Questão indígena: AGU e Funai pressionam Justiça Federal a não conceder liminares de reintegração de posse

Publicado em 02/09/2013 15:02 e atualizado em 18/09/2013 13:11
por Reinaldo Azevedo, de veja.com.br

Kátia Abreu apresenta projeto para coibir invasão de propriedades produtivas por índios; AGU e Funai pressionam Justiça Federal a não conceder liminares de reintegração de posse

A produção agropecuária impede que o país vá para o buraco, como é sabido. Como paga, enfrenta um processo de demonização da imprensa, do governo e das ONGs — que só podem sair por aí para fazer proselitismo porque, afinal, o país não foi para o buraco. Entenderam? São muitas as tropas: dos sem-terra, dos quilombolas, dos clorofilofanáticos e, nos últimos tempos, dos índios. Há 105 invasões de áreas produtivas promovidas por lideranças indígenas. No Mato Grosso do Sul, são 67 fazendas invadidas; na Bahia, 80. E o que é pior: a Advocacia Geral da União e a Funai pressionam a Justiça Federal a NÃO CONCEDER LIMINARES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. A situação de agrava. Nesta segunda, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), apresentou um projeto de lei para coibir as invasões.

Antes que prossiga, leiam este trecho de uma reportagem de Alex Rodrigues, da Agência Brasil. Volto em seguida.

Um trabalhador rural foi atingido por um tiro na coluna durante uma ocupação indígena a uma fazenda no sul da Bahia. O dono da propriedade registrou a ocorrência na manhã de hoje (2), na delegacia da Polícia Federal (PF) em Ilhéus (BA). Segundo policiais civis e federais ouvidos pela Agência Brasil, esse é um dos vários incidentes quem vêm sendo registrados ao longo dos últimos meses em função da disputa por terras entre índios tupinambás e produtores rurais da região. A vítima foi levada para o Hospital de Base de Itabuna, onde está internada. De acordo com o cirurgião-geral José Henrique de Carvalho, seu estado é grave. “O prognóstico médico é muito ruim. Ainda estamos aguardando o resultado da ressonância, mas não está descartada a possibilidade dele não voltar a andar, pois uma vértebra foi seccionada, com lesão de coluna”, disse o médico. Morador de Itabuna, o médico disse que o conflito por terra entre índios e produtores rurais “é muito grave”. Segundo o cirurgião, no domingo outras pessoas foram levadas para o hospital com ferimentos menos graves, resultado de confrontos em outras ocupações.

Voltei
E não pensem que são os latifundiários dos delírios esquerdopatas os que mais sofrem. Nada disso! Os maiores prejudicados por invasões, hoje, são pequenos e médios produtores. Leiam trecho de texto publicado no site da CNA. Volto sem seguida.
*
Para reagir ao avanço das invasões de propriedades produtivas regularmente ocupadas – algumas há mais de um século – e proteger o setor mais competitivo da economia nacional, a presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu, apresentou, nesta segunda-feira, projeto de lei que suspende processos demarcatórios de terras indígenas sobre propriedades invadidas por dois anos seguintes à sua desocupação.

Em discurso na tribuna do Senado, ela destacou que restabelecer o Estado de Direito e garantir segurança jurídica aos produtores rurais é fundamental ao bom desempenho da agropecuária brasileira. “Queremos que áreas de produção sejam um patrimônio do Brasil, porque estão sustentando a economia frágil deste país”, disse a senadora, ao destacar que o Produto Interno Bruto do setor teve um crescimento de 14,7% no primeiro semestre deste ano, frente ao aumento de apenas 2,6 PIB nacional, segundo o IBGE.

(…)

Kátia Abreu lembrou medida semelhante para resguardar a produção agropecuária das constantes invasões de propriedade pelo MST. Pela MP convertida em lei, que ainda vigora, propriedades invadidas só podem ser vistoriadas, avaliadas e desapropriadas dois anos depois de sua desocupação.

Pressão
A senadora declarou-se especialmente preocupada porque a pressão da Advocacia Geral da União (AGU) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre a Justiça Federal já está produzindo efeitos, com recuos de liminares pela reintegração de posse. E fez um apelo à Justiça, para que não volte atrás.

No projeto, a senadora propõe que, em caso de reincidência, seja dobrado o prazo de dois anos de suspensão de processos demarcatórios, tanto para simples estudos como nos processos em curso para criação, homologação, regularização ou ampliação de terras indígenas. O projeto prevê, ainda, a apuração da responsabilidade civil e administrativa daquele que propicie o descumprimento dessas vedações, por ação ou omissão.

Antes mesmo de protocolar sua proposta na Mesa Diretora, a senadora já arrebanhou apoios. “Pode contar com minha assinatura neste projeto que trata do setor mais competitivo da economia brasileira”, disse o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), ao destacar que o agronegócio tem sabido resistir, saltando obstáculos.

Encerro
Lembro, para encerrar, que a MP que indispõe terras invadidas para reforma agrária, aprovada no governo FHC, jamais foi posta em prática pelos governos petistas. Eles fazem de conta que a lei não existe.

Tivesse um índio sido baleado no conflito, o fato geraria uma justa indignação Vejam lá no alto. Foi só um trabalhador rural. Logo, isso não tem muita importância. Aprendemos todos que, no Brasil, existem os feridos com pedigree militante e sem pedigree militante; os mortos que contam e os mortos que não contam.

Por Reinaldo Azevedo

 

A Globo e a ditadura: o que foi dito e o que faltou dizer. Ou: Por que não preciso fazer mea-culpa

Quando o jornal O Globo publicou, no domingo, o seu mea-culpa sobre o apoio dado ao golpe militar de 1964, uma primeira leva de idiotas veio ao blog dizer algumas bobagens. Depois da edição do Jornal Nacional desta segunda, que levou ao ar trechos da abjuração, a corrente de estupidez se intensificou: “E aí? Você não vai fazer o mesmo? Não vai se arrepender também de ter apoiado a ditadura?” A resposta é “não!”, e a razão é simples: eu nunca apoiei a ditadura; logo, não tenho do que me arrepender. Quando os militares chegaram ao poder, em 1964, eu tinha dois anos — faria três só em agosto daquele ano.

Doze anos depois, em 1976, quando se opor à ditadura requeria muito mais do que a coragem moral da abjuração — era necessário ter a coragem física do enfrentamento —, eu estava na oposição ao regime militar, o que me rendeu alguns dissabores, mal a barba havia me despontado no rosto. Talvez até pudesse pedir hoje uma graninha ao Estado, mas, vejam só!, eu sabia os riscos que corria e não acho que os pobres brasileiros devam arcar com o custo das minhas escolhas. Não acredito que homens sejam propriedades do Estado — ou que este, como ente, representando a todos, deva arcar com o peso das opções feitas por parcelas da sociedade ou por indivíduos. Há quem tenha outro entendimento. O meu é este: a história vivida como uma eterna reparação costuma servir aos fanáticos da hora.

Assim, não há nada do que possa me arrepender — nem mesmo, e já revelei isto aqui, da minha pregressa militância de esquerda. Socorre-me o conforto de saber que fui crítico severo de todos os governos que vivi, o que inclui — e os tontos dão mostras de ignorá-lo — o de FHC Outros de minha geração, e de gerações anteriores, dão mostras de ser mais adaptáveis ao espírito do tempo. Ou, quem sabe, mais espertos. Emprestam a sua retórica jacobina ao que costumo chamar de “protesto a favor”. Estão sempre a esconjurar as forças do atraso e da reação, que, não por acaso, são aquelas que se opõem ao governo de turno.

Dia desses, um deles cobrava, em tom de indignação, que o governo Dilma desse ainda mais recursos, por intermédio da publicidade de estatais e da administração federal, aos áulicos. Explica-se: há no mercado um excesso de oferta de subjornalismo a favor. É muita gente disposta a elogiar e a defender o governo ao mesmo tempo. Esse excesso implica um barateamento da mercadoria. Entre esses, há ex-antipetistas e ex-antilulistas fanáticos. Quando o PT estava na oposição, os anões morais se entregavam a momices para demonstrar que repudiavam aquela esquerda atrasada. Hoje, põem as suas momices a serviço do partido e repudiam o que chamam “direita atrasada”. Pertencem, em suma, todos eles, a um partido que exerce uma incrível atração e tem um formidável poder de convencimento: o Partido do Poder. Experimento, como sabem, um desconforto adicional: não me sinto representando pelo PO: o Partido da Oposição. Mas vamos voltar ao curso do rio, de que me distanciei um pouco.

Há também os leitores de boa-fé que me perguntam o que penso a respeito do texto do/da Globo. Um leitor chamado Paulo de Tarso me faz uma pergunta interessante: “Se você estivesse no lugar deles [suponho que se refira ao comando das organizações], endossaria um editorial daquele?” Difícil saber, Paulo, porque tenho dificuldades de lidar com esse “se”. Se a condição para dar uma resposta é “estar no lugar”, não tenho o que lhe dizer. Posso, sim, destacar algumas coisas que me parecem fora do lugar.

Desde logo é preciso deixar claro que há dois textos. O site Memória traz o mea-culpa propriamente dito, que faz uma breve reconstituição da história, evocando as circunstâncias que levaram o jornal O Globo — e se entende que, de fato, trata-se de uma satisfação prestada pelas Organizações — a apoiar o regime militar. As palavras de Roberto Marinho, o patriarca, são evocadas de maneira ambígua. Trata-se da transcrição de um editorial de 7 de outro de 1984, lê-se:

“Temos permanecido fiéis aos seus objetivos [da revolução], embora conflitando em várias oportunidades com aqueles que pretenderam assumir a autoria do processo revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se iniciaram, como reconheceu o marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável do povo brasileiro’. Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um ‘pronunciamento’ ou ‘golpe’, com o qual não estaríamos solidários”.

