modernização do Estado, levados a bom termo nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique, ao que se somou uma conjuntura econômica internacional extremamente favorável pelo menos até 2008.

Dilma, por sua vez, chegou ao poder tendo pela frente desde logo três condições severamente adversas: a economia global em crise; uma estrutura governamental contaminada por oito anos de verdadeira farra do boi com as finanças públicas e com capacidade operacional seriamente prejudicada por um aparelhamento partidário sem precedentes; e a manifestação clara dos efeitos negativos da ineficiência de uma gestão pública marcada pelo fisiologismo e pelo aparelhamento político-partidário da máquina do Estado.

Mas o fato é que nada, senão um incorrigível dogmatismo ideológico e a vocação autoritária, justifica a insistência com que Dilma Rousseff tem metido os pés pelas mãos na tentativa de enveredar por atalhos desastrados para a solução de problemas importantes. Tomem-se como exemplo as medidas para baratear a energia elétrica. É muito fácil prometer ao País energia 20% mais barata e impingir a conta goela abaixo do Tesouro, dos governos estaduais e dos acionistas minoritários das empresas energéticas. E ainda por cima acusar de "insensibilidade" os que se recusam a se submeter ao golpe. Equívocos como esse, que se somam à inoperância dos PACs, às indefinições do pré-sal, à ausência de resultados significativos nas áreas de saúde e saneamento, à sempre adiada transformação da Educação em prioridade básica, à absoluta incapacidade de inovar e avançar na área cultural - tudo isso, dois anos passados da posse na Presidência, coloca em xeque a imagem de competência gerencial de Dilma Rousseff que os marqueteiros petistas venderam para o público.

E não serão medidas paliativas ou lances de pura promoção pessoal que impedirão que os indicadores econômicos continuem se deteriorando a ponto de afetar o bolso da "nova classe média" e, em consequência, abalar a popularidade de Dilma Rousseff. E o que o governo faz para melhorar seu desempenho? Aperfeiçoa métodos de planejamento e gestão? Não. Manda instalar 170 câmeras de TV para que a presidente possa fiscalizar obras públicas em tempo real. É inútil fiscalizar o que não foi competentemente planejado.

A decisiva segunda metade

por Pedro Malan, ECONOMISTA, FOI MINISTRO, DA FAZENDA NO GOVERNO , FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, E-MAIL: [email protected] - O Estado de S.Paulo

Dilma Rousseff não contou, na primeira metade de seu mandato presidencial - e não contará na segunda -, com um contexto internacional favorável como contou Lula, embora o ex-presidente nunca tenha reconhecido o quanto dele se beneficiou. E se Lula preferiu "esquecer" esse fato, o governo Dilma viu-se obrigado a chamar a atenção - com insistência - para a crise no mundo desenvolvido, seu ministro da Fazenda chegando a afirmar que se não fosse a crise internacional o Brasil poderia estar crescendo em torno de 4,5% a 5% ao ano.

Mas o fato é que há países no mundo que estão respondendo bem à crise com que se defrontam os Estados Unidos, a Europa e o Japão. Para ficar apenas aqui, na América Latina, as taxas de crescimento no biênio 2011-2012 no Chile, na Colômbia, no Peru e no México são - em muito - superiores à brasileira. As taxas de inflação desses quatro países são - em muito - inferiores à brasileira. E as taxas de investimento desses mesmos quatro países estão na faixa dos 23% a 25%, ante os 18% a 19% do Brasil.

Há um quase consenso entre economistas brasileiros das mais variadas persuasões de que a chave para o nosso crescimento econômico sustentado é o aumento de nossa taxa de investimento dos atuais 18%-19% para níveis próximos dos desses quatro países latino-americanos citados acima (que já são abaixo dos asiáticos). Volto ao tema do artigo publicado neste espaço em junho deste ano (Urgências no gradualismo), agora com referência mais específica aos problemas do setor de petróleo e gás.

Em 7 de setembro de 2009 a então chefe da Casa Civil e óbvia candidata à Presidência da República concedeu ao jornal Financial Times longa e detalhada entrevista sobre o tema. A primeira e natural pergunta do jornalista foi: "Por que mudar o regime de concessão para o de partilha?".

