Fraude bilionária de grupo agrícola da China expõe fragilidade de subsidiárias do agro do Brasil

Publicado em 17/12/2025 11:35
Empresas como Belagrícola e Fiagril estão no portfólio da Pengdu Agriculture e deverão sofrer impactos severos
Sede da Pengdu
Sede da Pengdu - Foto: Portal chinês Agripost

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O plano de recuperação extrajudicial que o Grupo Belagrícola protocolou na última semana é como um pouco mais de gasolina jogada em uma fogueira já alta. Em um cenário de significativa vulnerabilidade financeira do agronegócio brasileiro, a notícia já vinha sendo esperada, porém, coloca luz sobre um outro alerta que soa alto para o setor que é o avanço do capital chinês no campo brasileiro. 

Pouco se falou sobre a condenação da chinesa Pengdu Agriculture, controlada pela Shanghai Pengxin Group, por fraude corporativa e manipulação contábil pela Comissão Reguladora de Valores Mobiliários da China (CSRC) em novembro de 2024, com desvio de recursos estimado em RMB 104.797 bilhões (aproximadamente R$ 74,1 bilhões). 

A Pengdu controla as operações não só da Belagrícola no Brasil, mas também da Fiagril, que também passa por pressões financeiras severas. E segundo explica Eduardo Lima Porto, diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica, ambos os grupos emitiram CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) "cujos valores investidos por fundos de investimento e investidores institucionais estão lastreados em recebíveis de qualidade questionável". E, como complementa Lima Porto, "a Belagrícola reconheceu que sua dificuldade financeira crônica decorre, em parte, de inadimplência superior a R$ 1 bilhão".

OS NÚMEROS DA FRAUDE

Os números da fraude comprovada por um órgão regulador oficial impressioanam. Foram três anos de desvios sistemáticos de recursos - de 2020 a 2022- e um dos mecanismos utilizados foram transações de compra de gado que nunca foi entregue. No total, foram 60 mil cabeças de gado encomendadas e apenas 9,686 mil entregues. Ainda assim, os 104,797 bilhões de renminbis - R$ 74,1 bilhões - foram transferidos ao Pengxin Group, a controladora da Pengdu Agriculture. 

LucrodoAgro - Fraude Pengdu (2)

"Isso foi um padrão sistemático repetido por três anos consecutivos. Não é erro isolado, é fraude corporativa planejada", afirma o diretor da LucrodoAgro.  E no processo, tanto a Belagrícola como a Fiagril aparecem como "responsáveis solidárias pela fraude". 

Somente na China são 120 mil credores afetados pela fraude. No Brasil, este número ainda é desconhecido, mas já é sabido que milhares são investidores em CRAs, além de bancos, fornecedores e outras instituições. Para mais do que a clareza dos números, o que preocupa é a forma como as informações são processadas no Brasil e na China. Enquanto na nação asiática o poder regulatório é alto, a sentença judicial já foi definida e os credores com sentença executória têm prioridade, por aqui o cenário é, como de costume, mais moroso. Ainda não há uma sentença que estabeleça a responsabilidade da Pengxin, os credores gerais têm prioridade reduzida e o poder regulatório é menor. 

"A sentença condenatória proferida na China poderá permitir que mais de 120.000 investidores chineses afetados pela fraude executem ativos da Pengdu Agriculture e suas subsidiárias, incluindo Belagrícola e Fiagril. Essa possibilidade de execução transnacional de ativos cria risco sistêmico significativo para credores brasileiros.

Diante disso, espera-se que a taxa de recuperação dos prejuízos na China possa alcançar de 30% a 50%, com rápida execução dos ativos da Pengxin, enquanto no Brasil espera-se algo como 10% a 30%, "ou 0-10% se o Pengxin falir antes da execução", ainda como explica Lima Porto. 

E NA PRÁTICA, O QUE ACONTECE?

A controladora da Pengdu Agriculture se encontra, neste momento, em uma condição financeira considerada pré-falimentar. A justiça chinesa, inclusive, já congelou as ações do Shanghai Pengxi Group  por 36 meses - período iniciado em 25 de novembro de 2025. Na prática, o grupo está quebrado e impactando suas demais esferas.

"Quando a controladora está quebrada, todas as camadas abaixo também estão. As garantias circulares não garantem nada porque o garantidor é subsidiária da mesma empresa-mãe em insolvência", analista o executivo. E será desta forma que grupos como Fiagril e Belagrícola poderão sentir. "Se a Pengxin está quebrada, não consegue fornecer garantias para CRAs, capital para operações ou suporte financeiro e as subsidiárias, inclusive as brasileiras, ficam sem suporte". 