Tais palavras encerram o parágrafo que lembra que Marinho elogiou o general Geisel por ter revogado o Ai-5, restabelecido o habeas corpus, resgatado a independência da Magistratura e posto fim ao Decreto 477, base da intervenção do regime nas universidades. Dá-se ainda destaque ao fato de que o empresário e jornalista, o que é fato, protegeu alguns dos “seus comunistas”, abrigando nas suas empresas de comunicação profissionais perseguidos. Honra-se, assim, a figura daquele que, sei lá como dizer, parece ter aderido ao golpe por motivos que talvez considerasse nobres e saneadores — sem contar que ele via na intervenção militar uma “exigência inelutável do povo brasileiro”. O texto releva que muitos acreditavam — e não sem motivos, é certo — que João Goulart planejava um autogolpe.

Digo que a evocação é ambígua porque, em que pesem, então, os bons propósitos que motivaram o apoio, o texto não lhes dá abrigo e encerra: “À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.”

O outro
O outro texto, que incorpora esse da “Memória”, é o editorial do jornal. Vem acrescido de uma introdução. É nela que está o que mais me incomoda — e por motivos puramente jornalísticos, que nada têm com a ideologia. A rigor, ao expô-los, vocês poderão notar, farei uma defesa do jornalismo da Globo que, lamento ter de escrevê-lo, eles próprios não parecem ter se sentido à vontade para fazer. E, por óbvio, não o faço em defesa do grupo, mas em defesa do jornalismo livre. Escreve o jornal nessa malfadada introdução.

Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura.
Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.
Há alguns meses, quando o Memória estava sendo estruturado, decidiu-se que ele seria uma excelente oportunidade para tornar pública essa avaliação interna. E um texto com o reconhecimento desse erro foi escrito para ser publicado quando o site ficasse pronto.
Não lamentamos que essa publicação não tenha vindo antes da onda de manifestações, como teria sido possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro, necessário.
Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas.
De nossa parte, é o que fazemos agora, reafirmando nosso incondicional e perene apego aos valores democráticos, ao reproduzir nesta página a íntegra do texto sobre o tema que está no Memória, a partir de hoje no ar:

Retomo
Se o mea-culpa contido no site “Memória” procura falar a linguagem maiúscula da reconstituição histórica, admitindo o erro (e não concordo com tudo o que vai lá, já digo por quê), essa introdução do jornal O Globo vai além da abjuração e passa a ser uma expiação. Nem todo altar serve à remissão dos pecados; nem toda penitência é digna; nem todo sacrifício de fato expia. Se as Organizações Globo não indagam, indago eu: quem são estes que estão gritando nas ruas, às portas da emissora ou de outros veículos de comunicação? É gente que defende o “controle social da mídia”? É gente que põe fogo em jornais e revistas? É gente que faz a defesa aberta da censura? E gente que quer subordinar a imprensa a instâncias partidárias? Então é gente que não presta!

Se “a verdade é dura, e a Globo apoiou a ditadura”, os que estão jogando estrume de cavalo às portas da emissora querem que país? Que a Globo ou qualquer outro decidam abjurar de crenças e valores que compuseram a sua história, vá lá, mas que a tanto sejam levados por convicções que realmente honram a democracia, que a elevem, que a tenham, de fato, como uma valor inegociável.

Mais adiante, encontra-se a frase mais infeliz do conjunto da obra: “Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder a clamor das ruas”. É evidente que não posso concordar com essa frase, nem como um primado moral, nem como síntese do caso em espécie. Ou, por outra, serei obrigado a lembrar aqui, COMO DESTACOU ROBERTO MARINHO PAI, CUJA CRENÇA FOI ABJURADA, NÃO É?, QUE, EM 1964, HAVIA, SIM, CLAMOR NAS RUAS. E tanto as instituições como a imprensa responderam a ele. E aí?

Entendo que a imprensa, comprometida com os valores democráticos, tem, muitas vezes, de responder ao CLAMOR DAS RUAS com o apelo á ordem. Qual ordem? Ora, a ordem democrática. Ao se omitir a origem dos que, hoje, acusam a Globo de vínculos com a ditadura, comete-se uma falha especialmente grave no ambiente da imprensa: uma omissão. “Mas muda alguma coisa? E não apoiou mesmo?” Não altera o passado, mas é relevante para o futuro. Ou então me digam: os extremistas que vão paras as ruas vociferar o fazem por causa do golpe de 1964 ou porque pretendem encabrestar a emissora e o jornalismo como um todo? O que eles querem? Uma Globo e uma imprensa mais independentes ou ainda mais afinadas com os valores do novo oficialismo?

Outro reparo
E faço, sim, um reparo importante no texto da abjuração. Acho que há uma confusão conceitual quando se diz que o apoio dado pela emissora ao golpe de 1964 é um “erro à luz da História”. Tendo a achar que “à luz da história”, não existem nem erros nem acertos, mas apenas fatos. Notórias reputações hoje tidas como “progressistas” (os únicos reacionários do Brasil, pelo visto, somos Olavo de Carvalho e eu…) apoiaram a deposição de Jõao Goulart, como Carlos Heitor Cony, Alberto Dine e Antonio Callado — que depois organizaria com Chico Buarque a Caravana a Cuba… Cito apenas alguns. Procurem nas bibliotecas um livrinho chamado “Idos de Março”. Está tudo lá.

Eu diria que se pode chamar o apoio ao golpe de um “erro” na esfera, vamos dizer, teleológica. Como valor em si, como horizonte que se busca, como é que alguém pode preferir o golpe, a menos que seja um tirano ou um defensor da tirania? É justamente “à luz da história” que as coisas se complicam. Para que o editorial pudesse sustentar esse ponto de vista com tanta certeza, forçoso seria que soubesse, para poder fazer a comparação, para onde teria ido o Brasil sem a intervenção militar. Notem bem: eu lutei contra a ditadura, eu apanhei lutando contra a ditadura, mas não sei dar essa resposta. Pelo visto, alguém por lá, “à luz da história”, julga saber. Notem: isso nada tem a ver com a Globo — eles façam o que lhe der na telha. Essa é uma questão que diz respeito à história.

E também não tenho como endossar sem reparos a frase final do texto, sem que lembre um paradoxo que não pode ser resolvido pela retórica: “A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.” Sim, a democracia é um valor absoluto. Mas não pode permitir que ajam livremente aqueles que pretendem recorrer a seus próprios instrumentos para solapá-la.

Encerro
Encerro este texto, mas muito longe de esgotar o tema, é evidente. No ano que vem, o golpe militar de 1964 completa 50 anos. De algum modo, ainda estamos pagando o tributo aos supostos democratas que teriam sido esmagados por supostos facínoras. Seis anos depois de deixar a Presidência, onde permaneceu por 15 anos — quase 12 como ditador —, Getúlio Vargas estava de volta ao poder. Todos os seus crimes, e não foram poucos — matou e torturou mais do que a ditadura militar —, tinham sido esquecidos. Voltou à cena para protagonizar uma tragédia que foi muito além de seus delírios e desastres pessoais. Convertido, no entanto, em herói popular, ainda hoje é considerado uma… inspiração.

Agora só falta Dilma Rousseff admitir que ter integrado o Colina (Comando de Libertação Nacional) e a VAR-Palmares foi um erro. Afinal, essas organizações mataram pessoas inocentes em nome de sua causa. E matar pessoas inocentes, convenham, é injustificável em qualquer tempo. Mas acho que ela não o fará.

Por Reinaldo Azevedo

 

“O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”

É o título de uma coletânea de textos de autoria do filósofo sem carteirinha, crachá ou livro-ponto Olavo de Carvalho (foto), lançado há duas semanas pela Editora Record (615 páginas, R$ 51,90). Os artigos foram selecionados e organizados por Felipe Moura Brasil, um jovem de vinte e poucos — bem poucos — anos, que também cuida de notas explicativas e referências bibliográficas que remetem o leitor tanto à vasta obra do próprio Olavo como à teia de autores e temas com os quais seus textos dialogam ou polemizam. Moura Brasil informa que a seleção obedeceu a seu gosto pessoal e à necessidade de partilhar a sua experiência de leitor e estudioso da obra de Olavo. Esse moço é a prova de que a inteligência e a autonomia intelectual sobrevivem mesmo aos piores tempos. E os piores tempos podem não ser aqueles em que o amor à liberdade é obrigado a resistir na clandestinidade — afinal, resta a esperança no fundo da caixa —, mas aqueles em que a divergência se torna, por si, uma violência inaceitável. Nesse caso, a própria esperança começa a correr riscos. O livro, o que não chega a ser uma surpresa, provocou um enorme silêncio — que é uma das formas do moderno exercício da violência. Os leitores, no entanto, estão fazendo a sua parte, e ele já figura em 10º lugar na lista dos “Mais Vendidos”, na categoria “Não-Ficção”, na VEJA desta semana.

