Nova campanha contra o agronegócio: Cineasta faz documentário contra o uso de agrotoxicos

Publicado em 03/08/2011 19:59
Silvio Tendler, documentarista da história brasileira a partir de uma visão de esquerda, aborda agora o que ele considera uma grave questão que atualmente afeta a vida e a saúde dos brasileiros: o envenenamento a partir dos alimentos.

Em “"O veneno está na mesa”", lançado na segunda-feira (25) no Rio de Janeiro, o documentarista mostra que o Brasil está envenenando diariamente sua população a partir do uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Em um ranking para se envergonhar, o brasileiro é o que mais consome agrotóxico em todo o mundo, sendo 5,2 litros a cada ano por habitante. As consequências, como mostra o documetário, são desastrosas.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Silvio Tendler diz que o problema está no modelo de desenvolvimento brasileiro. E seu filme, que também é um produto da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, capitaneada por uma dezena de movimentos sociais, nos leva a uma reflexão sobre os rumos desse modelo. (por Brasil de Fato): 


Brasil de Fato – Você que é um especialista em registrar a história do Brasil, por que resolveu documentar o impacto dosagrotóxicos sobre a agricultura e não um outro tema nacional?

Silvio Tendler – Porque a partir deagora estou querendo discutir o futuro e não mais o passado. Eu tenho todo o respeito pelo passado, adoro os filmes que fiz, adoro minha obra. Aliás, meus filmes não são voltados para o passado, são voltados para uma reflexão que ajuda a construir o presente e, de uma certa forma, o futuro. Mas estou muito preocupado. Na verdade esse filme nasceu de uma conversa minha com [o jornalista e escritor] Eduardo Galeano em Montevidéu [no Uruguai] há uns dois anos atrás, em que discutíamos o mundo, o futuro, a vida. E o Galeano estava muito preocupado porque o Brasil é o país que mais consumia agrotóxico no mundo. O mundo está sendo completamente intoxicado por uma indústria absolutamente desnecessária e gananciosa, cujo único objetivo realmente é ganhar dinheiro. Quer dizer, não tem nenhum sentido para a humanidade que justifique isso que está se fazendo com os seres humanos e a própria terra. A partir daí resolvi trabalhar essa questão. Conversei com o João Pedro Stédile [coordenador do Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem Terra], e ele disse que estavam preocupados com isso também. Por coincidência, surgiu a Campanha permanente contra os Agrotóxicos, movida por muitas entidades, todas absolutamente muito respeitadase respeitáveis. Fizemos a parceria e o filme ficou pronto. É um filme que vai ter desdobramentos, porque eu agora quero trabalhar essas questões.


BF – Então seus próximos documentários deverão tratar desse tema?

ST – Pra você ter uma ideia, no contrato inicialdesse documentário consta que ele seria feito em 26 minutos, mas é muita coisa pra falar. Então ficou em 50 [minutos]. E as pessoas quando viram o filme, ao invés de me dizerem ‘está muito longo’, disseram ‘está curto, você tem quefalar mais’. Quer dizer, tem que discutir outras questões, e aí eu me entusiasmei com essa ideia e estou querendo discutir temas conexos à destruição do planeta por conta de um modelo de desenvolvimento perverso que está sendo adotado. Uma questão para ser discutida deforma urgente, que é conexa a esse filme, é o agronegócio. É o modelo de desenvolvimento brasileiro. Quer dizer, porque colocar os trabalhadores para fora da terra deles para que vivam de forma absolutamente marginal, provocando o inchaço das cidades e a perda de qualidade de vida para todo mundo, já que no espaço onde moravam cinco, vão morar 15? Por que se plantou no Brasil esse modelo que expulsa as pessoas da terra para concentrar a propriedade rural em poucas mãos, esse modelo de desenvolvimento, todo ele mecanizado, industrializado, desempregando mão de obra para que algumas pessoas tenham um lucro absurdo? E tudo está vinculado à exploração predatória da terra. Por que nós temos que desenvolver o mundo, a terra, o Brasil em função do lucro e não dos direitos do homem e da natureza? Essas são as questões que quero discutir.


BF – Você também mostrou que até mesmo os trabalhadores que não foram expulsos do campo estão morrendo por aplicar em agrotóxicos nas plantações. O impacto na saúde desses agricultores é muito grande…??

ST – É mais grave que isso. Na verdade, o cara é obrigado a usar o agrotóxico. Se ele não usar o agrotóxico, ele não recebeo crédito do banco. O banco não financia a agricultura sem agrotóxico. Inclusive tem um camponês que fala isso no filme, o Adonai. Ele conta que no dia em que o inspetor do banco vai à plantação verificar se ele comprou os produtos, se você não tiver as notas da semente transgênica, do herbicida, etc, você é obrigado a devolver o dinheiro. Então não é verdade que se dá ao camponês agricultor o direito de dizer ‘não quero plantar transgênico’, ‘não quero trabalhar com herbicidas’, ‘quero trabalhar com agricultura orgânica, natural’. Porque para o banco, a garantia de que a safra vai vingar não é o trabalho do camponês e a sua relação com a terra, são os produtos químicos que são usados para afastar as pestes, afastar pragas. Esse modelo está completamente errado. O camponês não tem nenhum tipo de crédito alternativo, que dê a ele o direito de fazer um outro tipo de agricultura. E aí você deixa as pessoas morrendo como empregadas do agronegócio, como tem o Vanderlei, que é mostrado no filme. Depois de três anos fazendo a tal da mistura dos agrotóxicos, morreu de uma hepatopatia grave. Tem outra senhora de 32 anos que está ficando totalmente paralítica por conta do trabalho dela com agrotóxico na lavoura do fumo.


