Boa notícia: Superávit recorde. Má notícia: É mentira

Publicado em 27/10/2010 04:17 e atualizado em 27/10/2010 10:50

O Tesouro Nacional serviu aos jornalistas, nesta terça (26), uma notícia bem ao gosto do presidente Lula ‘Nunca Antes na História’ da Silva.

Informou-se que as contas do governo registraram no mês de setembro um superávit primário jamais visto: R$ 26,057 bilhões.

Um detalhe desrecomenda a comemoração do recorde: ele decorre de uma feitiçaria financeira. Desconsiderada a bruxaria, houve um déficit de R% 5,8 bilhões.
 
A mandinga percorreu cinco estágios: decolou do Tesouro, fez escalas na Petrobras, no BNDES e no Fundo Soberano, e aterrissou de volta no Tesouro.

Abaixo, um resumo do que sucedeu:

1. O Tesouro emitiu R$ 74,8 bilhões em títulos. Significa dizer que aumentou a dívida pública nesse montante.

2. Um pedaço dos títulos (R$ 42,9 bilhões) foi usado pelo governo para adquirir ações da Petrobras no processo de capitalização da estatal.

3. Outro naco (R$ 31,9 bilhões) foi repassado ao BNDES e ao Fundo Soberano, que também usaram o dinheiro para subscrever ações da Petrobras.

4. Simultaneamente, o governo repassou à Petrobras 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal. Um óleo que ainda não veio à superfície. Encontra-se no fundo do mar.

5. Na prática, a União vendeu à Petrobras um óleo que ainda não veio à superfície. Está nas profundezas do oceano. Dá-se à operação o nome de “cessão onerosa”.

6. Para “pagar” pelo petróleo que ainda não levou ao barril, a Petrobras juntou os títulos que recebee e devolveu-os ao Tesouro.

7. O Tesouro, por sua vez, cancelou os títulos que havia utilizado para bancar a compra de ações da Petrboras: R$ 42,9 bilhões. E a dívida evaporou.

8. E quanto aos R$ 31,9 bilhões em títulos alocados no BNDES e no Fundo Soberano. Bem, esse pedaço da encrenca o Tesouro contabilizou como crédito.

9. Por quê? Na bruxaria contábil do governo, trata-se de um empréstimo. O BNDES terá de pagar. Quando? Deus sabe.

10. Assim, esses R$ 31,9 bilhões que o bancão oficial pagará sabe Deus quando foram à conta do mês como receita. Daí a conversão de déficit em superávit.

11. Graças à utilização do petróleo que ainda não bombeou à superfície e à macumba do BNDES, o governo deve cumprir a meta anual de superávit: 3,3% do PIB.

12. O feito será obtido a despeito do crescimento da folha de salários do funcionalismo e das despesas correntes dos ministérios.

13. De resto, o Fundo Soberano começa a ser moído. Criado para borrifar verbas em áreas como educação, meio ambiente e tecnologia, o fundão virou dente da engrenagem do superávit.

Difícil competir, editorial da Folha

A divulgação dos resultados das contas externas do país, que ocorreu na segunda-feira, é um oportuno lembrete acerca das dificuldades enfrentadas pelas empresas brasileiras para conquistar novos mercados.

O deficit nas transações correntes atingiu US$ 3,9 bilhões (R$ 6,6 bilhões) em setembro e chegou a US$ 47,4 bilhões (R$ 80,7 bilhões) nos últimos 12 meses. Tal cifra equivale a 2,4% do PIB e representa o pior resultado desde setembro de 2002. As contas de serviços e rendas (remessas de lucros, gastos de turismo e pagamentos de royalties, entre outros itens) ficaram no negativo em US$ 67 bilhões, também nos últimos 12 meses -valor que ultrapassa em muito o superavit comercial de US$ 16,7 bilhões do período.

Olhando as contas externas isoladamente, pode-se dizer que a situação não é alarmante, pois o fluxo de entrada de capitais continua muito forte. Só em setembro houve ingresso de US$ 8,6 bilhões em investimentos em carteira, em razão da oferta de ações da Petrobrás. Em 12 meses já são US$ 66,7 bilhões só nessa rubrica, dos quais US$ 39 bilhões em ações. Considerando ainda a entrada de US$ 30,9 bilhões em investimentos diretos, fica claro o quadro de "folga" de recursos, que deve continuar nos próximos meses.

Esse cenário no entanto não oculta as dificuldades crescentes para o avanço das vendas da indústria brasileira. Da alta de 36% nas exportações, nos últimos 12 meses, 23% decorrem exclusivamente de aumento de preços, em geral no setor de commodities.

Ao mesmo tempo, as vendas de manufaturados para o exterior continuam patinando, praticamente sem aumento dos volumes embarcados desde o inicio do ano. É um quadro bastante diferente do encontrado em outros países emergentes, especialmente asiáticos, que continuam expandindo exportações.

Outro dado preocupante é que a indústria tem acelerado nos últimos meses o processo de substituição de componentes fabricados no país por importados -e esse movimento ocorre em número cada vez maior de cadeias de produção. Isso significa que muitas empresas não apenas perdem mercados fora como encontram dificuldades para expandir seus negócios no Brasil.

É evidente que o real caro não é a única razão para a perda de competitividade. E parece óbvio que a situação cambial desfavorável só deveria compelir o governo a atuar com mais vigor em outras frentes para facilitar a vida das empresas. Os obstáculos são os de sempre: impostos altos, muita burocracia, logística problemática e dificuldade de gerar tecnologia e conhecimento aplicados à produção em larga escala.

Tudo isso deixa o Brasil em desvantagem competitiva. Mais ainda quando se sabe que a concorrência com empresas de países como a China não é isonômica, pois elas contam com subsídios e políticas governamentais que tratam a conquista de mercados externos como objetivo estratégico.

"No Brasil não mudam os problemas, logo não mudam as soluções", disse San Tiago Dantas (1911-1964). A "boutade" se aplica ao caso do estrangulamento da indústria, que vai ocorrendo por razões há muito conhecidas.

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Fonte:
Blog Josias de Souza/Folha

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1 comentário

  • Telmo Heinen Formosa - GO

    Brasil, um país de T O L O S ! Pode apostar, o homem chegará à Marte lá por volta do ano 2030 e até lá ainda não terá conseguido penetrar sequer 1.000 metros para dentro da Terra, a partir do nivel do mar! Nós temos 96% da população que acredita nestes poetas, então é só esperar para ver se algum gênio inventa um CANO que não amasse com a pressão naquelas funduras... de 5 a 6 mil m. Entretanto, atenção: Quando convém ao Govêrno ele chama de "Préççau" uns pocinhos de menos de 1.000 m de profundidade na costa do Espírito Santo. Ninguém confere mesmo, muito menos jornalistas por causa da "Má Temática" de lidar com numeros. (Domingo haverá eleição!) Superávit primário para quê serve? Para inglês ver...

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