“O Mínimo…” reúne, basicamente, artigos que Olavo publicou em jornais e revistas, inclusive nas revistas “República” e “BRAVO!”, das quais fui redator-chefe — e a releitura, agora, em livro, me remeteu àqueles tempos. Impactam ainda hoje e podiam ser verdadeiros alumbramentos há 10, 12, 13 anos, quando o autor, é forçoso admitir, via com mais aguda vista do que todos nós o que estava por vir. Olavo é dono de uma cultura enciclopédica — no que concerne à universalidade de referências —, mas não pensa por verbetes. E isso desperta a fúria das falanges do ódio e do óbvio. Consegue, como nenhum outro autor no Brasil — goste-se ou não dele —, emprestar dignidade filosófica à vida cotidiana, sem jamais baratear o pensamento. Isso não quer dizer que não transite — e as falanges não o fustigam menos por isto; ao contrário — com maestria no terreno da teoria e da história. É autor, por exemplo, da monumental — 32 volumes! — “História Essencial da Filosofia” (livros acompanhados de DVDs). Alguns filósofos de crachá e livro-ponto poderiam ter feito algo parecido — mas boa parte estava ocupada demais doutrinando criancinhas… Há o Olavo de “A Dialética Simbólica” ou de “A Filosofia e seu Inverso”, e há este outro, que é expressão daquele, mas que enfrenta os temas desta nossa vida besta, como disse o poeta, revelando o sentido de nossas escolhas e, muito especialmente, das escolhas que não fazemos.

O livro é dividido em 25 capítulos ou macrotemas: Juventude, Conhecimento, Vocação, Cultura, Pobreza, Fingimento. Democracia, Socialismo, Militância, Revolução, Intelligentzia, Inveja, Aborto, Ciência, Religião, Linguagem, Discussão, Petismo, Feminismo, Gayzismo, Criminalidade, Dominação, EUA, Libertação e Estudo. Cada um deles reúne um grupo de textos, e alguns se desdobram em subtemas, como a espetacular seleção de textos de “Revolução”, reunidos sob rubricas distintas, como, entre outras, Globalismo, Manipulação e Capitalistas X Revolucionários.

Vivemos tempos um tanto brutos, hostis ao pensamento. Vivemos a era em que o sentimento de “justiça” ou o de “igualdade” — com frequência, alheios ou mesmo refratários a qualquer noção de direito — reivindicam um estatuto moralmente superior a conceitos como verdade e realidade; estes seriam, por seu turno, meras construções subjetivas ou de classe, urdidas com o propósito de provocar a infelicidade geral. Olavo demole com precisão e brilho a avalanche de ideias prontas, tornadas influentes pelo “imbecil coletivo” e que vicejam muito especialmente na imprensa — fenômeno enormemente potencializado pelas redes sociais.

Em 2003, o jornal “O Globo” ainda publicava textos como “Orgulho do Fracasso”, de Olavo. E se podia ler (em azul):
Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir.
(…)
A experiência dos milênios, no entanto, pode ser obscurecida até tornar-se invisível e inconcebível. Basta que um povo de mentalidade estreita seja confirmado na sua ilusão materialista por uma filosofia mesquinha que tudo explique pelas causas econômicas. Acreditando que precisa resolver seus problemas materiais antes de cuidar do espírito, esse povo permanecerá espiritualmente rasteiro e nunca se tornará inteligente o bastante para acumular o capital cultural necessário à solução daqueles problemas. O pragmatismo grosso, a superficialidade da experiência religiosa, o desprezo pelo conhecimento, a redução das atividades do espírito ao mínimo necessário para a conquista do emprego (inclusive universitário), a subordinação da inteligência aos interesses partidários, tais são as causas estruturais e constantes do fracasso desse povo. Todas as demais explicações alegadas — a exploração estrangeira, a composição racial da população, o latifúndio, a índole autoritária ou rebelde dos brasileiros, os impostos ou a sonegação deles, a corrupção e mil e um erros que as oposições imputam aos governos presentes e estes aos governos passados — são apenas subterfúgios com que uma intelectualidade provinciana e acanalhada foge a um confronto com a sua própria parcela de culpa no estado de coisas e evita dizer a um povo pueril a verdade que o tornaria adulto: que a língua, a religião e a alta cultura vêm primeiro, a prosperidade depois.
(…)

Retomo
Grande Olavo de Carvalho! Dez anos depois, com o país nessa areia, como ignorar a força reveladora das palavras acima? Olhem à nossa volta. O que temos senão um governo incompetente, que fez refém ou tornou dependente (com Bolsa BNDES, Bolsa Juro, Bolsa Isenção Tributária) uma elite não muito iluminada, combatido, o que é pior, por uma oposição que não consegue encetar uma crítica que vá além do administrativismo sem imaginação, refratária ao debate, que foge do confronto de ideias como Lula foge dos livros e Dilma da sintaxe?

O país emburrece. Eu mesmo, mais de uma vez, em ambientes supostamente afeitos ao pensamento, à reflexão e à leitura, pude constatar o processo de satanização do contraditório. É mais difícil travar com intelectuais (ou, sei lá, com as classes supostamente ilustradas) um debate racional sobre a legalização do aborto do que com um homem ou uma mulher do povo, de instrução mediana. E não porque aqueles tenham os melhores argumentos. Ao contrário: têm os piores. Olham para a sua cara e dizem, com certo ar de trunfo, como se tivessem encontrado a verdade definitiva: “É uma questão dos direitos reprodutivos da mulher”. Digamos que fosse… Esses tais “direitos reprodutivos” teriam caído da árvore da vida, como caiu a maçã para Newton, ou são uma construção? Por que estaria acima do debate?

Mais um pouco das palavras irretocáveis de Olavo (em azul):
Na tipologia de Lukács, que distingue entre os personagens que sofrem porque sua consciência é mais ampla que a do meio em que vivem e os que não conseguem abarcar a complexidade do meio, a literatura brasileira criou um terceiro tipo: aquele cuja consciência não está nem acima nem abaixo da realidade, mas ao lado dela, num mundo à parte todo feito de ficções retóricas e afetação histriônica. Em qualquer outra sociedade conhecida, um tipo assim estaria condenado ao isolamento. Seria um excêntrico.

No Brasil, ao contrário, é o tipo dominante: o fingimento é geral, a fuga da realidade tornou-se instrumento de adaptação social. Mas adaptação, no caso, não significa eficiência, e sim acomodação e cumplicidade com o engano geral, produtor da geral ineficiência e do fracasso crônico, do qual em seguida se busca alívio em novas encenações, seja de revolta, seja de otimismo. Na medida em que se amolda à sociedade brasileira, a alma se afasta da realidade — e vice-versa. Ter a cabeça no mundo da lua, dar às coisas sistematicamente nomes falsos, viver num estado de permanente desconexão entre as percepções e o pensamento é o estado normal do brasileiro. O homem realista, sincero consigo próprio, direto e eficaz nas palavras e ações, é que se torna um tipo isolado, esquisito, alguém que se deve evitar a todo preço e a propósito do qual circulam cochichos à distância.

Meu amigo Andrei Pleshu, filósofo romeno, resumia: “No Brasil, ninguém tem a obrigação de ser normal.” Se fosse só isso, estaria bem. Esse é o Brasil tolerante, bonachão, que prefere o desleixo moral ao risco da severidade injusta. Mas há no fundo dele um Brasil temível, o Brasil do caos obrigatório, que rejeita a ordem, a clareza e a verdade como se fossem pecados capitais. O Brasil onde ser normal não é só desnecessário: é proibido. O Brasil onde você pode dizer que dois mais dois são cinco, sete ou nove e meio, mas, se diz que são quatro, sente nos olhares em torno o fogo do rancor ou o gelo do desprezo. Sobretudo se insiste que pode provar.

Sem ter em conta esses dados, ninguém entende uma só discussão pública no Brasil. Porque, quando um brasileiro reclama de alguma coisa, não é que ela o incomode de fato. Não é nem mesmo que exista. É apenas que ele gostaria de que existisse e fosse má, para pôr em evidência a bondade daquele que a condena. Tudo o que ele quer é dar uma impressão que, no fundo, tem pouco a ver com a coisa da qual fala. Tem a ver apenas com ele próprio, com sua necessidade de afeto, de aplauso, de aprovação. O assunto é mero pretexto para lançar, de maneira sutil e elegante, um apelo que em linguagem direta e franca o exporia ao ridículo.

Esse ardil psicológico funda-se em convenções provisórias, criadas de improviso pela mídia e pelo diz que diz, que apontam à execração do público umas tantas coisas das quais é bom falar mal. Pouco importa o que sejam. O que importa é que sua condenação forma um “topos”, um lugar-comum: um lugar no qual as pessoas se reúnem para sentir-se bem mediante discursos contra o mal. O sujeito não sabe, por exemplo, o que são transgênicos. Mas viu de relance, num jornal, que é coisa ruim. Melhor que coisa ruim: é coisa de má reputação. Falando contra ela, o cidadão sente-se igual a todo mundo, e rompe por instantes o isolamento que o humilha.

Essa solidariedade no fingimento é a base do convívio brasileiro, o pilar de geleia sobre o qual se constroem uma cultura e milhões de vidas. Em outros lugares as pessoas em geral discutem coisas que existem, e só as discutem porque perceberam que existem. Aqui as discussões partem de simples nomes e sinais, imediatamente associados a valores, ao ruim e ao bom, a despeito da completa ausência das coisas consideradas.

