No EL PAÍS: China faz grandes investimentos no Brasil, atrás de energia e alimentos

Publicado em 24/06/2014 15:48
e +: A América se pergunta o que esperar da China

O jornal El País publicou uma matéria neste sábado (21) destacando o interesse chinês no Brasil. De acordo com o autor, sete grandes investimentos chineses foram anunciados entre julho e dezembro de 2013 no Brasil. A razão para isto seria uma "natureza que favorece a produção de toda sorte de grãos e minérios". Os chineses estariam querendo fechar negócios em todas as áreas: indústria, comércio, bancos e agronegócio.

A publicação lembra que o gigante asiático "tem fome de matérias-primas", algo que não somente o Brasil, mas também a América Latina tem de sobra. As mais interessantes para a China são o petróleo, o minério de ferro, a soja e alimentos. O país chegou a ser o maior importador de petróleo do mundo no ano passado.

O jornal aponta que no ano passado a China entrou de vez no Brasil por meio do leilão do Campo de Libra, no Rio de Janeiro, que tem reservas de 12 bilhões de barris de petróleo na camada do pré-sal. A estatal CNOOC e a Petrochina somam 20% de um consórcio  que planeja investir 500 milhões de dólares em exploração em 2014. 

O quadro preocupa alguns observadores, pois nos últimos cinco anos mais de 70% das exportações da América Latina e Central para os chineses se concentrou em seis commodities e o minério de ferro. Para o diplomata Sérgio Amaral, "o problema não está na concentração em produtos primários, mas na falta de uma política para agregar valor à cadeia de produção brasileira".

 

Grupos chineses 'agregam valor' com aquisições no exterior (Valor Econômico)

A ânsia da China por comprar multinacionais de alimentos avança em ritmo recorde este ano, como reflexo do apetite da crescente classe média da segunda maior economia do mundo por uma dieta mais rica. As fusões e aquisições nos setores de alimentos e bebidas realizadas por empresas chinesas fora do país responderam, nesses primeiros meses de 2014, por 17% do total de operações realizadas na própria China, segundo cálculos da Thomson Reuters. Os alvos incluem a Hollick, fabricante australiana de vinhos, e a Tnuva, fornecedora israelense de queijos e outros produtos, além de braços comerciais de tradings. A onda ganha força um ano depois que a americana Smithfield Foods, do segmento de carne suína, foi engolida pela Shuanghui International, hoje conhecida como WH Group, em um negócio de US$ 7 bilhões - a maior aquisição de uma companhia chinesa feita no exterior até hoje. O que alimenta essa onda de negócios é a transição do gigante asiático de uma economia voltada a exportações e faminta por energia, recursos naturais e infraestrutura para uma economia conduzida por uma classe de consumidores em expansão. Em relatório recente, o Banco Mundial avaliou que a dieta dos chineses, com o crescimento acelerado do país nas últimas três décadas, "melhorou imensamente".

A América se pergunta o que esperar da China

por ANTONIO NAVALÓN, do EL PAÍS

Há cem anos, Washington era a potência hegemônica e ameaçava a América Latina com sua política do Grande Porrete (ou Big Stick, a intervenção militar). Hoje são os chineses, a segunda economia mundial em uma ordem multipolar, os que fizeram do subcontinente uma das alavancas de seu novo salto à frente no século XXI.

As bananas da United Fruit Company, o café de Chiapas e da América Central, o jogo e a prostituição em Cuba foram substituídos pelo desembarque de empresas e profissionais chineses, ávidos por matérias-primas, mas também por investimentos e oportunidades de desenvolvimento em novos campos, como infraestrutura e tecnologia.

Hoje, bem no momento em que busca a si mesma, a América se pergunta o que esperar desta febre invasora chinesa. Quais são seus interesses? Cada vez menos, energia e matéria-prima. Pequim já tem 40% de ambas na África e 30% na América Latina.

