FOLHA: China começa a discutir hoje maior reforma econômica em 2 décadas
cúpula do Partido Comunista chinês dá início hoje a uma reunião fechada de quatro dias sob grande expectativa de que sejam definidas as reformas socioeconômicas mais significativas no país em duas décadas.
A necessidade de mudanças é movida pelo consenso cada vez maior de que o modelo que levou a China a transformar-se na segunda economia do mundo está perto do esgotamento.
O governo sinaliza que as reformas serão "sem precedentes". O objetivo é reduzir o foco em investimentos e exportações e incentivar consumo doméstico, abertura a forças de mercado e inovação.
A terceira sessão plenária do 18º Comitê Central do Partido Comunista será um teste para a ambição do presidente chinês, Xi Jinping, de igualar o pioneirismo de Deng Xiaoping, o líder que inaugurou a abertura da economia chinesa em 1979.
Apesar da expectativa inflada por governo e mídia estatal, o escopo das mudanças é cercado de mistério, em meio a uma queda de braço entre reformistas e conservadores na cúpula comunista.
Há uma semana, Xi disse a visitantes estrangeiros que a plenária aprovará diretrizes para reformas amplas. A meta é dobrar o PIB até 2020 e evitar a "armadilha da renda média", estagnação comum a economias emergentes.
Entre as mudanças em estudo estão a liberalização de taxas juros para depósitos, a permissão para que migrantes rurais comercializem suas terras e se estabeleçam em centros urbanos e a reforma fiscal para que governos locais dependam menos de vendas de terras.
A pressão popular por mudanças se concentra sobretudo no registro de residência conhecido como "hukou". Adotado em 1958, ele nega aos migrantes rurais acesso a educação e saúde nas cidades e os impede de adquirir bens como carros e imóveis.
O ritmo das mudanças deve ser gradual. A redução do poder das estatais esbarra no interesse dos dirigentes comunistas que as controlam. Muitos analistas não acreditam que as reformas serão "um ponto de inflexão com medidas drásticas" -palavras da agência de notícias oficial, Xinhua.
"A abertura do setor bancário e mudanças nos juros foram lançadas em 1994, mas as metas não foram cumpridas", disse à Folha o economista Xia Yeliang, da Universidade de Pequim.
A falta de clareza sobre a ambição das reformas foi reforçada por uma das poucas novidades tangíveis reveladas até agora, a zona franca de Xangai. Mais de um mês após sua abertura, os investidores continuam sem detalhes das regras do jogo.
Editorial da Folha: Negócio da China
A comitiva encabeçada pelo vice-presidente Michel Temer fracassou em reabrir o mercado chinês à carne bovina --fechado desde o ano passado, após um caso do mal da vaca louca no Paraná--, não conseguiu promover a exportação de manufaturados brasileiros e ouviu pouco mais que promessas vagas sobre os demais temas.
Verdade que um protocolo fitossanitário abrirá caminhos para o milho brasileiro. As vendas desse produto para a China poderiam saltar de US$ 19 milhões (vendas do ano passado) para R$ 4 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda.
A projeção, contudo, dificilmente se concretizaria em menos de cinco anos. Depende, além disso, da demanda chinesa --e nada sugere que o Brasil oferecerá atrativos maiores que os dos americanos em termos de preço e logística.
No mais, a comitiva brasileira repetiu inócuas reclamações sobre o desequilíbrio no comércio bilateral, em que o Brasil praticamente só vende soja, minério de ferro e petróleo (mais de 80% no ano passado) e compra quase tudo em manufaturados (95%).
A concentração das exportações em poucos produtos deixa o Brasil vulnerável a variações bruscas. Será grande o revés se a China, desde 2009 o principal parceiro comercial do país, conseguir diversificar seus fornecedores.
Por enquanto, o comércio bilateral continua crescendo. Até setembro, alcançou US$ 63,7 bilhões, aumento de 11% em relação ao mesmo período do ano passado, com um superavit de US$ 8,1 bilhões.
É enorme a importância dessa relação. Basta ver que o comércio com os EUA, segundo parceiro do Brasil, movimentou até setembro deste ano US$ 45,2 bilhões, com deficit de US$ 8,5 bilhões.
No próximo ano, o líder máximo da China, Xi Jinping, deverá visitar o Brasil. Será uma boa oportunidade para fazer as relações bilaterais superarem o atual estágio.
Atrair investimentos e diversificar a pauta de exportação, porém, demandará mais preparo e ousadia dos interlocutores brasileiros --no governo e no setor privado. Não é por acaso que observadores dessa parceria costumam dizer que não é o Brasil que está vendendo; é a China que está comprando.