LucrodoAgro - Fraude Pengdu (3)

A LucrodoAgro, analisando o caso, os números e os documentos de fontes públicas oficiais da China, traçou alguns cenários de possibilidades deste caso:

LucrodoAgro - Fraude Pengdu (1)

O CAMINHO DA CHINA NO BRASIL

Há décadas que a China identificou o próspero caminho que pode traçar no Brasil, em especial no agronegócio. E é por isso que já está presente em quase todas as pontas de atuação que garantam a sustentabilidade, principalmente, de sua segurança alimentar. 

Atuamente, a presença chinesa é identificada nas tradings, nas revendas, na logística, na indústria de máquinas e implementos agrícolas, recuperação de pastagens degradadas e até mesmo na produção de combustível de aviação sustentável (SAF), além do financiamento. Os investimentos se diverificam rapidamente, com a mesmo velocidade que as oportunidades são identificadas. 

Em 2012, o governo brasileiro autorizou a instalação e operação do Industrial and Commercial Bank of China (ICBC), o maior banco da China, no Brasil. Com a autorização, a instituição pôde oferecer, como noticiou a Gazeta do Povo, "financiamento ao comércio bilateral à infraestrutura e manufatura nacionais, com forte potencial para atender demandas do agronegócio". Já em 2024, em junho, o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) "firmou um contrato com o China Development Bank para financiar projetos de infraestrutura e indústria no Brasil, nas áreas de energia elétrica, manufatura, agricultura, mineração, água, mudança climática e desenvolvimento verde".

AS PREOCUPAÇÕES DA CHINA

De outro lado, dados recentes da economia do país asiático evidenciaram a fragilidade do consumidor chinês. 

As vendas no varejo da China aumentaram 1,3% em novembro em comparação com o ano anterior, sendo este o menor crescimento já registrado fora do período da pandemia. O investimento em ativos fixos diminuiu 2,6% nos primeiros 11 meses do ano, mantendo-se a caminho de registrar a primeira queda anual desde que os dados começaram a ser coletados em 1998. A produção industrial cresceu 4,8% em relação ao ano anterior, mas a dependência da economia em relação à demanda externa a torna vulnerável a riscos no exterior.

"Com os indicadores de oferta ainda superando os indicadores de demanda, acreditamos que a pressão deflacionária da China poderá persistir e que seu modelo de crescimento impulsionado pelas exportações poderá continuar, o que poderá levar ao aumento das tensões comerciais e de investimento entre a China e as economias fora dos EUA", afirmaram economistas do Barclays, incluindo Yingke Zhou, em nota trazida pela agência de notícias Bloomberg.

Ainda segundo a agência, diante deste cenário, o presidente Xi Jinping afirmou, recentemente, que a China "deveria evitar investimentos ineficientes. 

OS NÚMEROS DO BRASIL

E o horizonte ainda é imenso para a cooperação entre os dois países, principalmente em um momento onde o campo brasileiro ainda mostra-se vulnerável financeiramente. 

Somente no terceiro trimestre de 2025, o setor registrou a maior quantidade de pedidos de recuperação judicial desde 2021, de acordo com dados da Serasa Experian. oram 628 requisições, frente às 254
registradas no mesmo período de 2024. 

Gráfico Serasa - RJs Agro T3

"O avanço dos pedidos de recuperação judicial evidencia um período mais desafiador sobre a capacidade de produtores rurais e empresas do setor manter seus fluxos de caixa e pagamentos, em especial para aqueles que já estão há alguns anos rolando dívidas sem fazer os ajustes necessários para diminuir custos, rever patrimônio e encerrar expansões mal planejadas”, analisa Marcelo Pimenta, head de agronegócio da Serasa Experian. “Nesse cenário é importante o credor reforçar a relevância da análise de crédito com base em dados. Quanto mais precisão e profundidade na avaliação dos riscos, maior a capacidade do mercado de antecipar dificuldades, ajustar limites e evitar que situações de estresse financeiro evoluam. A inteligência de crédito permite operar com previsibilidade, reduzindo a inadimplência e contribuindo para a sustentabilidade de toda a cadeia produtiva”, complementa. 

Ainda de acordo com a Serasa, as empresas ligadas ao agronegócio, ou seja, que têm suas atuações conectadas com o segmento, fizeram mais de 130 pedidos ao longo do terceiro trimestre deste ano. Na relação com o mesmo período de 2024 o índice também marcou expansão, com 56 solicitações. Nesse recorte, o segmento que mais buscou por recuperação judicial foi o de "Comércio atacadista de produtos agropecuários primários" com 31 pedidos.

Estas sirenes já têm tocado há algum tempo, mas parecem não estar sendo ouvidas como deveriam. Mais do que revisar suas estratégias daqui em diante, para um 2026 que ainda deverá ser desafiador, o setor deverá saber como se precaver de crises que podem acontecer também entre seus principais parceiros de jornada. 

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Por:
Carla Mendes | Instagram @jornalistacarlamendes
Fonte:
Notícias Agrícolas

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