Não se lê, por exemplo, um só livro de história que não condene a “história oficial” — a história que celebra as grandezas da pátria e omite as misérias da luta de classes, do racismo, da opressão dos índios e da vil exploração machista. Em vão buscamos um exemplar da dita-cuja. Não há cursos, nem livros, nem institutos de história oficial. Por toda parte, nas obras escritas, nas escolas de crianças e nas academias de gente velha, só se fala da miséria da luta de classes, do racismo, de índios oprimidos e da vil exploração machista. Há quatro décadas a história militante que se opunha à história oficial já se tornou hegemônica e ocupou o espaço todo. Se há alguma história oficial, é ela própria.

Mas, sem uma história oficial para combater, ela perderia todo o encanto da rebeldia convencional, pondo à mostra os cabelos brancos que assinalam sua identidade de neo-oficialismo consagrado — balofo, repetitivo e caquético como qualquer academismo. Direi então que açoita um cavalo morto? Não é bem isso. Ela própria é um cavalo morto. Um cavalo morto que, para não admitir que está morto, escoiceia outro cavalo morto. Todo o “debate brasileiro” é uma troca de coices num cemitério de cavalos.

Encerro
Leia esse livro de Olavo de Carvalho. Ninguém, no Brasil, escreve com a sua força e a sua clareza. Tampouco parece fácil rivalizar com a sua cultura, fruto da dedicação, do trabalho no claustro, da aplicação, não da busca de brilharecos. Leia Olavo: contra o ódio, contra o óbvio, contra os idiotas e a favor de si mesmo.

Por Reinaldo Azevedo

 

Prisão de mensaleiros é principal mote de protestos marcados para o 7 de Setembro

Por Rubens Valente, na Folha:
Com uma pauta de reivindicações liderada pela “prisão dos mensaleiros” e que inclui o fim do voto obrigatório e a saída de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado, o Anonymous planeja atos em 140 cidades durante o 7 de Setembro. Desde junho, o grupo aposta as suas fichas no que chama de o “maior protesto da história do Brasil”. Os integrantes do Anonymous só se identificam por meio de apelidos e usam máscaras similares à do filme “V de Vingança” (2006).

Nos dias dos maiores protestos de junho, o grupo apareceu como o principal “nó de relevância” das atividades do Facebook, segundo pesquisa da InterAgentes, do cientista social Sérgio Amadeu. Os “nós” são as páginas que receberam maior atenção na forma de comentários, compartilhamentos e convocações para os protestos. No Twitter e no Facebook, a Operação Sete de Setembro ganhou a hashtag “#Op7″.
(…)

Por Reinaldo Azevedo

 

O Brasil é melhor com a coragem de Eduardo Saboia do que com a covardia dos que querem puni-lo. Ou: Novo chanceler assume Itamaraty sob intervenção e não se constrange

Eduardo Saboia: o Brasil é melhor com a sua coragem, mas ele corre o risco de ser expulso da diplomacia

Enquanto se realizava a reunião da Unasul, no Suriname, um tal Dino Bouterse era preso (anteontem) no Panamá, acusado de tráfico de drogas e de armas. Dino é filho de Desiré Bouterse, o anfitrião do encontro, um conhecido carniceiro, que comandou uma ditadura feroz no Suriname entre 1980 e 1997. Em 2000, ele foi condenado na Holanda pelo tráfico de imodestos 474 quilos de cocaína. Gente fina. Em 2010, voltou ao poder, aí por intermédio de eleições. O filho mostra que quem sai aos seus não degenera a estirpe de bravos. Foi nesse lugar aprazível, em meio a gente decente e honrada, que a presidente Dilma Rousseff manteve, nesta sexta, um encontro privado com Evo Morales, o índio de araque que governa a Bolívia.

Ela expressou, uma vez mais, o seu repúdio pela operação que resultou na vinda do senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil. A fuga foi organizada pelo diplomata Eduardo Saboia, que respondia interinamente pela representação brasileira. O governo brasileiro deu início a um trabalho de demonização de Saboia, expressa, uma vez mais, na entrevista coletiva concedida por Luiz Alberto Figueiredo, o novo chanceler: “O caso da retirada do senador de uma embaixada brasileira e a sua condução sem garantias ao território brasileiro é um fato grave e que está sendo apurado”.

Figueiredo começa mal. O Ministério das Relações Exteriores, sob as suas barbas e com o seu consentimento, está sob uma espécie de intervenção. Pela primeira vez na história da diplomacia — que eu saiba, não aconteceu nem durante a ditadura —, uma comissão de sindicância interna é comandada por alguém que não pertence aos quadros do próprio Itamaraty. O objetivo é punir Saboia e dar um copo de sangue ao protoditador bolivariano — que finge indignação para ver se arranca mais algum do Brasil.

O governo brasileiro decidiu que quem vai comandar a sindicância, que selará o destino de Saboia, é um senhor chamado Dionísio Carvalhedo Barbosa. Qual a sua qualificação para o caso? Ora, ele é assessor especial da Controladoria-Geral da União e auditor fiscal da Receita Federal. Logo, como se vê, a resposta é esta: qualificação nenhuma! Mas calma! Carvalhedo Barbosa está acostumado a servir a autoridades maiúsculas, a verdadeiros gigantes morais da política. Era secretário-adjunto de Transparência e Controle do governo do Distrito Federal, sob o comando do petista transparente… Agnelo Queiroz.

Chegou-se a noticiar que os embaixadores Glivânia Maria de Oliveira e Clemente de Lima Baena Soares, chefe do Departamento de América do Sul, integravam a comissão de sindicância, mas eles pediram para sair — ou melhor, para não entrar.

Homem decente
Saboia é um homem decente e unanimemente reconhecido por seus pares como trabalhador e dedicado. Durante a prisão dos torcedores brasileiros na Bolívia, era ele o elo com os familiares dos presos. Neste caso do senador boliviano, havia muito ele vinha advertindo seus chefes de que a situação caminhava para o insustentável. Mas o homem ficou lá, mofando, por 15 meses — e talvez outros 15 viriam se não tivesse tomado uma atitude. Não serei eu a incentivar a indisciplina, mas chega uma hora em que é preciso indagar se não se está diante da desobediência devida. Saboia sabia que Evo Morales não daria o salvo-conduto. O governo brasileiro não tratava o assunto como prioritário.

Evo Morales está afetando uma indignação que não tem. O governo brasileiro sabe que o próprio presidente boliviano havia proposto uma solução, digamos, extracurricular, com a fuga “combinada” de Molina. Dilma não topou a parada — e, convenhamos, fez bem nesse particular. Mas é certo que Evo, agora, está valorizando o incidente.

Em entrevista, o presidente boliviano chamou Molina de “delinquente”, mas não entrou com o pedido de extradição. A Folha publica um depoimento do senador. Ali está a face dos regimes bolivarianos. Reproduzo trecho:
(…)
Evo Morales era alguém com quem convivi nos primeiros anos no Congresso. Era um amigo, com quem eu podia jogar futebol. E jogamos várias vezes juntos, tenho fotos.
De maneira contínua ele me convidou para participar desse projeto político, ou parte desse projeto. Tínhamos uma visão diferente. Sempre acreditei que o tema da coca fosse a matéria-prima para o narcotráfico e era preciso atacar isso. Ele defendia a coca. Eu acreditava na liberdade, no direito privado, na propriedade das coisas e consciente de que era necessário reduzir a coca.
Quando chegou ao governo, Evo nos convidou de novo ao palácio, umas três ou quatro vezes. Ele queria que fizéssemos parte do seu governo. Nós achamos que era mais importante ajudá-lo nos temas sociais, da luta contra a miséria, com isso nós nos comprometemos.
Mas logo veio um processo de decomposição e violência do governo que atribuo à presença cubana e ao processo de linchamento político.
Depois que Cuba e Venezuela intervieram de forma direta [formando parcerias com o governo], ele teve outro tipo de política e comportamento muito mais agressivos. Então se estabelece como política de seu governo acabar com a oposição. E começa a perseguir de maneira sistemática todos os ex-presidentes, ex-governadores.
Todos os governos de esquerda querem é chegar, mudar a Constituição, adequá-la a eles, porque têm um objetivo, consolidar-se no governo, não importa como.
(…)
O isolamento na embaixada era insuportável. Em algum momento, disse “bom, por que não termino isso de uma vez?”. Na primeira vez parece estranho, porque sou cristão. Mas à medida que o tempo passa, isso volta à mente, “seria tão simples e amanhã tudo estaria acabado”. Saboia começou a se preocupar. E então ele me disse ter três opções, e a terceira era cumprir os objetivos que havia dito a presidente Dilma [quando da concessão do asilo], que era preservar minha vida.

Retomo
Os sinais de que os processos contra Molina são uma farsa são gigantescos. Acusar os adversários políticos de corrupção é o padrão dos estados bolivarianos. A histeria meio indecorosa de Dilma Rousseff envergonha a diplomacia brasileira. O que pretendia a presidente brasileira? Se comparar o embaixada ao Doi-Codi foi um exagero retórico de Eduardo Saboia, afirmar que a Soberana se prestava ao papel de carcereira de Molina parece bastante apropriado. Dadas as circunstâncias, quem honrou a história da diplomacia brasileira foi Saboia, não Antonio Patriota, que, tudo indica, nem era levado a serio por sua chefe. E não parece que o respeito será conquistado pelo novo chancelar, que estreia no cargo com o Itamaraty sob intervenção.

