"Cortina de fumaça", editorial da Folha sobre os debates eleitorais

Publicado em 18/10/2014 07:49
e mais: análises de Fernando Rodrigues e Demétrio Magnoli

"Cortina de fumaça", editorial da Folha sobre debates eleitorais

Com ataques pessoais, candidatos agridem normas de civilidade e ocultam opções custosas que o eleito terá de fazer para governar

Os debates eleitorais na televisão têm contribuído pouco para esclarecer o eleitor. As assessorias dos candidatos conseguem impor regras que sufocam a discussão, quando não chegam ao ponto de banir a presença incômoda de jornalistas aptos a promover uma inquirição independente.

O que se vê é a repetição exaustiva dos argumentos publicitários que tornam a propaganda eleitoral no rádio e na TV tão parecida com anúncios de margarina. Além do autoelogio desenfreado, muito do que dizem os candidatos apenas mimetiza aspirações colhidas em pesquisas qualitativas, formando um círculo vicioso de obviedades.

Não fugiu a esse padrão o debate presidencial realizado na quinta-feira (16) pelo portal UOL (integrante do Grupo Folha), pela emissora SBT e pela rádio Jovem Pan.

Premidos por uma competição acirradíssima, porém, dessa vez o senador Aécio Neves (PSDB) e a presidente Dilma Rousseff (PT) enveredaram como nunca pelo campo dos ataques pessoais.

A conduta individual dos candidatos é tema legítimo numa campanha eleitoral, mas não deveria ocupar o espaço do tema principal --os compromissos de cada um e como eles se propõem a cumpri-los. Nem deveria ser abordado, como ocorreu agora, à custa de violar o mínimo de cortesia que se espera em qualquer confronto civilizado.

É provável --e recomendável-- que os dois candidatos abandonem esse caminho, conforme as pesquisas de opinião encomendadas pelos próprios partidos detectem repulsa do eleitorado pela troca pueril de acusações que se anulam umas às outras, ao final prejudicando ambos.

Como tornar a discussão mais substantiva? Parece interessante a proposta de proibir recursos audiovisuais na propaganda eleitoral, obrigando o candidato a se apresentar sozinho e ao vivo diante da câmera, o que acarretaria a vantagem de reduzir os custos exorbitantes das campanhas.

Quanto aos debates televisionados, esta Folha tem insistido na interpelação jornalística --diante do veto da candidata oficial, preferiu abdicar da condição de patrocinador do último encontro.

Tem proposto ainda a adoção do banco de minutos, que permitiria uma discussão mais livre, com a devida compensação ao candidato que menos houvesse falado ao final de cada bloco.

A uma semana do segundo turno, porém, a presidente nem sequer apresentou um programa de governo. A conjuntura econômica adversa reduzirá a margem de manobra do próximo mandatário e imporá opções custosas para toda a sociedade. Ainda é tempo de procurar conhecê-las melhor.

ANÁLISE DE FERNANDO RODRIGUES:

Cabeado para dar errado

BRASÍLIA - O nível de ataques nesta eleição presidencial é o mais elevado desde a volta do Brasil à democracia. Alguns acham que em 1989 foi ainda pior. Pode ser, mas há um problema nessa comparação: aquela eleição era disputada com regras menos rígidas como as atuais e nenhum dos dois candidatos (Collor e Lula) concorria à reeleição.

Hoje, as normas esdrúxulas de campanha são quase um incentivo para os políticos se atacarem. Nada mais. Os programas de TV e de rádio e os debates entre os candidatos são todos cabeados para dar errado. Parecem aquele imóvel antigo cuja fiação não tem mais jeito: todos os cabos precisam ser trocados e realinhados para evitar um curto-circuito.

Os programas de rádio e de TV são uma inutilidade completa quando se trata de permitir que os candidatos apresentem, de maneira alentada e inteligente, alguma proposta real sobre como governar o país. No caso dos que concorrem a deputado, a coisa piora --o eleitor assiste a um desfile de personagens que parecem saídos de um trem fantasma. Só gritam seus nomes na tela.

Os debates poderiam oferecer um pouco de oxigênio, mas o engessamento imposto pelos candidatos impede que isso ocorra. Por que duas pessoas que pretendem ocupar a cadeira de presidente da República são incapazes de se sentarem por uma hora para conversar, sem que cada pergunta tenha de durar um minuto? Resposta: porque os marqueteiros treinam os políticos para falar nesse tempo bem definido. Se a conversa for livre, eles ficam perdidos.

Folha ouviu essa explicação das campanhas de Dilma Rousseff e de Aécio Neves. Ambos se recusaram a fazer um encontro com regras livres e abertas, num debate mais adulto e com alguma inteligência.

O que sobra então numa campanha tão disputada, cujas regras são feitas para impedir o debate? Ocupar os espaços que restam com aspersão de lama para destruir o adversário.

ARTIGO DE DEMÉTRIO MAGNOLI: 

A bolsa e a vida

Já é tempo de avançar além da receita do Banco Mundial, rumo à qualificação dos direitos sociais

Conceitualmente, O Bolsa Família não nasceu com Lula, nem com FHC, mas no laboratório político do Banco Mundial. O "objetivo abrangente" de redução da pobreza, proclamado em 1991 por Lewis Preston, presidente do banco, seria alcançado por meio de políticas focadas de transferência de renda. Era uma resposta estratégica ao pensamento de esquerda, concentrado em reformas sociais, e um programa de ação para o ciclo aberto pela queda do Muro de Berlim. FHC a adotou sem o entusiasmo dos conservadores, encarando-a como um emplastro civilizatório que não substituiria iniciativas fortes do Estado nas esferas da educação e da saúde. Lula não só a abraçou como serviu-se dela para ancorar eleitoralmente seu sistema de poder.

