Na VEJA: Estratégia equivocada de Putin na Ucrânia deve expor fragilidade russa

Publicado em 05/03/2014 05:34
Um dos ativos que sofreu uma maior correção foi o rublo. O temor diante de um corte do fornecimento de trigo e milho, dos quais a Ucrânia é um importante produtor, encareceu seu preço em 4% e 7%,

A Rússia vem aumentando sua presença militar na região da Crimeia, enquanto países ocidentais deixam clara sua preocupação a respeito. Mas a investida na Ucrânia, que poderia ser uma demonstração de força, pode acabar ressaltando a fraqueza de Moscou, como apontou o colunista de política internacional do Washington Post, David Ignatius. Em artigo, ele afirma que “quanto mais a Rússia prossegue com dificuldade em sua estratégia revanchista, piores se tornam seus problemas”. O colunista faz referência à nostalgia da Rússia pelo passado soviético e à falta de entendimento de que “o centro de gravidade da ex-União Soviética mudou para o oeste”.

Ignatius adverte que o erro de cálculo de Putin ainda pode piorar o cenário, com as tropas russas sendo levadas mais para dentro da Ucrânia, preparando o terreno para uma guerra civil. “Esse é o tipo de erro que pode levar a consequências catastróficas”, escreveu o colunista, destacando que americanos e europeus devem interromper a violação russa à “ordem internacional” (leia a íntegra, em inglês).

O professor Evert Vedung, especialista em União Europeia e professor emérito de ciência política da Universidade de Uppsala, na Suécia, diz que o Kremlin não tem força para iniciar uma guerra com o Ocidente – que também não quer um conflito com a Rússia. “Nos últimos anos, Putin deu início a um considerável rearmamento das forças russas, mas esse rearmamento começou de um ponto muito baixo. As forças russas não podem ser medidas tecnicamente com as ocidentais. A Rússia não tem capacidade de iniciar uma guerra”, diz Vedung ao site de VEJA.

Na avaliação do especialista, o pior que poderia ocorrer neste momento seria as tropas russas tentarem invadir a região da bacia de Donetsk, no extremo leste da Ucrânia. “Esta região é altamente industrializada. Foi muito importante nos tempos soviéticos para todo o país. [Uma invasão] aumentaria o risco de uma guerra aberta”, diz Vedung.

Nesta terça-feira, Putin concedeu uma entrevista coletiva em que cogitou o uso da força como “último recurso”. Mas o líder russo não deve dar um passo muito arriscado, avalia Tatiana Kastouéva-Jean, especialista em Rússia do Instituto Francês de relações internacionais. Em entrevista ao jornal Libération, ela disse que o presidente russo ocupa a Crimeia “para obter algo e assim poder negociar”. A especialista lembra que a Rússia foi contra a intervenção militar na Síria com base na defesa da soberania dos Estados. “Mudar de doutrina pela Crimeia colocará Putin em uma contradição que poderá se voltar contra ele no futuro."

Tatiana também destacou fatores que levam o Kremlin a se dedicar tanto à questão da Ucrânia, como o temor de que o país fechasse um acordo com a União Europeia – que acabou sendo recusado pelo presidente deposto, Viktor Yanukovich, em novembro, dando início à crise. O acordo autorizaria, por exemplo, a passagem de mercadorias europeias para a Rússia através da Ucrânia, o que aumentaria a concorrência com os produtos russos (leia a entrevista na íntegra, em francês).

Em editorial, o jornal The New York Times ponderou que, apesar de haver muito a se criticar na forma como o governo ucraniano foi deposto, nada justifica a reação russa. “Os Estados Unidos e a União Europeia possuem poucos instrumentos eficazes além da força militar, que não é uma opção, para compelir o presidente Putin a recuar, mas eles devem deixar claro que ele ultrapassou muito os limites do comportamento civilizado, e que isso tem um alto preço para as relações econômicas e internacionais”.

EL PAÍS: A crise encarece as matérias-primas e leva os investidores a procurar refúgio

O temor de um conflito armado na Ucrânia disparou os alarmes nos mercados internacionais. Em um dos focos da crise, em Moscou, o principal índice da Bolsa — RTS —, registrou uma queda de 11,5% — com a Gazprom na frente das perdas — e o rublo atingiu mínimas históricos. As vendas, além disso, se espalharam por toda a Europa provocando quedas superiores a 2% nas Bolsas de referência, ao mesmo tempo em que se encareceram algumas das principais matériasprimas e subiu a cotação do ouro por sua condição de refúgio em tempos de incerteza.

Um dos ativos que sofreu uma maior correção foi o rublo. A divisa russa, que já estava em baixa antes do conflito, reforçou sua queda até atingir mínimas frente ao dólar, em 37 rublos, e ao euro, em 51 unidades.

Para frear a depreciação, o Banco Central da Rússia elevou as taxas de juros de referência de 5,5% a 7%. “A decisão está dirigida a evitar o aparecimento de riscos inflacionários e garantir a estabilidade financeira ante o acréscimo da volatilidade nos mercados financeiros”, assinalou a entidade emissora em um comunicado. Além disso, com o mesmo objetivo, a instituição interferiu nos mercados de divisas vendendo 10 bilhões de dólares de suas reservas.

Nos mercados internacionais, o temor diante de um corte do fornecimento de trigo e milho, dos quais a Ucrânia é um importante produtor, encareceu seu preço em 4% e 7%, segundo os índices de Chicago que são a referência destes produtos no mundo. Também disparou o preço do petróleo até máximas anuais de 112,4 dólares por cada barril de Brent, o tipo negociado em Londres.