Eduardo é filho do embaixador Gilberto Saboia, que tem uma história ligada à defesa dos direitos humanos. O Globo ouviu o pai para fazer um perfil do filho, em texto publicado nesta sexta. Gilberto conta uma história do seu passado. Reproduzo trecho:

Um policial em fuga bate à porta da embaixada brasileira na Guatemala, pedindo abrigo. Dizia-se perseguido pelo governo, acusado de ser “comunista”. O diplomata encarregado de Negócios decide abrigá-lo. Durante uma semana, mantém o refugiado em casa (o embaixador havia deixado o país, ameaçado de sequestro), sob o olhar da mulher e dos dois filhos. Entre eles, Eduardo Saboia. O ano era 1975.
(…)
“Não tenho certeza se o Eduardo se lembra disso. O policial apareceu na chancelaria e entregou um revólver, dizendo-se ameaçado de morte. Eu fiquei sem saber o que fazer. Peguei ele, botei no carro e levei para casa. Esse policial ficou lá. Imagina o perigo. E o Itamaraty não me dava instruções. Quando deu, o homem já tinha fugido. Naquele tempo era ditadura aqui e lá. Era improvável que fosse concedido asilo. Mas assim mesmo eu não quis deixar de tentar salvá-lo”, lembra Gilberto Vergne Saboia, pai de Eduardo, admirado com a coincidência dos casos, com desfechos e repercussões distintas.
(…)

Voltei
Atenção, leitor! “Ditadura lá e aqui.” 1975! E nada aconteceu a Gilberto Saboia. Dilma Rousseff, no entanto, em plena democracia, quer a cabeça de um diplomata por ter seguido a longa e saudável tradição da diplomacia brasileira (ver nesta página texto da senadora Kátia Abreu) de conceder proteção a perseguidos políticos. Entendo. É que o governo petista gosta mesmo é de devolver pugilistas desamparados a Fidel Castro e de abrigar terroristas.

Reproduzo mais um trecho do texto do Globo:
Católico fervoroso — entre as reações de fãs nas redes sociais está o pedido por correntes de orações para o diplomata — , Eduardo desenvolveu o fervor da fé já adulto. O pai suspeita que houve alguma influência da mãe. Mas diz que a profundidade do sentimento religioso surgiu já depois de casado. Na entrevista publicada nesta quinta-feira, no “Globo”, o diplomata diz que precisa de “muitas orações”. E, ao explicar a operação de fuga de Roger Molina, afirmou ter “ouvido a voz de Deus”.
A religiosidade teria sido, então, decisiva na resolução de assumir os riscos e planejar a fuga do senador, com quem conviveu por um ano, em situação cada vez mais dramática?
“Pode ter tido influência sim, porque ele tem essa questão espiritual bem forte. Mas ele não agiu assim de forma quixotesca. Antes, advertiu muito o chefe dele (Patriota), que foi também punido. O que espero é que o bom senso prevaleça.”

Encerro
O diplomata não ouve vozes, leitores. A “voz de Deus”, no caso, é só a voz que conduz ao bem. O Brasil é melhor com Saboia do que com a covardia dos que pretendem puni-lo.

Por Reinaldo Azevedo

 

STF abre inquérito contra governador do DF, Agnelo Queiroz

Por Severino Motta, na Folha:
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso acatou um pedido do Ministério Público e abriu inquérito contra o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT). Ele é suspeito de ter cometido crimes contra a administração pública quando foi diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) entre 2007 e 2010. O pedido de abertura de inquérito teve como base os desdobramentos Operação Panacéia, da Polícia Civil de Minas Gerais. Ela apurou indícios de envolvimento de assessores de Agnelo com um grupo farmacêutico acusado de fraudes, formação de cartel e sonegação fiscal.
Escutas telefônicas feitas pela polícia revelam que representantes do laboratório Hipolabor, com sede em Minas, recorriam a assessores próximos de Agnelo para agilizar demandas na Anvisa.
(…)
Além de Agnelo, também responderá ao inquérito o deputado Fábio Ramalho (PV-MG). Devido à presença dele o caso foi para o STF. Se estivesse somente o governador sendo investigado a apuração caberia ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ramalho é investigado pois ele foi acionado pelo grupo laboratorial para agendar audiências na Anvisa.
(…)

Por Reinaldo Azevedo

 

Crescimento do 2º trimestre ainda não é o fim do “pibinho”

Na VEJA.com:
O crescimento de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre pode provocar, momentaneamente, um suspiro de otimismo no governo. No acumulado de 12 meses, encerrados em junho, o crescimento da economia brasileira foi de 1,9%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas manter esse mesmo ritmo até o final do ano será missão impossível, segundo analistas ouvidos pelo site de VEJA.

O resultado do segundo trimestre, apesar de não exalar qualquer esplendor de PIB asiático, mostra que o primeiro semestre não foi de todo ruim. Do lado da oferta, o período foi beneficiado pelo agronegócio; já pela ótica da demanda, os investimentos ajudaram. Contudo, as expectativas para o próximo semestre apontam para uma desaceleração importante da oferta, no setor de serviços, enquanto a demanda será penalizada pelo desempenho ruim do consumo privado. “Esse é um cenário oposto ao visto no ano passado, quando o baixo crescimento era uma preocupação com a indústria, devido à baixa competitividade e altos custos da mão de obra. Já neste ano, o que vemos é diferente. A indústria está um pouco melhor, mas o setor de serviços perde força”, afirma a economista Zeina Latif, da consultoria Gibraltar.
(…)

Por Reinaldo Azevedo

 

Durante 18 meses, governo brasileiro deu treinamento a cubanos e não moveu uma palha levar médicos às áreas carentes do país

Num debate havido no programa “Entre Aspas”, da GloboNews, comandado por Mônica Waldvogel, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou, com todas as letras, que o governo brasileiro vinha tratando da importação de médicos cubanos havia já um ano e meio. Escrevi um post a respeito na segunda-feira. Costa afirmou literalmente:

“Esse programa já vem sendo trabalhado há um ano e meio. Boa parte desses cubanos já trabalharam em países de língua portuguesa, não têm dificuldade com a língua. E, ao longo desse um ano e meio, eles vêm tendo conhecimento sobre o sistema de saúde no Brasil, doenças que existem aqui e não existem lá…”

Como se constata na fala acima, Costa não está a dizer que o programa estava sendo pensado apenas nos escaninhos da burocracia, que havia uma vaga ideia a respeito ou coisa, que, quem sabe?, o Brasil poderia fazer um dia. Nada disso!

O senador está a dizer que os cubanos “vêm tendo conhecimento sobre o sistema de saúde no Brasil, doenças que existem aqui e não existem lá…” O Estadão publica um texto informando que os cubanos vêm tendo aulas há seis meses.

Seis meses ou um ano e meio? Em qualquer dos casos, fica evidente que havia um programa secreto em gestação. Chegou-se a pensar por aqui que o governo tomou medidas meio atabalhoadas, pressionado pelas manifestações.

Costa, que deve conhecer o assunto porque é um petista graúdo e porque foi ministro da Saúde, afirmou que a coisa é bem mais antiga: remonta ao tempo em que a popularidade de Dilma estava lá nos cornos da Lua, e as ruas, pacíficas.

Seis meses ou um ano e meio? A diferença é, sim, relevante:
a: como, há um ano e meio, não havia a pressão (embora houvesse a necessidade) por mais médicos nos rincões do Brasil, isso sugere que a importação dos cubanos atendia mais a uma necessidade de Cuba do que do Brasil;
b: nesse um ano e meio, o Ministério da Saúde não moveu uma palha para atrair os médicos brasileiros para as áreas carentes. Por que não? Porque, afinal, havia um programa em curso;
c: os cubanos se espalham por praticamente todos os países da América Latina que hoje têm governos de esquerda. O Brasil, até havia pouco, era uma exceção;
d: cubanos ou brasileiros, os médicos que vão para essas áreas carentes terão de enfrentar um problema fundamental: a falta de infraestrutura.

A questão do tempo — se seis ou dezoito meses — só é irrelevante diante de uma questão óbvia: quando Alexandre Padilha, ministro da Saúde, anunciou, no mês passado, que o governo desistira dos médicos cubanos, ele estava contando o oposto da verdade.

Por Reinaldo Azevedo

 

A única coisa que impede que parte do dinheiro que vai para Cuba volte como doação irregular de campanha é a moral dos petistas

Então, pois é… Deixem-me ver se entendi — e parece que entendi. O governo brasileiro decidiu importar, nesta primeira leva, 4 mil médicos cubanos. Serão enviados à Ilha, todo mês, R$ 40 milhões — US$ 16,6 milhões (US$ 200 milhões por ano). Uma parcela desse dinheiro, uma merrequinha, fica com os escravos cubanos. A outra parte vai para os comumas de Raúl e Fidel. Lá entre eles, os petistas, tem-se que o ideal é trazer ao menos 10 mil cubanos, o que pode elevar essa conta para US$ 500 milhões anuais.

Não que eu queira ser maldoso, de jeito nenhum! Não que eu imagine que os petistas seriam capazes de fazer uma coisa destas, também não! Mas sabem como é: melhor não dar chance à tentação, não é mesmo?

O que impede que parte desse dinheiro volte ao Brasil na forma, de, digamos assim, financiamento irregular de campanha? Algo impede? O quê? Certamente não serão os mecanismos de controle e transparência em Cuba, não é mesmo? Sim, eu sei, restaria, a impedir tentações dessa natureza, a moral inquebrantável do petismo.

Então ficamos assim: a única coisa que impede que parte do dinheiro que será enviado a Cuba volte na forma de doação irregular de campanha é a moral dos petistas.

Entendido.