BF – A impressão que dá é que osbrasileiros estão se envenenando sem saber. Você acha que o filme pode contribuir para colocar o assunto em discussão?

ST – Eu acho que a discussão é exatamente essa, a discussão é política. Eu, de uma certa maneira, despolitizei propositadamente o documentário. Eu não queria fazer um discurso em defesa da reforma agrária ou contra o agronegócio para não politizar a questão, para não parecer que, na verdade, a gente não quer comer bem, a gente quer dividir a terra. E são duas coisas que, apesar de conexas, eu não quis abordar. Eu não quis, digamos assustar a classe média. Eu só estou mostrando os malefícios que o agrotóxico provoca na vida da gente para que a classe média se convença que tem que lutar contra os agrotóxicos, que é uma luta que não é individual, é uma luta coletiva e política. Tem muita gente que parte do princípio ‘ah, então já sei, perto daminha casa tem uma feirinha orgânica e eu vou me virar e comer lá’, porque são pessoas que têm maior poder aquisitivo e poderiam comprar. Mas a questão não é essa. A questão é política porque o agrotóxico está infiltrado no nosso cotidiano, entendeu? Queira você ou não, o agrotóxico chega à sua mesa através do pão, da pizza, do macarrão. O trigo é um trigo transgênico e chega a ser tratado com até oito cargas de pulverizador por ano. Você vai na pizzaria comer uma pizza deliciosa e aquilo ali tem transgênico. O que você está comendo na sua mesa é veneno. Isso independe de você. Hoje nada escapa. Então, ou você vai ser um monge recluso, plantando sua hortinha e sua terrinha, ou se você é uma pessoa que vai ficar exposta a isso e será obrigada a consumir.


BF – Como você avalia o governo Dilma a partir dessa política de isenção fiscal para o uso de agrotóxico no campo brasileiro?

ST – Deixa eu te falar, o governo Dilma está começando agora, não tem nenhum ano, então não dá para responsabilizá-la por essa política. Na verdade esse filme vai servir de alerta para ela também. Muitas das coisas que são ditas no filme, eles [o governo] não têm consciência. Esse filme não é para se vingar de ninguém. É para alertar. Quer dizer, na verdade você mora em Brasília, você está longe do mundo, e alguém diz para você ‘ah, isso é frescura da esquerda, esse problema não existe’, e os relatórios que colocam na sua mesa omitem as pessoas que estão morrendo por lidar diretamente com agrotóxico. [As mortes] vão todas para as vírgulas das estatísticas, entendeu? Acho que está na hora de mostrar que muitas vidas não seriam sacrificadas se a gente partisse para um modelo de agricultura mais humano, mais baseado nos insumos naturais, no manejo da terra, ao invés de intoxicar com veneno os rios, os lagos, os açudes, as pessoas, as crianças que vivemem volta, entendeu? Eu acho que seria ótimo se esse filme chegasse nas mãos da presidenta e ela pudesse tomar consciência desse modelo que nós estamos vivendo e, a partir daí, começasse a mudar as políticas.


BF – No documentário você optou por não falar com as empresas produtoras de agrotóxicos. Essa ideia ficou para um outro documentário?

ST – É porque eu não quis fazer um filme que abrisse uma discussão técnica. Se as empresas reclamarem muito e pedirem para falar, eu ouço. Eu já recebi alguns pedidos e deixei as portas abertas. No Ceará eu filmei um cara que trabalha com gado leiteiro que estava morrendo contaminado por causa de uma empresa vizinha. Eu filmei, a empresa vizinha reclamou e eu deixei a porta aberta, dizendo ‘tudo bem, então vamos trabalharem breve isso num outro filme’. Se as empresas que manipulam e produzemagrotóxico me chamarem para conversar, eu vou. E vou me basear cientificamente na questão porque eles também são craques em enrolar. Querem comprovar que você está comendo veneno e tudo bem (risos). E eu preciso de subsídios para dizer que não, que aquele veneno não é necessário para a minha vida. Nesse primeiro momento, eu quis botar a discussão na mesa. Algumas pessoas já começaram a me assustar, ‘você vai tomar processo’, mas eu estou na vida para viver. Se o cara quiser me processar por um documentário no qual eu falei a verdade, ele processa pois tem o direito. Agora, eu tenho direito como cineasta, de dizer o que eu penso.


BF – Esse filme será lançado somente no Rio ou em outras capitais também?