Mas não tudo foram más notícias para o Kremlin. Assim, segundo o último inquérito do Centro Russo de Estudo da Opinião Pública, o apoio da população ao presidente Vladímir Putin atingiu na última semana quase 68%, o que significa o nível mais alto dos últimos doze meses. Segundo os especialistas, neste resultado influíram tanto a bem-sucedida organização dos Jogos Olímpicos de Sochi como a posição de Moscou diante da crise na Ucrânia.

Enquanto isso, o Ministério Público russo ordenou ao organismo supervisor da Internet, Roskomnadzor, bloquear as páginas dos nacionalistas ucranianos. A exigência foi a resposta do Executivo ao apelo feito no domingo pelo líder do setor da direita Dmytro Yárosh ao chefe dos rebeldes chechenos, Doku Umárov. Nele, Yárosh pedia a Umárov, organizador de vários atentados terroristas contra a Rússia, que atuasse nas cidades russas e defendesse a Ucrânia, como já fizeram os voluntários que combateram antes do lado dos chechenos. A promotoria abriu uma causa criminosa contra Yarosh, mas o porta-voz do setor da direita se desvinculou desse apelo e disse que o líder da organização não tinha nada a ver com o documento e que seu aparecimento se explica porque sua página foi hackeada por desconhecidos.

Putin não descarta uma intervenção se o caos se apodera de Ucrânia

O presidente russo, Vladímir Putin, decidiu finalmente falar perante os russos sobre a situação na Ucrânia, e nesta terça-feira disse aos jornalistas reunidos em sua residência que no país vizinho houve um golpe de Estado violento, mas avaliou que por enquanto não é necessário utilizar as tropas russas. Putin advertiu, não obstante, que o faria “em caso extremo” e “como último recurso” para defender a população ucranianas das zonas do leste e do sul. Sobre a Crimeia, Putin declarou que a Rússia não pretende anexar essa península.

Na Ucrânia “houve um golpe de Estado” e “tomou-se o poder com as armas”, manifestou Putin, acrescentando que a pergunta chave é por que o fizeram em circunstâncias nas quais, ao assinar o acordo do 21 de fevereiro passado, Viktor Yanukovich praticamente entregava o poder. Cedia a todas as exigências da oposição: eleições presidenciais antecipadas, eleições parlamentares, volta à Constituição anterior. Mas quando Yanukovich viajou a Carcóvia, a oposição, em vez de cumprir os acordos, tomou violentamente o poder. Com qual propósito, se todos coincidiam em que Yanukovich não tinha nenhuma possibilidade de ganhar alguma eleição?, perguntou-se o líder russo.

"Não se pode alimentar a ilegalidade", sobretudo em um espaço como o da desaparecida União Soviética, disse Putin acrescentando que tinha que atuar exclusivamente “nos enquadramentos da Constituição”.

Putin disse que os homens nas ruas sofriam com todos os presidentes da Ucrânia, que sua situação nestes anos não melhorou enquanto a corrupção alcançou níveis extraordinários, ainda mais altos que na Rússia, onde reconhece que o problema é grave. Por isso, “compreendo as pessoas do Euromaidan”, que continuam na praça e exigem “mudanças radicais”. “Fazem-no porque estão acostumados ao fato de uns ‘chouriços’ sejam substituídos por outros”, opinou.

O líder russo afirmou que por enquanto “não há necessidade” de utilizar as Forças Armadas no país vizinho, mas lembrou que existe essa possibilidade graças à autorização dada pelo Senado e advertiu que o fará se tiver de “defender os ucranianos” das regiões do sul e do leste. Putin disse que, embora não dependa dele, considera que todos os ucranianos, independentemente da região do país em que vivem, devem ter direito a participar na determinação de seu futuro e no destino da seu pátria.

Na Crimea a única coisa que a Rússia fez foi reforçar a proteção das instalações militares que ali tem e fez notar que na península nenhum fuzil disparou. Os mesmos habitantes bloquearam os militares ucranianos e entraram em acordo com eles para evitar confrontos, disse Putin, prognosticando que se a Rússia se vir obrigada a utilizar seu exército está “seguro de que os soldados” ucranianos e russos “estarão em uma mesma trincheira” como aconteceu na Crimeia.

Mas insistiu que o uso das tropas russas se fará só “em caso extremos”.Para Putin, Kiev deveria dar garantias à população que fala russo nas regiões do sul e do leste da Ucrânia.

O presidente russo assegurou que as manobras que se realizavam no dia 26 de fevereiro terminaram, como estava previsto, na segunda-feira, e nada têm a ver com a situação ucraniana. “Era algo planejado muito antes”, insistiu, mas não se podia informar nada porque os exercícios se realizam no enquadramento das inspeções surpresas para comprovar a preparação das Forças Armadas no caso de necessidade de uma reação rápida e imprevista. As manobras abarcaram os distritos militares do centro e da zona ocidental do país e não incluíam a Frota do Mar Negro, que tem sua principal base em Sebastopol. Ao todo, nos exercícios militares participaram 150.000 efetivos.

Sobre as possíveis multas a respeito da Rússia, Putin opinou que antes de mais nada deveriam pensar em suas consequências aqueles que pretendem impô-las, já que “no mundo moderno, onde tudo está relacionado e onde todos dependem de todos, logicamente pode ser feito um dano, mas o dano será recíproco”.

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Veja + El País

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1 comentário

  • Antonio Carlos Nogueira Fortaleza - CE

    Pela matéria podemos notar que trata-se de um confronto por questões econômicas, pois a Ucrânia possui um solo fértil com produção de grãos que interessa para Rússia e ainda fica num ponto estratégico por onde passam os gáseodutos para Europa que saem da Rússia.

    Temos um pais divido por duas línguas e isso complica na solução e algum racha deverá acontecer.

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