Há precedentes
Não custa lembrar que a equação “Cuba + PT + dólares = financiamento ilegal de campanha” não seria novidade, não é? Dei aqui uma puxada pela memória e achei reportagem de capa de da edição nº 1929 de VEJA, de 2 de novembro de 2005, de autoria de Policarpo Júnior. Vale a pena reler.
*
A grande interrogação ainda não respondida sobre o escândalo que flagrou o governo e o PT num enorme esquema de corrupção é a seguinte: afinal, de onde veio o dinheiro que abasteceu o caixa dois do partido? Essa é a pergunta que intriga as comissões parlamentares de inquérito e as investigações policiais. Pode ser que os recursos clandestinos do PT tenham vindo de uma única fonte, mas o mais provável, dada a fartura do dinheiro, é que tenham origem em várias fontes. Uma investigação de VEJA, iniciada há quatro semanas, indica que uma das fontes foi Cuba. Sim, a ilha de Fidel Castro, onde o dinheiro é escasso até para colocar porta ou filtro de água nas escolas, despachou uma montanha de dólares para ajudar na campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. A apuração de VEJA descobriu que:

• Entre agosto e setembro de 2002, o comitê eleitoral de Lula recebeu 3 milhões de dólares vindos de Cuba. Ao chegar a Brasília, por meios que VEJA não conseguiu identificar, o dinheiro ficou sob os cuidados de Sérgio Cervantes, um cubano que já serviu como diplomata de seu país no Rio de Janeiro e em Brasília.

• De Brasília, o dinheiro foi levado para Campinas, a bordo de um avião Seneca, acondicionado em três caixas de bebida. Eram duas caixas de uísque Johnnie Walker, uma do tipo Red Label e outra de Black Label, e uma terceira caixa de rum cubano, o Havana Club. Quem levou o dinheiro foi Vladimir Poleto, um economista e ex-auxiliar de Antonio Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto.

• Em Campinas, o dinheiro foi apanhado no Aeroporto de Viracopos por Ralf Barquete, também ex-auxiliar de Palocci em Ribeirão Preto. Barquete chegou a bordo de um automóvel Omega preto, blindado, dirigido por Éder Eustáquio Soares Macedo. De Viracopos, o carro foi para São Paulo, para deixar as caixas no comitê de Lula na Vila Mariana, Zona Sul da capital paulista, aos cuidados do então tesoureiro Delúbio Soares.

A história acima, resumida em três tópicos, foi confirmada a VEJA por duas fontes altamente relevantes, dado o pleno acesso que tiveram aos detalhes do caso. A primeira foi o advogado Rogério Buratti, que também trabalhou na prefeitura de Ribeirão Preto na gestão de Palocci. Procurado por VEJA no dia 20 de outubro, uma quinta-feira, Buratti recebeu a revista no restaurante do hotel San Diego, em Belo Horizonte. A entrevista durou duas horas e meia. Reticente, Buratti não queria falar sobre o assunto, mas não se furtou a confirmar o que sabia. “Fui consultado por Ralf Barquete, a pedido do Palocci, sobre como fazer para trazer 3 milhões de dólares de Cuba”, disse Buratti. Segundo ele, a consulta sobre a transação cubana ocorreu durante um encontro dos dois no Tennis Park, um clube de Ribeirão Preto onde Buratti e Barquete costumavam jogar tênis pela manhã. Buratti sugeriu internar o dinheiro cubano pela via que lhe parecia mais fácil. “Disse que poderia ser através de doleiros.” O advogado relata que, depois disso, não teve mais contato com o assunto, mas dias depois foi informado de seu desfecho. “Sei que o dinheiro veio, mas não sei como.” As declarações de Buratti foram gravadas com seu consentimento. VEJA relatou ao ministro Palocci a história contada à revista pelos seus ex-auxiliares. O comentário do ministro: “Nunca ouvi falar nada sobre isso. Pelo que estou ouvindo agora, me parece algo muito fantasioso”.

A outra confirmação veio de uma fonte ainda mais qualificada, já que teve participação direta na Operação Cuba: o economista Vladimir Poleto, que hoje trabalha como consultor de empresas. Poleto recebeu VEJA no dia 21 de outubro, uma sexta-feira, no bar do hotel Plaza Inn, em Ribeirão Preto. A conversa estendeu-se das 10 da noite até as 3 da madrugada. Poleto, apesar da longa duração do contato, ficou assustado a maior parte do tempo. “Essa história pode derrubar o governo”, disse ele mais de uma vez, sempre passando as mãos pela cabeça, em sinal de nervosismo e preocupação. No decorrer da entrevista, no entanto, Poleto confessou que ele mesmo transportou o dinheiro de Brasília a Campinas, voando como passageiro em um aparelho Seneca em que estavam apenas o piloto e ele. Fez questão de ressalvar que, na ocasião, não sabia que levava dinheiro. Achava que era bebida. “Eu peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida”, disse. “Depois do acontecimento, fiquei sabendo que tinha dinheiro dentro de uma das caixas”, completou, acrescentando: “Quem me disse isso foi Ralf Barquete. O valor era 1,4 milhão de dólares”.

Poleto conta que, quando recebeu a missão de pegar o dinheiro cubano, foi orientado a ir ao Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Ali, embarcou no Seneca, emprestado por Roberto Colnaghi, um empresário amigo de Palocci e um dos maiores fabricantes de equipamentos para irrigação agrícola do país. O avião decolou cedo de Congonhas, por volta das 6 e meia da manhã, e pousou em Brasília em torno das 10 horas. Ao contrário do que fora combinado, não havia nenhum carro à espera de Poleto no aeroporto da capital federal. Lá pelas 11 da manhã, chegou uma van. Depois de embarcar nela, Poleto foi levado a um apartamento em Brasília, de cujo endereço não se recorda. Foi recebido por um cubano, negro e alto, que lhe entregou as três caixas de “bebida”, lacradas com fitas adesivas. “Lembro que era um apartamento simples”, diz. De volta ao aeroporto de Brasília, as caixas foram embarcadas no Seneca e iniciou-se a viagem de regresso, que, por causa do mau tempo, terminou no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e não em Congonhas.

Por celular, Poleto avisou o amigo Barquete da alteração de aeroporto e foi orientado a não desgrudar das caixas. Por volta das 7 da noite, Barquete, que vinha de Congonhas, chegou a Viracopos. Estava em um Omega preto, dirigido por Éder Eustáquio Soares Macedo, que hoje trabalha como motorista da representação do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro. O motorista ajudou a colocar as caixas no porta-malas e dirigiu o carro até São Paulo, onde o material foi entregue a Delúbio Soares. “Nunca recebi dinheiro de Ralf Barquete”, mandou dizer o ex-tesoureiro do PT. Na semana passada, Éder Macedo confirmou a expedição a VEJA. “Não me lembro do dia em que isso aconteceu, mas aconteceu”, disse. Por alguma razão Éder Macedo, pouco depois dessa confirmação, entendeu que não deveria falar do assunto e não atendeu mais os telefonemas de VEJA, impedindo assim que a revista pudesse confirmar com ele outros detalhes. O Omega fora alugado pelo comitê eleitoral do PT. O dono da locadora chama-se Roberto Carlos Kurzweil, outro empresário de Ribeirão Preto. Kurzweil confirmou a VEJA que cedeu os serviços de Éder Macedo, então seu motorista, para o PT.

Um petista que pediu para que sua identidade não fosse revelada contou a VEJA que, da parte do governo de Cuba, quem tomou conta da operação foi Sérgio Cervantes. Ele é cubano, negro e alto, conferindo com a descrição que Poleto faz do sujeito que lhe entregou as três caixas de “bebida” em Brasília. Cervantes morou em um modesto apartamento na capital federal, localizado na Asa Sul, pelo menos até 2003, quando deixou o posto de conselheiro político da embaixada cubana no Brasil. Cervantes é, de fato, o homem das operações delicadas. Foi a primeira autoridade cubana a se encontrar com um funcionário do governo brasileiro para tratar do reatamento das relações diplomáticas entre Brasil e Cuba, que foi, afinal, consumado em 14 de junho de 1986. “Em Cuba, quem trata desse tipo de missão, assim como acontecia na URSS e países comunistas, são espiões. Cervantes é agente do Ministério do Interior”, diz um diplomata brasileiro que o conhece pessoalmente. Cervantes também foi cônsul de Cuba no Rio de Janeiro. É íntimo dos petistas.

Em março de 2003, quando deixou o cargo na embaixada, Cervantes, que é amigo de Fidel Castro e dirigente do Partido Comunista de Cuba, fez questão de dar um abraço fraternal de despedida no presidente Lula e no então ministro José Dirceu. A cena foi fotografada e a imagem está publicada nesta página. Cervantes conheceu Lula ainda nos tempos de movimento sindical, no ABC paulista. Tornou-se também grande amigo de José Dirceu. Eles se conheceram ainda no fim da década de 60, quando Dirceu esteve exilado na ilha, e nunca mais perderam contato. Cervantes é quem costuma recepcionar Dirceu em suas visitas à ilha. Em julho do ano passado, por exemplo, quando o então ministro da Casa Civil passou uma semana de descanso em Cuba, Cervantes foi recebê-lo no aeroporto e levou-o para um encontro com Fidel Castro. Em retribuição, o agente cubano ganhou uma caixa com peças de reposição de automóvel, produto escassíssimo em Cuba. Cervantes nega que tenha havido ajuda financeira de Cuba para Lula. “Cuba está é precisando de dinheiro. Como é que pode mandar?”, disse. “Isso não é verdade.”

