Maior projeção do Brasil exige definições

Publicado em 03/05/2010 11:33

O Brasil conseguiu, nos últimos anos, projeção e influência inéditas na política internacional, mas precisa, agora, saber exatamente o que fazer com ela, como trazer uma contribuição real para enfrentar os problemas que desafiam os grandes atores mundiais. A opinião é de um pesquisador influente em Washington, Bruce Jentleson, professor de políticas públicas e ciência política da Universidade Duke. Em visita recente ao Brasil, Jentleson expressou o que pensam muitos diplomatas estrangeiros, em Brasília e outras capitais pelo mundo. Ainda não está claro o que o governo brasileiro pretende fazer com o evidente prestígio que ganhou lá fora com sua política externa.<?xml:namespace prefix = o ns = "urn:schemas-microsoft-com:office:office" />

Também os Estados Unidos ganharam projeção internacional antes de elaborar uma agenda coerente de atuação na arena global, comenta Jentleson, que já assessorou o ex-vice-presidente e ex-candidato à presidência Al Gore. O comentário de Jentleson é apenas um entre muitos no mesmo tom escutados em Brasília nas últimas semanas.

O sucessor de Luiz Inácio Lula da Silva receberá como herança o desafio de apresentar uma política coerente para os salões internacionais que o Brasil passou a frequentar. Há áreas onde isso está claro, como o debate para reforma do sistema financeiro internacional. Em outras, o Brasil se apresenta como um ator de boas intenções, mas sem propostas claras, como na discussão sobre a paz no Oriente Médio.

A atuação da diplomacia brasileira no caso do Irã é, evidentemente, um dos motivos da insegurança, no exterior, em relação ao futuro papel que o Brasil terá nas questões mundiais. Estados Unidos e Europa pressionam para conter o programa nuclear iraniano, que desperta temores na Rússia e é tratado com ambiguidade pela China. Há convicção entre os países ricos ocidentais que o governo iraniano ganha tempo para adquirir a tecnologia da bomba, mas o governo brasileiro insiste ser possível convencer o Irã a aceitar maior fiscalização.

Compreende-se no exterior o interesse do Brasil em marcar sua posição independente no cenário internacional. Mas, a menos que essa posição traga novas soluções para os problemas existentes, as atuais dúvidas sobre a política externa podem dar lugar a críticas abertas.

Será necessário ao governo, também, administrar a força que o Brasil ganhou no continente sul-americano, não só por sua diplomacia (também por ela), como pelo êxito econômico, com a consolidação de forte mercado consumidor interno e a estabilização na economia. É preciso mostrar à própria sociedade brasileira os sucessos obtidos em temas controversos, cuja interpretação pelas forças políticas internas distorce avaliações, para uso partidário ou eleitoral.

Caso exemplar é a Bolívia, onde uma sociedade dividida e a incompetência das forças políticas tradicionais elegeram em 2005 um sindicalista de origem indígena, apoiado por grupos radicais. Presidente fraco, de base política movediça, Evo Morales legitimou-se executando com pirotecnia a decisão de renegociar contratos de exploração de gás, votada em plebiscito meses antes: nacionalizou as reservas e mandou tropas a refinarias controladas pela Petrobras.

O governo brasileiro reagiu em duas frentes: publicamente fez afagos exagerados em Morales e reconheceu seu direito à soberania sobre recursos naturais bolivianos, evitando protestar contra a injustificável invasão militar à Petrobras. Nos contatos diretos com o governo boliviano, os brasileiros reclamaram, exigiram (e conseguiram) indenização ao preço de mercado pelas refinarias e congelaram investimentos. Evitou-se um temido corte no fornecimento de gás a São Paulo, excessivamente dependente do gás boliviano.

Hoje, com níveis recordes de popularidade e maior força política, Morales apela ao Brasil para ampliar comércio e investimentos. O Brasil investiu em fontes alternativas de gás, reduziu a dependência. Promoveu-se, sem atritos nem provocações, a transferência negociada de brasileiros que moravam em áreas proibidas da fronteira boliviana.

A oposição a Morales abandonou planos de secessão ou golpe e conquista pouco a pouco maior solidez política, consolidada nas últimas eleições - que deram novamente maioria ao governo local. Arroubos nacionalistas, como o que levou à nacionalização das empresas elétricas, são moderados em relação ao Brasil.

Também com Equador, Venezuela ou Argentina, a "paciência estratégica" do Itamaraty obtém resultados, tímidos, embora as idiossincrasias dos governos locais tornem difícil uma atuação mais articulada. Há limites, e o governo brasileiro nem sempre ajuda a entendê-los. Não há razão plausível, por exemplo, para tornar o projeto da Unasul refém da política interna argentina, e nomear para dirigi-la, como tem defendido o Brasil, o ex-presidente argentino Néstor Kirchner, notoriamente avesso a questões multilaterais e às delicadas negociações de política externa regional.

 

 

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Fonte:
Valor Econômico

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