Sem vigor para crescer, editorial do ESTADÃO

Publicado em 14/06/2014 17:24

Sem vigor para crescer

O ESTADO DE S.PAULO

14 Junho 2014 | 02h 05

Mais um número oficial aponta uma economia em marcha muito lenta e reforça a avaliação de um segundo trimestre muito ruim - depois de um crescimento de apenas 0,2% no período de janeiro a março. Considerado uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB), o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) avançou 0,12% de março para abril e ficou 0,67% abaixo do registrado um ano antes, na série com desconto dos fatores sazonais. O crescimento acumulado em 12 meses ficou em 2,19%, mas o resultado dos primeiros quatro meses do ano foi somente 0,79% maior que o de janeiro a abril de 2013. Combinada com outros números de abril e maio, a nova informação divulgada pelo BC parece dar razão a quem aposta em um balanço geral muito ruim para este semestre.

Nem o aumento de consumo normalmente esperado de um grande evento como a Copa do Mundo foi confirmado, pelo menos até agora. De janeiro a abril, o volume de vendas de eletrodomésticos foi 5,6% maior que o de um ano antes, apesar da expectativa de grande expansão de vendas de televisores. No confronto com os dados do primeiro quadrimestre de 2013, o desempenho do setor de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria foi melhor que o de eletrodomésticos, com expansão de 10,7%.

No conjunto, os números do comércio foram fracos, com redução de 0,4% no volume do varejo restrito, entre março e abril, e queda de 0,3% da média móvel trimestral. No caso do varejo ampliado - com inclusão de veículos, autopeças e material de construção -, essa média móvel diminuiu 0,9%.

O esgotamento da política centrada no estímulo ao consumo é cada vez mais claro. Sem investimento suficiente e sem condições de enfrentar a competição internacional, a indústria permanece em baixo ritmo de atividade e com poucas possibilidades de expansão.

Em abril, a indústria voltou a demitir e a reduzir o número de horas pagas. A recontratação de pessoal poderá ser difícil e cara, em caso de retomada do crescimento, porque a oferta de mão de obra aproveitável é escassa. Mas, diante de perspectivas cada vez menos animadoras, a manutenção de quadros de pessoal maiores que os necessários também se torna complicada.

Com os custos em alta e sem expectativa de melhora econômica em prazo razoável, os empresários tendem a investir apenas o mínimo necessário para continuar a atividade. Segundo a Sondagem de Investimentos divulgada ontem pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), diminuiu no segundo trimestre a parcela de executivos dispostos a aplicar dinheiro em máquinas, equipamentos, veículos e instalações.

Trinta por cento dos consultados indicaram a intenção de investir mais nos próximos 12 meses, enquanto 21% apontaram previsão de menor investimento. No trimestre anterior, essas parcelas eram 34% e 16%, respectivamente. A proporção de empresas sem programa de investimentos aumentou de 17% em 2013 para 18%.

Quase metade dos consultados - 49% - mencionou alguma dificuldade para investir. Há um ano foram 46%. A porcentagem verificada na sondagem recém-divulgada foi a maior desde a recessão de 2009. Os principais obstáculos mencionados foram a limitação de recursos, indicada em 45% das repostas, as incertezas quanto à demanda, citadas por 37% dos consultados, e a carga tributária, apontada por 36% dos executivos. O custo do financiamento e a taxa de retorno inadequada aparecem nas posições seguintes.

As motivações apontadas pelos consultados evidenciam a disposição conservadora. O principal objetivo do investimento, indicado por 31% dos consultados, é aumentar a eficiência produtiva. Isso implica redução de custos, sem envolver, necessariamente, maior produção. O aumento da capacidade foi citado em 27% das respostas. Há um ano, apareceu em 32%, enquanto a busca de eficiência foi mencionada em 33%. Expandir a capacidade de produção apareceu em segundo lugar desde 2012. A preocupação com o corte de custos tem sido mais importante que a expectativa de produzir mais, pelo menos a curto prazo. É fácil detectar a insegurança.