A investigação de VEJA, associada às confirmações de duas testemunhas, compõe um quadro sólido a respeito da operação do dinheiro cubano, mas há um ponto que merece reflexão. Buratti e Poleto apresentam depoimentos fortes e comprometedores, mas embasam-nos no que ouviram falar de Ralf Barquete – uma testemunha que não pode mais ser ouvida. Em 8 de junho de 2004, Barquete morreu vítima de câncer, aos 51 anos. Seria possível que Buratti e Poleto estivessem sustentando uma história falsa com base num morto, apenas porque não pode contestá-la? No submundo do dinheiro clandestino e das operações secretas, quase tudo é possível e seria leviano descartar liminarmente a hipótese de que a grande vítima fosse o morto. Os contornos dos fatos e os detalhes dos perfis dos envolvidos, porém, mostram que nem Buratti nem Poleto estão combinados em uma armação. A começar pelo fato de que, entrevistados por VEJA em dias, locais e cidades distintas, contam ambos uma história semelhante, mas não idêntica. Buratti diz que soube que Cuba mandou 3 milhões de dólares. Poleto, 1,4 milhão.

É improvável que numa versão montada haja divergência sobre um detalhe tão central, mas há outro dado mais relevante – o de que Vladimir Poleto, depois de dizer tudo o que disse a VEJA, mudou de idéia. Ele despachou um e-mail para a revista pedindo para que não se fizesse “uso do conteúdo” da conversa. Ali, sugere que não autorizou a gravação do diálogo e dá a entender que, diante de “diversos copos de chope”, pode ter caído involuntariamente no “exacerbamento de posicionamentos”. VEJA respondeu o e-mail, indagando as razões que o teriam levado a uma mudança tão radical de postura, mas Poleto não respondeu. Por essa razão, a revista mantém, no corpo desta reportagem, os termos do acordo selado com o entrevistado, que autorizou a publicação do conteúdo da conversa e a revelação de sua identidade. Houve, inclusive, uma gravação da entrevista, também devidamente autorizada por Poleto. A gravação, com sete minutos de duração, resume, na voz dele, os trechos mais importantes das revelações que fez em cinco horas de conversa no Plaza Inn. A tentativa de recuo de Poleto é uma expressão do peso da verdade.

O aspecto mais decisivo da sinceridade com que Buratti e Poleto falaram de Barquete talvez seja o fato de que ambos têm profundo respeito pela memória do amigo falecido. Os três foram amigos íntimos até a morte de Barquete. As famílias se conheciam e se visitavam. Poleto, até hoje, é um amigo muito próximo do irmão de Barquete, Ruy Barquete, que trabalha na Procomp, uma grande fornecedora de terminais de loteria para a Caixa Econômica Federal. Até a viúva de Barquete, Sueli Ribas Santos, já comentou o assunto. Foi em um período em que se encontrava magoada com o PT por entender que seu falecido marido estava sendo crucificado. Buratti denunciara que o então prefeito Palocci recebia um mensalão de 50.000 reais de uma empresa de recolhimento de lixo – e quem pegava o dinheiro era o secretário da Fazenda, Ralf Barquete. A viúva desabafou: “Eles pegavam dinheiro até de Cuba!” O desabafo foi feito para um empresário de Ribeirão Preto, Chaim Zaher, dono de uma escola e de uma faculdade, além de uma emissora de rádio. Zaher não foi encontrado por VEJA para falar do assunto. A viúva, que já não tem mágoa do PT, nega.

A amizade entre Barquete, Buratti e Poleto prosseguiu em Brasília, com a posse do governo do PT. Eles todos costumavam freqüentar uma mesma casa, alugada num bairro nobre de Brasília, na qual discutiam eventuais negócios que poderiam ser feitos tendo como gancho a influência que tinham junto ao ministro da Fazenda. O próprio Palocci freqüentou a casa, à qual os amigos chamavam de “central de negócios”. A casa foi alugada por Poleto, que pagou adiantado e em dinheiro vivo os primeiros meses de aluguel. Foram 60.000 reais. “Era para ser uma espécie de ponto de referência para quem quisesse fazer negócios em Brasília”, diz Poleto. O grupo de amigos de Ribeirão Preto que ia à casa era mais amplo. Incluía o empresário Roberto Colnaghi, o dono do Seneca que voou com os dólares cubanos. E não só: Colnaghi também é um dos sócios do jato Citation, prefixo PT-XAC, que ficava à disposição de Palocci durante a campanha de Lula. A casa era freqüentada ainda por Roberto Kurzweil, o dono do Omega blindado em que Barquete transportou os dólares cubanos. Kurzweil também era dono do blindado usado pelo então tesoureiro Delúbio Soares.

De Cuba, sabe-se que não sai dinheiro privado, pelo menos não em quantidades expressivas. Não há um empresário privado altamente bem-sucedido que possa se interessar em despachar recursos para o PT, ou mesmo uma ONG – política, humanitária, ecológica, o que fosse – que, clandestinamente, pudesse querer ajudar os petistas na sua empreitada para governar o Brasil. Por essa razão, é lícito supor que o dinheiro que chegou ao caixa dois do PT deve ter saído apenas de dois lugares que, no fundo, constituem um só: os cofres do governo cubano ou os cofres do único partido político legalmente organizado, o Partido Comunista Cubano. Isso significa dizer que o Estado cubano, com sua contribuição financeira, seja ela de 3 milhões de dólares, seja de 1,4 milhão, procurou interferir nos rumos da política brasileira. Na história da humanidade, são inúmeros os casos em que um governo estrangeiro tenta influir nos destinos de outro. Mas quem cedeu aos encantos de Cuba cometeu um crime. E grave.

A Lei 9096, aprovada em 1995, informa que é proibido um partido político receber recursos do exterior. Se isso ocorre, o partido fica sujeito ao cancelamento de seu registro na Justiça Eleitoral. Ou seja: o partido precisa fechar as portas. O candidato desse partido – o presidente Lula, no caso – não pode ser legalmente responsabilizado por nada, já que sua diplomação como eleito aconteceu há muito tempo. O recebimento de dinheiro estrangeiro, porém, não se resume a esse quadro simples. “Isso é a coisa mais grave que existe”, diz o professor Walter Costa Porto, especialista em direito eleitoral e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “É tão grave, mas tão grave, que é a primeira das quatro situações previstas na lei para cassar o registro de um partido político. Isso é um atentado à soberania do país. É letal”, comenta o ex-ministro. Caso as investigações oficiais confirmem que o PT recebeu dinheiro de Cuba, e o partido venha a ter o registro cancelado, o cenário político brasileiro será varrido por um Katrina: isso porque os petistas, sem partido, não poderiam se candidatar na eleição de 2006. Nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Por Reinaldo Azevedo

 

É mentira que faltem leis para cassar parlamentares condenados; é que sobraram desídia e “nonchalance”

Vejam bem: não se chega a ter um deputado-presidiário por acaso. É preciso que muita gente se junte para fazer a coisa errada — ou para não fazer a coisa certa. É assim que surge um Natan Donadon. Os congressistas dizem agora que tentarão tomar medidas para impedir que o episódio se repita. Uma delas é votar na Câmara proposta já aprovada no Senado, que põe fim ao voto secreto em casos como cassação de mandato. O correto senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), um político sério, já apresentou uma PEC que estabelece a perda de mandato para parlamentares condenados em processo criminal, com sentença transitada em julgado. Tudo isso está sendo estudado para que a barbaridade não se repita. Ok. Mas não há como ignorar: nada disso seria necessário. Já hoje há caminhos para impedir esse absurdo. A condenação criminal implica perda de direitos políticos, conforme estabelece o Artigo 15 da Constituição. Essa mesma Constituição, no Artigo 55, autoriza a Mesa da Câmara a, nesse caso, simplesmente declarar a cassação, sem necessidade de passar pelo plenário — a menos que se admita que alguém pode ser parlamentar sem direitos políticos; a menos que se admita que, sem esses direitos, o indivíduo pode ser representante do povo. Tenham paciência!

Não é só isso. O artigo 92 do Código Penal está à disposição dos juízes. Ali se estabelece que condenação criminal em sentença transitada em julgado por crimes contra a administração pública e pena superior a quatro anos implica a perda de mandato. O dispositivo só não é autoaplicável. É preciso que conste da sentença condenatória. E pronto! Suponho que ninguém considere inconstitucional o Código Penal brasileiro.

Por que essas coisas são relevantes? Porque a desídia e a, se me permitem, nonchalance dos que podiam ter tomado, a seu tempo, a devida providência estão passando, agora, como se fossem fatalidades determinadas pela lei. Ora, Teori Zavascki disse com todas as letras que não vê incompatibilidade constitucional entre a condição de presidiário e de parlamentar. Explicitamente, não mesmo! Não há lá nada assim: “O parlamentar que for preso perderá o mandato…”. A questão é de outra natureza: saber por que está preso. É por processo criminal? Se está preso, é quase certo que a sentença é superior a oito anos. A rigor, basta que o juiz, do Supremo ou não, se atenha ao Código Penal. Nem mesmo é necessário o tal ato declaratório da Câmara.

O Brasil tem, sim, alguns exotismos legais e mesmo constitucionais. O Artigo 55, combinado com o 15, não chega a ser um exemplo de clareza. Mas que não se venha agora atribuir à lei o que dependeu, isto é inescapável, da vontade dos homens. Os seis que decidiram remeter às respectivas Casas legislativas a prerrogativa de cassar ou não os mandatos dos condenados estavam entre duas alternativas que reivindicam o estatuto de constitucional. Entre as duas, escolheram a pior, a que faz mal ao Brasil. O mesmo se dará, lembro uma vez mais, quando chegar a hora de decidir se há ou não embargos infringentes. Caso decidiram que sim e caso o julgamento do mensalão fique para as calendas, trazendo consigo a impunidade, que ninguém venha dizer que isso se deve às leis ambíguas que temos. Não! Se isso acontecer, terá sido por vontade dos que votaram para que isso acontecesse.