Dilma Rousseff foi muito clara ao apresentar, e reiterar, ao longo da importante entrevista as suas três razões básicas: baixo risco exploratório no pré-sal, alta taxa de retorno sobre o investimento na área e reservas potenciais de petróleo e gás que poderiam chegar a dezenas de bilhões de barris de petróleo equivalente. A conclusão ou o corolário natural que a então ministra defendeu com convicção: "Nós (governo) queremos uma fatia maior das receitas deste petróleo". Daí a decisão de mudança do regime de concessões para partilha. (A propósito, acaba de sair um bom livro sobre esse tema, editado por Fabio Giambiagi e Luiz Paulo Velloso Lucas.)

Deixemos de lado uma pergunta fundamental: era mesmo preciso mudar totalmente a Lei do Petróleo de 1997 apenas para aumentar a fatia do governo? (Algo que o regime de concessões, adaptado, já permitiria, dizem especialistas, por meio do aumento da "participação especial" para os novos campos do pré-sal.) A questão relevante, no entanto, após a controvertida decisão da mudança de regime, passou a ser a viabilização dos investimentos para a empreitada, principalmente com a Petrobrás tendo de assumir a posição de operadora, com pelo menos 30% de todos os campos do pré-sal a serem explorados.

Em entrevista a este jornal há exatos três anos (2/12/2009, Economia, página B3), Sergio Gabrielli, então presidente da Petrobrás, diz o seguinte: "Hoje, a Petrobrás tem um plano de investimentos de US$ 174 bilhões para cinco anos (2009-13), que vai aumentar. Quanto eu não sei ainda. Mas, com certeza, é maior. US$ 174 bilhões em cinco anos significa cerca de US$ 35 bilhões por ano". E acrescenta: "A companhia não é capaz de gerar caixa livre para fazer esse investimento". Em 2009 a Petrobrás levantou US$ 31 bilhões de dívida nova (fato muito enfatizado pela ministra-chefe da Casa Civil na entrevista de 7 de setembro, supondo que captações adicionais não seriam problema, dadas as suas três razões básicas já mencionadas).

Mas Gabrielli nota que a Petrobrás tem de respeitar certos limites na relação dívida/capital próprio. E que seria necessária uma capitalização da empresa - como veio a ser feito. Sobre a capacidade de endividamento futuro da empresa, Gabrielli refere-se ao "potencial de produção" de quatro campos, diz que em outros quatro não se sabe qual o volume e que "das áreas não concedidas ninguém sabe nada". Como continuamos não sabendo, porque não há leilões nem para o pré-sal nem para nenhuma outra área, inclusive em terra, desde dezembro de 2008 - quatro anos atrás. Tempo precioso.

A pergunta fundamental continua sendo: a mudança de regime de concessão para o de partilha aumentou os incentivos ao investimento, público e privado (doméstico e internacional) no setor de petróleo e gás e em sua cadeia? Em outras palavras: para a mesma expectativa quanto às possibilidades de produção potencial do pré-sal, o ambiente de negócios melhora, piora ou é indiferente no que se refere ao regime escolhido?

Os casos do petróleo - e da energia elétrica - não são isolados. As mesmas controvérsias sobre os papéis relativos do Estado, de empresas públicas e do setor privado existem em outras áreas, como portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, trens-bala, saneamento, abastecimento de água. A convivência de diferentes visões por vezes levou a paralisias decisórias, que a presidente Dilma vem, à sua maneira, procurando enfrentar.

Vale concluir com pertinente observação de Felipe González, ex-primeiro ministro da Espanha: "Paradoxalmente, o grande problema da ideologia é que ela obscurece o debate de ideias sobre a ação do poder público ao tratar como grandes questões políticas e morais problemas específicos que deveriam ser enfrentados como questões de eficiência operacional do setor público, quando não há diferenças de vulto sobre os objetivos a alcançar, e sim sobre as formas mais eficazes de fazê-lo".

Até 2014 teremos, talvez, alguma indicação adicional sobre essa questão.

Até lá, um feliz Natal e um próspero ano-novo a todos!

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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