Quando Lula fulminou o Bolsa Escola com o epíteto de "bolsa esmola", operava no registro tradicional do pensamento de esquerda. Na hora da chegada ao poder, sob a inspiração de José Graziano da Silva, perseverou naquele registro e lançou o Fome Zero, que não era um programa de transferência de renda. Graziano analisara de modo realista os rumos da formação do complexo capitalista do agronegócio, em duas obras significativas, publicadas na década de 1980, mas sonhava com o florescimento de uma agricultura familiar autônoma. No esquema do Fome Zero, sob o amparo estatal, pequenos produtores locais forneceriam os alimentos para a mesa dos pobres. O Bolsa Família surgiu dos escombros do Fome Zero.

O experimento utópico do Fome Zero nem decolou. No início, seus escassos críticos sofreram o bombardeio ideológico de acadêmicos de esquerda encantados com o lulismo. Contudo, depois de 388 dias de inércia, Lula demitiu Graziano do Ministério Extraordinário e promoveu o giro pragmático que conduziria à unificação dos programas de transferência de renda de FHC (a "bolsa esmola") no Bolsa Família. Naquele momento, cessaram as resistências de esquerda à estratégia conservadora de combate à pobreza e, no lugar delas, emergiu o coro dos contentes, a proclamar a aurora de uma nova era.

Lula descobriu uma virtude político-eleitoral da expansão das transferências diretas de renda: o impulso ao consumo popular (de material de construção, eletrodomésticos e celulares) propiciava-lhe a chance de congelar a agenda de reformas na educação e na saúde públicas. O Bolsa Família tornou-se o núcleo de um conjunto de políticas focadas que abrangem, notadamente, o crédito consignado e as bolsas do ProUni. Nas eleições, o espectro da supressão dos benefícios monetários passaria a figurar como linha de ataque permanente do PT contra qualquer adversário. Simplificado ao extremo, o tema tão decisivo do combate à pobreza convertia-se em monopólio de um partido.

Os tucanos sentiram o golpe, girando em círculos à procura de uma resposta. Desorientados, chegaram a ensaiar, nos piores momentos, a reprodução da primitiva réplica original de Lula. O prumo começou a ser reencontrado por Aécio Neves, que anunciou o compromisso de entalhar o programa na pedra da lei, fazendo-o "política de Estado, não de governo". Transferir o Bolsa Família do campo minado da disputa partidária para o das políticas públicas nacionais será um passo adiante, do ponto de vista da disputa eleitoral democrática. Mas, do ponto de vista conceitual, ainda estaríamos atrás do patamar atingido no governo FHC.

"Vemos as filhas do Bolsa Família transformarem-se nas mães do Bolsa Família", alertou Eduardo Campos meses antes de sua morte trágica, para indagar: "Queremos vê-las transformando-se em avós do Bolsa Família?". O círculo da pobreza e da dependência não pode atravessar gerações, sob pena de darmos razão ao Lula ancestral que clamava contra o "bolsa esmola". Já é tempo de avançar além da receita do Banco Mundial, rumo à qualificação dos direitos sociais universais. A bolsa não é a vida.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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2 comentários

  • João Alves da Fonseca Paracatu - MG

    Abrahan Lincoln(1809-1865) 16' presidente dos EUA,durante sua maior crise interna-guerra civil americana-preservou a união e aboliu a escravidão,tinha como intocáveis os princípios de união nacional,republicanismo,igualdade,liberdade e democracia e deixou lições que estão mais atualizadas que nunca,dentre elas:

    Os Mandamentos do Progresso

    1 - Não criarás a prosperidade se não estimulares a poupança.

    2 - Não fortalecerá os fracos se enfraqueceres os fortes.

    3 - Não ajudará os assalariados se arruinares aquele que os pagam.

    4 - Não estimularás a fraternidade humana se alimentares o ódio de classes.

    5 - Não ajudarás os pobres se eliminares os ricos.

    6 - Não poderá criar estabilidade permanente baseado em dinheiro emprestado.

    7 - Não evitarás dificuldades se gastares mais do que ganha.

    8 - Não fortalecerás a dignidade humana se subtraíres ao homem a iniciativa e a liberdade.

    9 - Não poderás ajudar aos homens de maneira permanente se fizeres por eles aquilo que eles podem e devem fazer por si próprios... E, a célebre colocação de que"os políticos podem enganar parte do povo,parte do tempo,todo povo ,parte do tempo,parte do povo, todo tempo,mas jamais enganará todo povo todo tempo.Abraço a todos!

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  • João Alves da Fonseca Paracatu - MG

    Concordo que campanha eleitoral deveria ser espaço de propostas,que é diferente de promessas,as primeiras têm de ser obrigatoriamente plausíveis,planejadas e com recursos definidos,enquanto as segundas são verborragias... O que está acontecendo na atual disputa presidencial é que no primeiro turno o marqueteiro João Santana e a candidata Dilma usaram e abusaram da desconstrução da candidata Marina e a imprensa que é grande parte chapa branca fez ouvido de mercador,agora neste segundo turno houve uma reação à altura do candidato Aécio(questão de sobrevivência),aí surgiram os paladinos da moralidade para reclamar de todos,que estes acontecimentos sirvam de lição.Saudações mineiras ,uai!

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