Por Reinaldo Azevedo

 

Pode não parecer, mas a liminar de Barroso vislumbra um mundo em que um senador condenado a 30 anos de cadeia poderia manter seu mandato. É boa para punir Donadon, mas é uma aberração!

O ministro Roberto Barroso suspendeu, em caráter liminar, como vocês sabem, os efeitos da sessão da Câmara que manteve o mandato do deputado Natan Donadon (sem partido-RO), atendendo a mandado de segurança impetrado pelo PSDB. Vocês sabem o que penso em essência sobe o caso, e é, pois, óbvio, que concordo com o sentido moral da liminar concedida. Mas sou quem sou. Meu compromisso com os meus leitores é dizer o que penso, atendo-me aos fatos. A decisão, reitero, é moralmente correta, mas a liminar de Barroso é um dos mais, como posso chamar?, sofisticados — prenhes de sofismas — exercícios de direito criativo que vi nos últimos tempos. A impressão que tenho, máxima vênia, é que Barroso se assustou um tantinho com os efeitos práticos de uma decisão recente de que ele é parte e que, na prática, permite o descalabro de se ter um parlamentar-presidiário.

A situação já era meio confusa, e Barroso ajudou a torná-la ainda mais enrolada. O Artigo 15 da Constituição diz que a condenação criminal, com sentença transitada em julgado, suspende os direitos políticos do condenado pelo tempo que durar a condenação. Logo, Donadon e os deputados mensaleiros, por exemplo, perderam seus direitos políticos. O Artigo 55 da Constituição, com efeito, já demonstrei aqui, permite, sim, duas leituras — e é inútil dizer que não, o que quer dizer que ele tem de ser reformado, vamos ser claros!: a) uma envia a decisão sobre a cassação de mandato para o plenário da Câmara, em votação secreta; b) a outra estabelece que a Mesa faz um simples ato declaratório. Ora, para que se aplique esse dispositivo que chamo aqui de “b”, basta que o parlamentar tenha tido seus direitos políticos cassados ou suspensos.

Segundo Barroso, não! Ele considera que os deputados e senadores são exceção e que essa norma não os alcança. É? Então doutor Barroso está a nos dizer que é possível haver um deputado e um senador sem direitos políticos, certo? Afinal, a Câmara e o Senado até podem ter o poder, segundo ele diz, de não cassar o mandato, mas o de devolver os direitos políticos, ah, isso ele não tem. Ora, o Artigo 14 da Constituição exige que um simples candidato tenha os direitos políticos intactos. Por que um candidato há de tê-los, mas um parlamentar poderia não tê-los é um desses segredos que se escondem em algum escaninho da mente brilhante de doutor Barroso — e disso ele não trata em sua liminar.

Chamo seu texto de “exercício sofisticado” porque embute, a meu ver, um cadeia de sofismas que procura, a um só tempo, justificar o seu voto na sessão que condenou o senador Ivo Cassol (PP-RO), mas deixando que o Senado, em sessão secreta, decida sobre o seu mandato, e, ao mesmo tempo, dar uma satisfação à sociedade, que está indignada com a barbaridade do caso Donadon. Ou por outra: o ministro, parece-me, ficou com medo da própria criatura.

Numa liminar em que, reitero, ele defende com eloquência o seu voto no caso Ivo Cassol (passa a maior parte do tempo se justificando), ele acaba concluindo que é preciso suspender os efeitos da sessão que manteve o mandato de Donadon. E onde ele foi buscar inspiração para tomar essa decisão? Pois é… Ele fez o seguinte percurso (em vermelho):

Disso resulta que o condenado em regime inicial fechado, cujo período remanescente de mandato seja inferior a 1/6 (um sexto) da pena a que foi condenado – isto é, ao tempo mínimo que terá de permanecer necessariamente na penitenciária (LEP, art. 87) –, não pode conservar o mandato. É que, nessa situação, verifica-se uma impossibilidade jurídica e física para o exercício do mandato. Jurídica, porque uma das condições mínimas exigidas pela Constituição para o exercício do mandato é o comparecimento às sessões da Casa (CF, arts. 55, III, e 56, II). E física, porque ele simplesmente não tem como estar presente ao local onde se realizam os trabalhos e, sobretudo, as sessões deliberativas da Casa Legislativa. Veja-se, então: o mandato do Deputado Natan Donadon terminaria em 31.01.2015, isto é, cerca de 17 (dezessete) meses após a deliberação da Câmara, que se deu em 28.08.2013. Porém, 1/6 da sua pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias corresponde a pouco mais de 26 meses. Logo, o prazo de cumprimento de pena em regime fechado ultrapassa o período restante do seu mandato.
(…)
Em rigor, à luz do que dispõem os art. 55 (Inciso III), 56 (Inciso II), da Constituição, seria possível cogitar da perda automática de mandato em todos os casos de prisão em regime fechado cujo prazo ultrapassar um terço das sessões ordinárias ou, no máximo, cento e vinte dias. Com efeito, o art. 55, III estabelece que perderá o mandato o Deputado ou Senador “que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada”. A pena de prisão não parece se enquadrar em nenhuma das duas hipóteses. Mas ainda que fosse possível a licença, ela não poderia exceder, nos termos do art. 56, II, o prazo de cento e vinte dias. De todo modo, não há necessidade de expandir essa discussão para a solução do caso presente.

Voltei
Máxima vênia, é direito criativo, sim! É perfeitamente demonstrável – e não se cuida aqui de nenhum outro aspecto que não o puramente fático – que Natan Donadon não vai faltar às sessões por um ato de vontade — é que, convenham, ele não poderá comparecer mesmo, não é?, ainda que quisesse.

Parece-me, ademais, que o ministro trata o regime semiaberto de uma forma, como direi?, excessivamente aberta. É bom lembrar que esse regime, a rigor, é fechado. Ele só é exercido com menos vigilância. No Brasil da esculhambação, acaba virando regime aberto porque quase não há instituições para tanto preparadas. Vamos ver o que diz o Artigo 35 do Código Penal:

Art. 35 – Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto.
§ 1º – O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
§ 2º – O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.

De todo modo, seria lindo um deputado ou senador a passar o dia no Congresso e a noite na cadeia… Mais um pouquinho. Vamos ver para onde isso nos leva. O deputado João Paulo Cunha, por exemplo, foi condenado a uma pena total de 9 anos e quatro meses, assim composta:
peculato – 3 anos e quatro meses;
corrupção passiva – 3 anos;
lavagem de dinheiro – 3 anos anos.

Muito bem! Digamos que João Paulo tivesse sido condenado “só” por peculato e corrupção passiva, coisa, assim, de seis anos e quatro meses. Bem, no modelo de Barroso, ele poderia passar os dias legislando no Congresso — MESMO SEM DIREITOS POLÍTICOS —, mas dormindo na prisão. Afinal, estaria no semiaberto. E no aberto então? Digamos que fosse apenas um corrupto ou um peculatário… Com pena inferior a quatro anos, estaria no regime aberto. Seria chamado de excelência no Congresso e passaria as noites num apartamento funcional. “Ah, assim quer a lei”. Não! Já está mais do que evidenciado que há outro caminho.

A coisa é de tal sorte especiosa que esse modelo permitira que alguém condenado a 20 anos de cadeia mantivesse o mandato se assim decidissem a Câmara e o Senado. Digamos que o sujeito fosse condenado no começo do mandato a 240 meses de prisão. Cumprido um sexto, teria direito ao semiaberto depois de 40 meses (três anos e quatro meses). Sobraria, caso de deputado, mais 8 meses de mandato. Um senador, então, poderia levar a condenação máxima: 30 anos. Cumprira 5 anos em regime fechado; teria mais três de mandato para cumprir no semiaberto.

Ainda não acabei. Se é como Barroso quer, então Donadon não pode ser cassado já. Há que esperar que se cumpra aquele terço de faltas. Até que isso não fique caracterizado, tem de seguir deputado, ora… Ou o doutor vai defender a antecipação da pena?

Encerro
Reitero: é bom que o descalabro aprovado pela Câmara seja revertido, sim. Mas a liminar concedida por Barroso, a meu ver, faz uma lambança danada. Ou bem ele não reconhece uma cadeia de eventos, fortemente amparada em lei, que cassa os direitos políticos do parlamentar — e, pois, o seu mandato — e deixa que a Câmara decida livremente, ou bem ele reconhece que a existência de um parlamentar sem direitos políticos é uma aberração, o que obriga a Câmara a apenas declarar a perda do mandato, sem a necessidade da votação secreta.

Aí não tem jeito: se ele escolhe o primeiro caminho — e foi o que ele escolheu no caso de Ivo Cassol —, então aberração, segundo seus próprios termos, é a liminar de agora. Insisto: ela pode vir a ser efetiva para cassar o mandato de Donadon, mas se sustenta em premissas que permitem que um senador condenado a 30 anos de prisão mantenha seu mandato — se assim quiser o Senado. Nesse ritmo, logo teremos o Partido Popular da Papuda.

Por Reinaldo Azevedo

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Blog Reinaldo Azevedo (VEJA)

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