Gurgel, o engenheiro que realizou um sonho coletivo (Artigo)
Tive a grande satisfação de conviver, eu como jornalista,. ele como dono da Gurgel, por boas décadas. Não raro passávamos duas, três horas em longas conversas, seja pessoalmente ou por telefone. Os assuntos fluíam sobre a empresa, carros, mercados, energias alternativas e uma série de temas que não se esgotavam nunca. Papear com Gurgel sempre foi para mim um exercício de confiança no futuro.
Acompanhei sua trajetória, sua ânsia por ousar, inovar, provar que um brasileiro podia sim afixar seu nome como marca de carro.
É enorme a lista de estrangeiros que jamais serão esquecidos graças à associação de seus sobrenomes a veículos. Benz, Dodge, Studebaker, Ford viraram marca de carro e, como tal, ganharam definitivamente a boca do povo.
É natural que nem todas as marcas puderam resistir ao tempo. Muitas sucumbiram no meio do caminho, o que entendo como parte do jogo.
Críticos de Gurgel - e ele tinha muitos - não toleravam sua petulância de pretender construir uma fábrica de carro. Consta que, ao estudar engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Gurgel foi reprovado no exame em que apresentou a proposta de um carro nacional batizado de Tião. O argumento do professor traduz o espírito cético que acompanha povos colonizados e sem confiança.. "Automóvel não se fabrica, compra-se. É coisa para multinacionais."
Gurgel sempre gostou de desafios. Quanto mais confrontado, tanto mais reagia.
Crítico do Proálcool, ele entendia que terra boa, como a do interior paulista, era para plantar alimentos, nutrir pessoas, não para mover carros. Trata-se de posição endossada até hoje por alguns e abominada por outros. Entendo que ele exagerava um pouco - até porque o álcool livrou o País da dependência exclusiva da gasolina.
É bom lembrar que o Proálcool foi criado numa época em que o Brasil literalmente matava cachorro a grito - tínhamos dependência quase total do petróleo importado. E, nessa situação, o álcool não era apenas a salvação da lavoura, mas de resto um alívio para a conta-petróleo.
O álcool foi um sucesso nos primeiros anos e levou a venda de carro a etanol às nuvens. A falta do combustível verde nas bombas, nos anos seguintes, foi o que bastou para pôr na lona a confiança do consumidor.
Só a título de ilustração: no ano 2000 comprei em uma concessionária de São Caetano um Gol 1000 movido a álcool. Tal carro normalmente ficava circunscrito a frotas cativas ligadas à cadeia produtiva do álcool. Fora dessas zonas., era um veículo estranho. A tal ponto que várias vezes, ao abastecer nos postos da Grande São Paul, eu era indagado pelos frentistas: "Mas existe Gol a álcool?".
O álcool hidratado só voltou à parada de sucesso com o advento da solução flex fuel em 2003. Tanto assim que hoje todo carro nacional é flex fuel.
A condenação do álcool é debitada na conta dos pecados cometidos por Gurgel, um homem conhecido por não usar meias palavras. No caso do álcool, mostrava com palavras inteiras sua discordância.
Ao mesmo tempo que condenava o combustível extraído da cana, ele apresentava a solução - o carro movido a bateria, que chegou a lançar, mas que não decolou e que ainda hoje é uma promessa no mundo todo.
Quem acompanhou a trajetória do engenheiro Gurgel, formado no General Motors Institute, sabe que no balanço geral seu resultado foi superavitário.
A criatividade era um traço na vida do engenheiro. O lançamento de jipes de fibra de vidro, a produção independente de motor, a abertura em pleno ano de 1980 de uma fábrica para fazer carro elétrico e o lançamento do minicarro de 800 cilindradas (quando só se falava em carrões) mostram que de fato Gurgel tem muito crédito na contabilidade das realizações.
Aqui entre nós (e que nenhuma multinacional nos ouça ou nos leve a mal): não dá orgulho saber que um brasileiro pode vencer tantos desafios para conseguir realizar o sonho coletivo de um carro nacional?
kicker: Papear com Gurgel sempre foi um exercício de confiança no futuro
Fonte: Gazeta Mercantil
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