 

Torcer pela China

Mais do que nunca o Brasil depende do vigor econômico da China, principal destino de suas exportações, e do sucesso do programa de reformas implantado pelas autoridades de Pequim. Em relação aos dois pontos as notícias são boas, por enquanto, segundo avaliam o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras instituições multilaterais. A importância da China para o comércio do Brasil aumentou e consolidou-se desde a virada do século. Em 2000, as exportações para o mercado chinês proporcionaram receita de US$ 1,08 bilhão, ou 1,97% da receita comercial. No ano passado o mercado chinês absorveu produtos brasileiros no valor de US$ 46,03 bilhões, equivalentes a 19% do total faturado pelos exportadores nacionais.

A relevância desse intercâmbio continua aumentando. Neste ano, até maio, as vendas brasileiras ao mercado chinês renderam US$ 19,09 bilhões, ou 21,2% da receita comercial do período. A prosperidade chinesa é também essencial para a Ásia e, portanto, para a economia brasileira. A região importou do Brasil, nos cinco primeiros meses deste ano, US$ 31,43 bilhões, 34,9% das vendas totais do País até o mês passado, US$ 90,06 bilhões.

Em contrapartida, os exportadores chineses conquistaram espaços no mercado brasileiro, com vendas de US$ 15,76 bilhões neste ano, até maio, 16,6% do total comprado pelo País. O valor importado da Ásia, US$ 30,44 bilhões, correspondeu a 32,1% do total da despesa. A União Europeia, em segundo lugar na classificação de regiões e blocos, teve uma participação de 20,7%, com vendas de US$ 19,67 bilhões.

Por enquanto, as perspectivas de crescimento da China e da maior parte da Ásia continuam muito boas. A economia chinesa cresceu 7,7% no ano passado e deve crescer 7,5% neste ano e 7,3% no próximo, de acordo com as projeções do FMI, muito parecidas com as de outras instituições. Para a Ásia emergente o Fundo projeta expansão de 6,7% em 2014 e de 6,8% em 2015. Para o Japão, as estimativas são bem mais modestas, 1,4% e 1%, números próximos daqueles observados nos últimos dois anos.

O programa chinês de reformas vem sendo cumprido com sucesso, avalia o FMI, mas a agenda ainda inclui uma lista de problemas importantes. A pauta de mudanças ganhou importância a partir da crise internacional iniciada em 2007. Seria preciso tornar o crescimento menos dependente das exportações, aumentar o peso do consumo, reorientar os investimentos, dando maior importância a projetos de infraestrutura, e passar a limpo as finanças públicas e o crédito.

Nos últimos anos, foram identificadas vulnerabilidades no mercado imobiliário, em linhas de financiamento menos controladas e nas contas dos governos subnacionais, pesadamente endividados. Ainda em abril o vice-ministro de Finanças, Wang Baoan, chamou a atenção para o vencimento, em prazo muito curto, de cerca de 22% das dívidas acumuladas pelos governos locais.

Na área fiscal, o fortalecimento das finanças dos governos locais é um "desafio-chave", segundo o FMI. Essa tarefa inclui o reequilíbrio de receitas e de despesas, assim como a melhora dos padrões de administração e de supervisão do endividamento desses governos. O FMI também defende uma reforma tributária, com maior ênfase no imposto sobre a renda pessoal e extensão do imposto sobre o valor agregado aos serviços. No Brasil, essa extensão ocorreu com a Constituição de 1988, quando o ICM foi convertido em ICMS.

Por enquanto, a agenda chinesa de reformas vem sendo executada com razoável sucesso. O governo tem metas de longo prazo e parte de posição sólida nas contas externas e de um nível de poupança elevado.

Ao Brasil e a outros países muito dependentes do mercado chinês resta torcer pelo êxito do programa de reformas e pela manutenção de altas taxas de crescimento na China. O sucesso brasileiro seria mais garantido se as autoridades de Brasília também se empenhassem nas reformas indispensáveis - nas áreas fiscal e tributária, por exemplo. Mas isso está fora do radar, por enquanto.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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