Desde 2003, os investimentos chineses no subcontinente latino-americano não param de crescer e em 2010 bateram todos os recordes: 15 bilhões de dólares anuais, que no ano seguinte foram reduzidos a 10 bilhões, uma cifra que tem se mantido nestes anos, segundo especialistas da CEPAL, embora ainda seja difícil apontar um valor concreto devido à opacidade que cerca as transações financeiras chinesas. Os países em que se concentram mais investimentos são, principalmente, Venezuela, Brasil, Argentina e Peru. A Colômbia ainda resiste. O Governo de Pequim busca oportunidades de negócios com o objetivo não de se apoderar dos bens de consumo, mas sim do subsolo, garantindo assim o abastecimento de recursos dos quais eles carecem. Isto supõe uma mudança na configuração política latino-americana e abre numerosas incógnitas.

Hugo Chávez, que se entregou com paixão ao teatro e à farsa do regime, acabou entregando-se aos chineses. Hipotecou o futuro da petroleira estatal (PDVSA), o ouro negro e as exportações para sentir-se menos pobre e triste em sua Venezuela, controlada por Cuba e oxigenada financeiramente por Pequim.

Um Brasil nacionalista e em efervescência social, com um extenso e rico território, está permitindo indiretamente a entrada do gigante asiático na região e acabará sendo presa do mercado selvagem que conseguiu comprar e destruir a capacidade industrial latino-americana.

Ser competitivos – como os estadunidenses se mostram agora – significa oferecer melhores preços e condições de trabalho. Os chineses foram assim quando não tinham de pagar a seus 700 milhões de trabalhadores escravos, mas as últimas transformações em seu modelo econômico, com a desaceleração do crescimento e o aumento do consumo interior entre outras coisas, começam a causar problemas internos políticos e sociais e se perguntam: “O que faremos amanhã?”

A resposta é apostar em outras áreas. Quase com certeza, as novas linhas de metrô de Buenos Aires serão construídas por empresas chinesas. E Pequim compete também para construir o primeiro trem de alta velocidade do continente americano.

O sonho do Governo do México, um canal alternativo ao do Panamá, em Tehuantepec, também poderia passar pelas mãos dos chineses. A Nicarágua, enquanto isso, sonha em construir seu próprio grande canal, unindo-se ao Oceano Pacífico, com um Mar do Caribe e o Oceano Atlântico.

No momento, a China se apresenta diante de uma população que não se conforma com o pouco, nem se acalma com Copas do Mundo ou Olimpíada. Um eventual trem de alta velocidade chinês, que conecte as Américas, torna-se um fator prioritário e contra o qual os Estados Unidos nem pode competir, porque não tem essa tecnologia.

Mas, e a segurança? Se você embarcar no trem Qinghai-Tibete, que conecta Xining com a capital tibetana de Lhasa, tem que estar de bem com Deus para não sentir falta de ar: o trem circula a 110 quilômetros por hora, a uma altura de até 5 mil metros. Não se sabe se é mais letal a velocidade ou a falta de oxigênio.

Assim como os produtos industrializados que a China vende, e cuja qualidade é objeto de muitas dúvidas, ninguém pode forçar suas empresas a garantirem os mínimos padrões de segurança, mas no momento elas têm um objetivo definido: comprar continentes em erupção, como a África, e regiões em desenvolvimento, como a América Latina.

E quando alguém ouve que o novo modelo democrático é o chinês, começa a pensar o que significa esse conceito para uma América Latina que está aprendendo a ser livre, sem conseguir se desfazer de sua herança histórica: a corrupção. Uma corrupção que, no código chinês, mistura-se à honra, o que dá poucas esperanças de uma futura regeneração moral que se junte ao nascimento de novas classes governantes latino-americanas.

Hoje em dia não há um modelo invejável. Talvez a América Latina pudesse colocar em marcha seu próprio modelo, que começaria por coisas elementares, como comer todos os dias, e depois poderia ter metas mais ambiciosas. E enquanto nos acostumamos a viver com novos símbolos, os restos do Grande Porrete e o Império do Centro terão no território latino-americano o lugar ideal para lutar as batalhas das quais sabem como se livrar: a da pirataria, da falta de respeito às leis locais e uma corrupção com muita honra.

 

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Fonte:
El País

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