ST – Eu estou convidado também para ir para Pernambuco em setembro, mas o filme pode acontecer independente de mim. Esse filme está saindo com o selinho de ‘copie e distribua’. Ele não será vendido. A gente vai fazer algumas cópias e distribuir dentro do sentido de multiplicação, no qual as pessoas recebem as cópias, fazem novas e as distribuem. O ideal é que cada entidade, e são mais de 20 bancando a Campanha, consiga distribuir pelo menos mil unidades. De cara você tem 20 mil cópias paraserem distribuídas. E depois nós temos os estudantes, os movimentos sociaise sindicais, os professores. Vai ser uma discussão no Brasil. Temos que levaresse documentário para Brasília, para o Congresso, para a presidenta da República, para o ministro da Agricultura, para o Ibama. Todo mundo tem que veresse filme.


BF – E expectativa é boa então?

ST – Sim. Eu sou um otimista. Sempre fui.

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Fonte:
Brasil de Fato

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8 comentários

  • Vilson Ambrozi Chapadinha - MA

    Em meu recente comentario onde se le ideocratico ,substitua por idiocratico.

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  • Vilson Ambrozi Chapadinha - MA

    Sr Silvio;Se existe algo que o produtor gostaria de se livrar,não resta dúvida que não são as dividas e sim da necessidade de usar defensivos.e, se existe tecnologia eficiente para diminuir o uso para a grande escala que a humanidade precisa ,é a transgenia.Como vcs xiitas e ideocráticos,não admitem o uso dos transgenicos,espero ver em sua pelicula ,a grande solução,quem sabe convocar os consumidores a ingerir frutas com larvas,cuzcuz com sabor de carruncho ,rico em aflotoxina omega 4,etc.

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  • Otair Menegazzo Maringá - PR

    Fazer algo para impressionar políticos é fácil, principalmente quando auxiliados pelo grupo que tem fácil acesso como os SEM ALGUMA COISA. Lembro que qualquer discussão sobre este tema tem que ser ouvidos os dois lados, os SEM ALGUMA COISA e os COM ALGUMA COISA (principalmente conhecimento). Trigo transgênico? Ah, só para lembrar, há vários países onde o consumo percapita de agrotóxicos é maior que no Brasil, inclusive Japão, França, EUA, etc. Afinal, vamos ver "mais" este documentário e tirar nossas próprias conclusões.

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  • Mauri Martins Teixeira Viçosa - MG

    Respeito a opinião do Silvio Tendler até porque estamos realmente consumindo muito agrotóxico, mas pensar que podemos prescindir dos agrotóxicos é outra coisa. Criticar por criticar fica muito bonito perante o publico, mas não basta. Tem que ter competência também para mostrar que ha alternativas. Caso contrario vai parecer que é matéria paga. A agricultura orgânica atualmente é inviável como forma de sustentar o mercado consumidor. E, neste caso, qual a saída? O que é necessário, urgentemente, é fiscalizar seriamente o uso de agrotóxicos, exigir produtos mais seguros, tanto para o consumidor, como para o ambiente e inspecionar os equipamentos de aplicação.

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  • Antonio José de Mattos Barbosa Ferraz - PR

    MELANCIA!! Vermelho vestido de verde, fruta já passada indigestivel! Arcaico! isso tá com cara de filmeco dos tempos de super8 feito pra própria ¨cumpanherada¨assistir e aplaudirem eles mesmo. Não merece crédito! A ñ ser que seja pelos cofres publicos com custos holiudianos. Alguém lembra do filmeco do lula?

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  • Daniel Augusto Gomes Águas de Santa Bárbara - SP

    Não acredito!!

    Mais um que quer chacoalhar uma bandeira hasteada por hipocritas para se aparecer.

    Olhem com quem ele foi conversar e disse que estava "preocupado" também.

    "O trigo é um trigo transgênico e chega a ser tratado com até oito cargas de pulverizador por ano."

    Sinceramente, quando leio essas coisas, tenho medo...

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  • Marcelo T hoshino Jataizinho - PR

    Trigo transgênico? Sou plantador de trigo há 30 anos e ainda não lançaram nada no mercado de transgenia para trigo. Acho que este cidadão está totalmente desinformado. Se acha que pesquisou deveria estudar mais e fazer afirmações fundamentadas.Se fala tanto na questão social, mas se esquece que a agricultura orgânica é inviável para produção em larga escala e consequentemente como produzir alimento barato para população mais pobre? Ele faz afirmação que somente a classe mais abastada pode comprar estes alimentos orgânicos, portanto não se ateve a questões técnicas, científicas, empíricas para produzir alimentos em larga escala. É de se esperar escutar besteiras, uma vez que a fonte consultada foi o Stedile do MST....

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  • Telmo Heinen Formosa - GO

    Estou impressionado e não é de hoje como no Brasil prosperam a ignorância e o emburrecimento. Brasil "de fato" tem uma ruindade sui gêneris no DNA do seu povo. Quem é este Silvio Tendler, ele sabe fazer contas? Ele conhece uma ponderação? Que tipo de LITRO é este que cada brasileiro consome 5,2 por ano e quem fez esta conta? Até hoje não aprendeu que não se pode comparar alhos com bugalhos? Como se justifica, a estória que ele conta e a longevidade cada vez maior dos brasileiros?

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